Miguel Lopes
A sustentabilidade está no centro da nossa cultura empresarial
T79 - Janeiro 23

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Ao cabo de mais de 50 anos de existência, a Calvi entendeu que está na hora de mudar os azimutes e enveredar por um novo conceito de negócio. Uma alteração estratégica que aumentará as receitas no curto-médio prazos e que promoverá um forte crescimento do número de colaboradores. De algum modo, é também o tempo certo para que a nova geração familiar entre na empresa. A Calvi Wholesale promete ser um novo capítulo da história da empresa familiar.

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omo correu o ano de 2022 na Calvi Confeções?

Tendo em conta as subidas dos preços das matérias-primas conjugada com os custos da energia e transportes, poderemos considerar um ano positivo. Tivemos um crescimento 5 % até ao terceiro trimestre, no quarto trimestre não tivemos crescimento. O objetivo dos 11 milhões de euros de faturação foi realizado. A exportação representa 99,9%, para marcas de terceiros, principalmente para o mercado espanhol.

 

Uma empresa estritamente familiar?

A Calvi sempre foi uma empresa familiar. Desde 2010, somos quatro acionistas: eu, a minha esposa, como acionistas maioritários, e os nossos dois filhos.

 

O que é que vai mudar?

O trajeto que fizemos até hoje, mostrou-nos as dificuldades e oportunidades que existem no mercado. Criamos este projeto, Calvi Wholesale, com a missão de oferecer vestuário ético e sustentável para a venda por atacado. Queremos disponibilizar o melhor produto têxtil aos nossos clientes para a sua marca ou negócio. Acreditamos que a nossa grande meta será alcançada em 2025/26. Neste momento estamos numa fase de transição, divulgação e ajustes.

 

Para terceiros?

É um conceito que assenta na inovação e fomenta o espírito empreendedor pois apoia a criação e crescimento de marcas. Os nossos produtos e serviços estão disponíveis sem quantidades mínimas obrigatórias, permitindo que o empreendedor compre apenas o que necessita e tenha a flexibilidade para testar os seus produtos com os clientes sem correr risco de acumulação de stock e desperdício. O modelo já está a ter resultados. O nosso catálogo já conta com mais de 30 modelos com várias opções de cores e gramagens de malha para homem e mulher. Para além disso, centralizamos todos os serviços que são necessários para desenvolver uma coleção como etiquetagem, estampagem e packaging.

Fundada originalmente há 55 anos
A Calvi está em fase de mudança de paradigma
Temos como objetivo atingir até 2024 cinco milhões de euros de faturação e 25 milhões em 2030.

 

Como tem respondido o mercado a este novo modelo?

O modelo de negócio é novo na Europa, é um conceito inovador – existem alguns players norte-americanos, que serviram de inspiração. Adaptámos à nossa realidade e acrescentamos valor com os nossos serviços e experiência. É um modelo de negócio que possibilita trabalharmos com vários países e com diferente tipo de clientes. Por exemplo, para os novos empreendedores que estão no processo de criação de marca própria de vestuário e sentem dificuldades em cumprir com MOQ tradicionalmente exigidas no mercado, criamos ateliês para dar-lhes apoio.

 

A atual estrutura da Calvi – em termos de tecnologia, de trabalhadores – está preparada para isso?

Sim. Para além disso, consoante o crescimento que tivermos, vamos adaptando a estrutura. A par com a estrutura do negócio tradicional que continua em paralelo.

 

Quantos trabalhadores tem a Calvi?

Temos 135. Contamos, em breve, chegar aos 200 trabalhadores.

 

Um dos problemas do sector é a falta de mão de obra, nomeadamente a especializada. Sente esse problema?

Neste momento, não temos esse problema.

 

Quer dizer que não acredita no modelo tradicional. Porquê?

Os clientes de produção em série conseguem este tipo de produto mais barato na Ásia. Cada ano que passa, há períodos mais longos sem negócio. Há cinco anos, trabalhávamos 12 meses – de então para cá, todos os anos há em média uma redução de um mês de produção. Isto quer dizer que o conceito tradicional deixou de ser viável. Temos a alternativa do pronto-moda onda as quantidades são inferiores e com menos tempo de entrega.

 

Mas a pandemia limitou as compr

A pandemia e as atuais condições dos mercados internacionais impuseram o que já se vinha tornando evidente: o modelo tradicional da empresa já não tinha mais por onde evoluir e estava chegado o tempo da mudança. O novo modelo pode designar- se como uma espécie de “chave na mão” para quem quer lançar uma marca no mercado.
as do Ocidente à Ásia, não é assim? Não houve melhoria desse negócio tradicional?

Não. O primeiro ano pós-pandemia foi, digamos, razoável. No entanto, tivemos uma quebra após esse período, deve-se a crise das matérias-primas e dos custos energéticos.

 

O novo modelo de negócio obriga a alguns investimentos?

O novo projeto obriga a bastante investimento, desde das instalações, compra de equipamentos de tecnologia de ponta, stock e contratação de funcionários. Para além da aposta na internacionalização, através da presença em feiras internacionais de vestuário. Apesar de sabermos que vivemos num mundo digital, acreditamos que a participação nas feiras, as ações presenciais, é mais eficaz e convertem mais facilmente. Por isso, nesta fase queremos estar presentes em várias feiras e dedicamos uma fatia do orçamento da empresa para estas ações.

