Eduardo Pinheiro
"Evidentemente que estas dificuldades, para além dos custos associados, trazem outras dificuldades de execução"
T75 - setembro 22

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Num contexto em que a pandemia primeiro e a guerra na Ucrânia depois fizeram surgir um conjunto de desafios inesperados e de forte impacto na economia e nas empresas, os fundos comunitários são um instrumento essencial para o equilíbrio – para o equilíbrio possível – da envolvente e para a recalibragem das prioridades comuns. O secretário de Estado do Planeamento tem neste particular um papel de gestão essencial.

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Governo disse recentemente que é preciso revisitar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) à luz da guerra e da inflação. Que perspetiva há sobre a matéria? 

O PRR já teria necessariamente de ser revisitado, até porque temos um incremento relativamente ao valor inicial. Ou seja, em junho foi aprovado um aumento superior a 10% relativamente ao valor das subvenções iniciais: cerca de 1,6 mil milhões de euros, que têm de ser acomodados. Isso não tem necessariamente a ver com a circunstância difícil que estamos a atravessar, nomeadamente com as consequências da guerra na Ucrânia, com a inflação, e com a escassez de matérias-primas.

 

Contudo, ao mesmo tempo, o Governo já enviou e formalizou as suas preocupações junto da Comissão Europeia? 

Evidentemente que estas dificuldades, para além dos custos associados, trazem outras dificuldades de execução, para Portugal e para todos os países membros, no que tem a ver com o cumprimento de prazos, que tem de ser considerado. É necessário que o assunto seja considerado para 2023 nas discussões e na agenda da própria Comissão. Por isso, no âmbito da revisão iremos ter em consideração que há condições objetivas, dados objetivos que, em função nomeadamente da escassez de matérias-primas, trazem (sobretudo no que está ligado à construção) atrasos. Não diria do ponto de vista da concretização dos investimentos e dos objetivos finais, mas das metas e dos marcos que estão previstos para o PRR.

 

Será necessário ponderar caso a caso?

Diria que a envolvente não atinge de forma homogénea todas as metas e os marcos. Vamos a prova todos os semestres, período em que temos de cumprir metas e marcos que devemos remeter para a Comissão devidamente consubstanciados e com provas de concretização.

O Banco de Fomento está sob o olhar atento dos empresários
O PRR já teria necessariamente de ser revisitado, até porque temos um incremento relativamente ao valor inicial.
Reconhecemos – e acho que todos reconhecem – as dificuldades que podem surgir. É nesse sentido que, a partir de setembro, o que está acordado com a Comissão, vamos proceder a essa revisão.

 

Digamos que é uma questão instrumental?

É uma dilatação dentro do período que está previsto à data de alguns dos prazos, de algumas metas e marcos. É de facto essencialmente uma revisão instrumental, com dois fatores: escassez de matérias-primas (por exemplo) e o incremento do valor. Depois, há um problema mais complexo – e daí Portugal ter colocado isto na agenda – que é a necessidade, que consideramos transversal a todos os Estados-membros, de prolongar o prazo que está previsto para 2026.

 

Mas diria que em termos das grandes linhas de força o PRR está completamente estabilizado?

O PRR tem um conjunto de objetivos que estão previstos de forma não isolada, que tem a ver com a estratégia de fundo, que abarca não só o PRR como também o Portugal 2030. Consideramos que este fator novo da guerra só veio dar mais força aos objetivos que estavam traçados – nomeadamente ao nível da energia e da ambição da transição climática, da transição energética, que são determinantes. Diria que os princípios que constam do próprio PRR só vêm ser reforçados pelas circunstâncias. Os três pilares, a resiliência – que é por demais evidente que tem de ser reforçado – o da transição climática, mas também o da transição digital. Era um projeto ambicioso desde o início…

 

Tornou-se obrigatório!

Isso mesmo.

 

Em termos mais microeconómicos, a questão energética é fundamental para as empresas. Querem ser diretamente ajudadas e o medo é um aumento exponencial das falências. Como compaginar as

O Banco de Fomento está sob o olhar atento dos empresários, que querem perceber se a opção do Governo na sua criação – decidida no executivo anterior – encerrará ou não as virtudes para que foi concebido. Uma espécie de falsa partida não foi o melhor cartão de visita, mas a avaliação de Eduardo Pinheiro é que a sua principal função está já a ser cumprida. “Já tínhamos identificado as necessidades de capitalização das empresas portuguesas e a pandemia só veio agravar esse problema”. Nesse contexto, e sendo uma das componentes específicas do PRR assegurar a capitalização das empresas, afigurava-se imprescindível haver um instrumento que servisse de veículo ao financiamento. “Com todas as dificuldades que existem, o Banco de Fomento tem por um lado uma capacidade de 1,3 mil milhões de euros disponíveis no âmbito do PRR só num instrumento de capitalização das empresas – em particular da PME – e por outro lado tem a obrigação de o fazer”, destaca Eduardo Pinheiro. Há portanto “um recurso existente perante uma necessidade que foi identificada”.
exigências das empresas com a estratégia global do Governo?

