26 julho 22
Inovação

Jorge Fiel

Phoenix, o couro reciclado: a anatomia de um prémio

Como poderemos valorizar as dez toneladas de aparas de couro que todos os meses resultam da nossa operação industrial? Esta interrogação já estava alojada nas cabeças dos gestores e quadros da ERT desde meados da última década, ainda a intervenção da troika estava fresca nas nossas memórias.

Até que em 2017, o CITEVE (mais o CeNTI, mais o CTIC, centro tecnológico do couro) entrou a bordo da equipa que buscava uma resposta a esta questão. E o projeto de investigação e desenvolvimento (i&d) arrancou há cinco anos, no âmbito do Texboost, um dos pilares do estabelecimento de simbioses entre indústria e entidades do sector científico, no sentido da sustentabilidade da ITV e de uma economia circular.

Em 2020, o projeto terminou com uma resposta positiva à pergunta – foi achado um processo de converter os desperdícios de couro em revestimentos têxteis para a fabricação de componentes para a indústria automóvel.

O caminho não foi fácil – raramente o é quando vale mesmo a pena. A primeira tentativa, que tinha como ponto de partida a trituração mecânica de resíduos de couro, não proporcionou um revestimento uniforme.

Com a colaboração de Mónica Gonçalves, a designer da ERT, a equipa de i&d testou o aproveitamento de soluções para vestuário deste primeiro resultado da sua investigação. Não ficaram satisfeitos. Em termos visuais, a coisa não funcionava.

Mas não desistiram. Os membros do consórcio continuaram a busca de um processo que proporciona um coating uniforme. Até que, finalmente, tiveram o seu momento Eureka no método de hidrólise, que consiste na utilização de um químico que extrai a proteína do couro, um processo sustentável, de base biológica, que recorre a polímeros reciclados para fazer o reverbamento.

“Foi um longo caminho, durante o qual fomos otimizando soluções, introduzindo melhorias e aperfeiçoando o processo, em que foi usada uma grande percentagem de produtos reciclados, com um menor impacto ambiental do que o couro natural, suscetível por isso de receber a certificação GRS-Global Recycled Standard”, explica Augusta Silva, a engenheira têxtil formada na Universidade do Minho que é a gestora de Inovação, Estamparia e Coating do CITEVE.

Em 2020, este projeto Texboost, desenvolvido em parceria por um consórcio liderado por CITEVE e ERT, encerrava com um final feliz. Mas ainda havia (e há…)  terreno a desbravar.

A ERT adquiriu os direitos industriais da exploração do novo produto, que batizou Phoenix (alusão ao renascimento do desperdício), apresentou o pedido de patente (que foi aceite) e continuou o seu desenvolvimento, com fundos próprios e novos parceiros industriais.

“Tínhamos pela frente vetores de desenvolvimento do nosso trabalho. Na primeira fase, estudámos a industrialização do processo, recolhendo informações sobre os equipamentos de que necessitava e os consumos de água e energia que implicava. Depois fizemos um ensaio piloto com os nossos parceiros tendo como base os requisitos dos principais fabricantes de automóveis europeus, que fomos sempre auscultando e mantendo a par de todos os desenvolvimentos do nosso trabalho”, conta David Macário, um engenheiro eletrónico formado pela Universidade de Aveiro que desde há dois anos é o diretor de Inovação da ERT, após seis anos com idênticas funções na Heliotêxtil.

Construtores como a Mercedes, BMW ou grupo VW, já manifestaram interesse no novo e inovador produto – e seguem atentamente o processo, ao ponto do couro reciclado já estar a ser testado num concept car.

Apesar de ter conseguido operar com sucesso a migração do laboratório para a fábrica, a ERT está agora empenhada em tornar economicamente viável o couro reciclado. “Neste momento, o preço do couro reciclado fica resvés com o da pele. Estamos a fazer a engenharia do produto no sentido de o industrializar o mais barato possível”, afirma o diretor de Inovação da ERT, acrescentando que estão a esforçar-se por baixar o preço, mas não a todo o custo.

Nisto de inovação, as coisas levam o seu tempo. Decorreram três anos entre o cork-a-tex ter sido distinguido em 2019 com o prémio de Novo Produto pela Techtextil e a Têxteis Penedo estar a negociar com as maiores marcas mundiais de calçado desportivo o fornecimento de tecido feito com fio produzido a partir de desperdício de cortiça.

Será que na próxima edição a Techtextil, que abre a 23 de abril de 2024, na Messe Frankfurt, a Deutsche Bahn já estará a testar o couro reciclado Phoenix nos assentos das suas carruagens?

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