 

Já apresentaram o projeto em algum mercado?

Arrancamos o projeto com presença na edição 59ª do MODTISSIMO com um resultado superinteressante. Estivemos em duas feiras em Munique – MFS e ISPO. Em breve, vamos à Première Vision em Paris e na Magic Las Vegas. E vamos estar outra vez no MODTISSIMO.

 

A presença no MODITISSIMO é importante para a internacionalização?

Para nós, foi uma boa estreia. O ponto de partida para esta caminhada. Tivemos visitas de clientes de vários locais da Europa, conseguimos validar o conceito e retirar os primeiros feedbacks da parte dos clientes.

 

Vão estar em Las Vegas, ou seja, o projeto não é só para a Europa?

Não. No nosso ramo, o made in Portugal é muito valorizado em diferentes partes do mundo.

 

Como observa genericamente o sector têxtil português?

O têxtil português tem prestígio. Acredito que alguns segmentos possam passar por mais dificuldades, mas são todas ultrapassáveis. Quando acreditamos, ultrapassamos todos os obstáculos.

 

Que obstáculos prevê para 2023?

Estou confiante em 2023. Acredito que após o primeiro trimestre de 2023 será um ano muito positivo em relação a 2022. O primeiro trimestre será o seguimento de 2022. Por norma, as crises no têxtil demoram cerca de meio ano. A partir daí, tudo volta ao normal. Os custos da matéria-prima e da energia têm influência. Por um lado, os custos das matérias-primas têm vindo a baixar, no entanto, o custo energético está muito elevado.

 

Acredita que o custo das matérias-primas vai continuar a descer?

Os preços estão em baixa e creio que vão continuar a descer porque não há procura. Acho que os valores não ficarão iguais aos praticados antes da pandemia, mas a tendência é voltarem à normalidade.

 

Que mercados europeus estão capazes de abraçar um projeto do género que a Calvi está a apresentar?

Ainda não temos dados concretos para uma análise correta, mas estou convencido que todos os mercados têm interesse. Temos clientes na Colômbia que já solicitaram repetições de encomendas. Por isso, é sinal de que o projeto funciona e serve para todo o lado.

 

Já estiveram em feiras na América do Sul?

Ainda não, mas o conceito já lá chegou – devido ao MODTISSIMO.

 

Existe com certeza um foco na sustentabilidade?

A sustentabilidade está no centro da nossa cultura empresarial. Estamos empenhados em melhorar continuadamente a forma como criamos e operamos, desde do algodão passando pela forma como gerimos os nossos resíduos. Calvi Wholesale só trabalhará com matérias primas sustentáveis, à base do algodão orgânico. Para os produtos do Wholesale recorremos a duas qualidades de matéria-prima: 100% algodão orgânico e 50% algodão orgânico |50% polyester reciclado.

 

Pandemia primeiro, inflação a seguir. Como é que o Estado respondeu às necessidades do sector têxtil?

Na prática, o Estado tanto está presente como não está. Dizer as coisas é fácil, mas na prática é um pouco mais difícil. Vou dar o exemplo da linha crédito Covid Exportadores, onde prometiam uma conversão de 20% em fundo perdido e incentivos à manutenção de postos de trabalho durante a pandemia – ainda hoje estou à espera do pagamento dos 20% a fundo perdido do financiamento. A nossa política é: Os resultados da Calvi ficam na Calvi, onde aplicamos 80% em investimento e 20% para reforço da tesouraria. A nossa política de investimento passa por nunca ultrapassar os resultados do ano anterior. Em média, investimos um milhão de euros por ano.

Perfil

Miguel Lopes 

Aos 55 anos, o administrador da Calvi está na empresa desde os 17. É a segunda geração à frente da confeção, mas conta já com a geração seguinte para o ajudar a dirigir novo modelo de negócio. Numa empresa estritamente familiar e com várias décadas, há um novo break even em vista (a partir de 2025) que transformará a Calvi numa empresa diametralmente diferente da que é ainda hoje.

As perguntas de
Álvaro Cunha
CEO Adilelevel Têxteis Ldª

Como conseguiu adaptar a empresa a um mercado diferente, com maior diversificação e valor acrescentado, face ao mercado de grandes grupos que foi a base do vosso trabalho?

A base é a Calvi ser uma empresa sólida, com meios para suportar os investimentos necessários. Se assim não fosse, muito dificilmente podíamos mudar o chip da empresa. Temos um suporte financeiro para aguentar esta transição. Sem isto era muito difícil criar este novo modelo de negócio.

 

Quais os maiores desafios que sentiu ao lançar uma marca e um conceito inovador a partir de Portugal?

Criar uma marca com os nossos conhecimentos é fácil, o maior desafio é montar a estrutura necessária para o negócio a funcionar.

Catarina Lopes
Commercial Department Calvi

Considerando os aumentos da energia, matérias-primas e dos custos de pessoal, o têxtil português corre o risco de perder competitividade?

O negócio tradicional (produção em escala) vai com certeza perder competitividade, A produção no pronto-moda não creio que vá sair penalizada, dado que temos mais-valias que os outros não têm.

 

Considera a digitalização um fator fundamental para o futuro da indústria têxtil portuguesa?

Fundamental seja qual for a indústria, seja qual for o negócio. Todos sabemos que tudo vai no sentido da digitalização.

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