Temos de fazer dois caminhos. Desde o início que o Governo lançou o apoio às empresas – nomeadamente as consumidoras intensivas de gás natural, e desde logo para a indústria têxtil. Há aqui um apoio imediato, para dar resposta a uma situação urgente. Mas é importante destacar – e esta crise demonstra-o bem – a urgência de acelerar a transição energética. Em particular no PRR, destacaria os apoios à descarbonização da indústria – que é um ponto sem retorno e é importante que as empresas consigam mesmo ter alternativas, seja do ponto de vista de uma maior eficiência energética, do ponto de vista do armazenamento de energia, ou do ponto de vista das renováveis. Mas também com a inclusão de tecnologias de baixo carbono na indústria. E daí esta componente da descarbonização que consta do PRR.

 

Uma mudança radical?

Admito que tínhamos alguma expectativa relativamente à procura para esta componente em particular – estamos a falar de uma dotação de 715 milhões de euros – mas felizmente a procura foi bastante elevada. O que demonstra por um lado a necessidade sentida, mas também que a medida está bem desenhada para as indústrias. Destacaria que 20% no número de candidaturas para a descarbonização são associadas à indústria têxtil. A ambição do governo é que estes contratos para a descarbonização comecem a ser assinados a partir de outubro, quando estava inicialmente previsto para o final de 2023. Temos um problema global do ponto de vista do fornecimento de componentes, de matérias-primas, o que é um desafio, mas temos de ter a capacidade de as empresas darem resposta a toda esta ambição. Há uma intervenção imediata do Governo no sentido de ajudar em função dos valores que aumentaram de forma substancial, mas é preciso reconhecer que o paradigma energético está a mudar. 

 

A resposta das empresas é satisfatória?

É de bom grado que vemos que as empresas – e nomeadamente o têxtil – se associaram e o Governo cá estará para assegurar rapidamente a aprovação das candidaturas, para que possamos ter resultados a curto prazo, para que as faturas energéticas ao final de cada mês baixem substancialmente. O que é essencial para que as empresas mantenham competitividade em termos internacionais. Principalmente no que tem a ver com as empresas que são grandes consumidores energéticos – e se o têxtil responde por 20% das candidaturas, isso diz alguma coisa.

 

Como estão as contas do fecho do Portugal 2020?

Ainda há alguns desafios pela frente, mas estamos numa fase final. Estamos com uma execução de cerca de 76%. Historicamente, Portugal tem uma boa execução, sejam programas regionais sejam temáticos, estamos sempre destacados dentro dos países que mais executam relativamente a programas comparáveis. Devemos ter uma expectativa de encerramento bem sucedido em 2023. Execução e concretização dos projetos é uma preocupação constante na relação com os diferentes beneficiários e com as empresas em particular. Ainda que, por tudo o que foi dito, a realidade não ajude: há um grau de imprevisibilidade que nos acompanha nos últimos anos. Mas, mais que a questão financeira, obviamente importante, diria que os resultados concretos estão aí: 44 mil empresas apoiadas no âmbito dos sistemas de incentivos, 6.700 empresas com vista à internacionalização, quase 90 mil trabalhadores com formação em contexto empresarial.

 

A Pandemia obrigou a um PRR 1. A Ucrânia vai obrigar a um PRR 2?

Há uma medida já lançada e que está em debate com os Estados-membros, o Repower EU, que visa precisamente dar resposta às questões energéticas e à sua transição, que vem trazer maior ambição que a que já existia nos diferentes planos dos diferentes países. Temos compromissos internacionais, temos de atingir a neutralidade carbónica em 2050, resta saber agora os recursos que vão ser disponibilizados pelo Repower EU, para reforçar essa componente no PRR.

 

Uma questão específica em relação ao 2030: os empresários clamam pelo fim das janelas de inscrição, querem um sistema mais aberto, sempre disponível. Isso será contemplado?

Os programas não estão ainda ultimados, foram submetidos em junho à Comissão; só após a aprovação, espectável até ao final do ano, haverá condições para o fechar. É uma questão a considerar no âmbito da tutela governativa, neste caso com o Ministério da Economia.

 

Diria que o Portugal 2030 é fundamentalmente uma continuação?

Há naturalmente uma continuação relativamente a um conjunto de medidas que já constam do Portugal 2020 – nomeadamente no que tem a ver com os incentivos às empresas, com a formação de ativos. Estamos a falar, no Portugal 2030, de 5,4 mil milhões de apoios diretos às empresas – que comparam com 4,7 mil milhões do Portugal 2020. Mas, para além dos sistemas de incentivos, dos apoios à internacionalização, temos de dar este passo ao nível das alterações climáticas. É uma temática a continuar no Portugal 2030: temos que assegurar que as empresas têm condições para serem competitivas. A ambição do Portugal 2030 é manter o apoio às empresas reconhecendo-lhes a importância para criar riqueza e postos de trabalho cada vez mais qualificados. Queria deixar uma nota em relação ao que parece ser uma dicotomia entre o público e o privado, muitas vezes levantada e que é vista de forma restritiva e que é preciso desmistificar…

 

Há muitos vasos comunicantes…

Exatamente. Para além dos apoios diretos às empresas e das contratações de empresas privadas por parte de entidades públicas – isso no PRR é muito evidente – há um conjunto de investimentos e de reformas nomeadamente na administração pública que são obrigatórios para flexibilizar – não retirando exigência – custos de contexto, para que as empresas se possam concentrar efetivamente nas suas atividades. Justiça, digitalização, o facilitar da relação entre o cidadão, entre as empresas e a administração pública, tem um forte impacto. E é preciso lembrar que o PRR não é só investimento: são também reformas com que o Estado português se comprometeu.

Perfil

Aos 43 anos, o Secretário de Estado do Planeamento fez um percurso de sul para norte. Filho de alentejano e nascido em Pombal, estudou em Lisboa –Sociologia e pós-graduação em Gestão – e foi trabalhar para norte, onde acabou por constituir família e entrar na vida autárquica (vice-presidente e presidente da Câmara de Matosinhos). Em 2019 fez a viagem ao contrário e rumou a Lisboa para integrar o governo anterior como Secretário de Estado (da Mobilidade), mas é agora, no Planeamento, que se sente bem, graças à longa experiência de trabalho em estruturas de fundos comunitários.

As perguntas de
“Privados contam com 38% do PPP
, média na Europa é de 32%”

Mensuremos novamente…

Temos 1.200 entidades envolvidas sendo 900 empresas. Mais que isso, temos uma abrangência territorial muito significativa. Isto pode ser verdadeiramente revolucionário pela inovação que incorpora. Com um risco associado, como tudo o que é inovador, com investimentos muito elevados, que podem ter um impacto muito significativo, inclusivamente ao nível da coesão. É por outro lado um excelente teste para os apoios às empresas no futuro.

 

Servirá de para fazer doutrina?

Exatamente. Não transmitimos um quadro fechado relativamente ao que deveria ser feito, mas sim um conjunto de prioridades e objetivos a que as empresas, a academia e os centros tecnológicos se associaram, com grande ambição e caráter inovador. São um bom exemplo do que está a ser feito e do que vai ser feito no futuro.

 

Já há uma previsão para o lançamento do primeiro concurso do Portugal 2030?

O objetivo do Portugal 2030 – os programas operacionais foram submetidos em junho à Comissão, prevendo-se aprovação até ao final do ano. Portanto, prevê-se que consigamos ter os primeiros avisos e concretização no início de 2023. Neste quadro, importa realçar as agendas mobilizadoras – onde, reforço, há muitas empresas têxteis. Já havia o compromisso do reforço do investimento se houvesse muita procura. Estamos a falar de 51 agendas. Mais que os valores, o que é de destacar é o seguinte facto: fala-se muito de juntar as empresas à academia. Estas agendas têm este mérito – e já está testado – de obrigar a juntar universidades, empresas de diferentes dimensões, centros tecnológicos.

“Privados contam com 38% do PPP,
média na Europa é de 32%”

No PRR, o Governo está confortável com os apoios diretos às empresas? 

Relativamente ao PRR, os apoios diretos às empresas são percentualmente superiores à média dos Estados-membros, e isso importa destacar. E essa média, convém referir, vai ser aumentada, não por qualquer necessidade que tenhamos sentido de reequilibrar a distribuição, mas uma vez que os 1,6 mil milhões de euros que vão acrescer ao PRR vão fortalecer as agendas mobilizadoras. 

 

Dirigidas às empresas?

São essencialmente dirigidas às empresas e essa percentagem vai ser reforçada.

 

Pode mensurar?

Em Portugal, as entidades privadas, no âmbito do PRR, o valor para execução é de 38%, enquanto a média dos 27 Estados-membros é de 32%. É desta ordem de grandeza que estamos a falar, e vai ainda ser reforçado. A maioria dos 1,6 mil milhões de euros terá esse objetivo.

Já havia o compromisso do reforço do investimento se houvesse muita procura. Estamos a falar de 51 agendas. Mais que os valores, o que é de destacar é o seguinte facto: fala-se muito de juntar as empresas à academia. Estas agendas têm este mérito – e já está testado – de obrigar a juntar universidades, empresas de diferentes dimensões, centros tecnológicos.

 

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