T39 - Janeiro 19

O que andam os chineses a comprar à nossa ITV?

40 anos depois de surpreender o mundo com uma mistura nunca antes testada (nem mesmo nos livros!) entre comunismo e capitalismo, a China é um lugar incontornável para um número crescente de empresários e de setores de atividade. Nos últimos tempos não tem parado o aumento das exportações da ITV para o gigantesco mercado chinês, que no final do ano deverão crescer a três dígitos quando comparadas com 2017. Mas, ao contrário do otimismo que por vezes ‘floresce’ nas páginas dos jornais, a China não é para todos nem para tudo – e, nesse quadro, é por certo também um mercado capaz de promover acidentes indesejáveis. Uma mistura entre otimismo e prudência parece ser o ‘blend’ certo para uma abordagem a um mercado que está em franco crescimento, mas que não se deixa conhecer, e muito menos dominar, à primeira abordagem

António Freitas de Sousa

O aumento das exportações da ITV para o gigantesco mercado chinês – que no final do ano deverão crescer a três dígitos quando comparadas com 2017 – e o forte poder de atração dos efeitos combinados dos planos chineses conhecidos como a ‘Nova Rota da Seda’ e o ‘Made in China 2025’ são matéria suficiente para que antigo Império do Meio mereça um olhar atento e ao mesmo tempo desapaixonado por parte dos empresários.

“Prefiro ser mais prudente que a maioria, porque já vi muitas euforias que depois não dão em coisa nenhuma. Não podemos fazer grandes extrapolações dos crescimentos quando a base [das exportações] é muito baixa. Isso não me impressiona. O que poderá impressionar é a permanência de um ritmo de crescimento a dois dígitos, de uma forma constante e sustentada. Há que esperar para ver se é uma tendência que se consolida e se confirma e não apenas um episódio sem seguimento”, observa Paulo Vaz, diretor-geral da ATP.

Aquele responsável considera que, apesar dessa prudência, “penso que vai o mercado chinês vai consolidar-se, porque estamos a falar de têxteis técnicos, com vendas com estrutura e estabilidade – para alimentar, por exemplo, a cadeia de valor automóvel, aeronáutica -, com contratos a longo prazo. Aí, encontramos estabilidade, pelo menos numa parte importante do que para ali se vende”.

Mas nem tudo o que tem a ver com a China pode sustentar uma perspetiva de otimismo – é preciso não esquecer que um número crescente de economias nacionais e de setores está a confluir para aquele mercado – que, apesar da sua imensa dimensão, não vai ‘absorver o mundo’.

Neste quadro, Paulo Vaz ressalva que, “no que tem a ver com o vestuário, eu diria que é quase como vender areia para o deserto. Mas é uma lança em África: boa parte das vendas são matérias-primas de alta qualidade que depois são incorporadas na confeção chinesa”. E recordar que foi por alguma razão Que “a primeira feira internacional da Seletiva Moda foi precisamente em Xangai, para onde levámos tecidos e malhas de alta qualidade”.

Do outro lado da equação está “vender à China produto final: não é impossível, mas as hipóteses são inferiores. Mas é importante olharmos para os mercados alternativos e emergentes, até porque os tradicionais, nomeadamente na Europa, estão a passar por uma fase de estagnação, senão mesmo de retração do consumo de produtos de moda – que tem a ver com a divergência do consumo para outro tipo de bens que não a moda (cultura, viagens)”.

Esperar dificuldades
"A China é um mercado difícil: não se conseguem impor marcas", afirma Artur Soutinho, CEO da Moretextile

Ao contrário, nos próximos 10 a 20 anos o consumo na China vai disparar. “Terá de ser um dos destinos prioritários de algum, não de todo, o têxtil português. Os têxteis de alto valor-acrescentado, a alta qualidade, o serviço, a tecnologia, a criatividade, aquilo que é diferenciado, vão ter lugar ali”, refere Paulo Vaz.

Mas nem tudo está feito. José Alberto Robalo, presidente da ANIL, recorda que, “sendo um mercado com grandes qualidades, é pena que a China continue a proteger o mercado de tal maneira que é muito difícil as nossas empresas ali entrarem”. “Taxas, a imposição unilateral de certas regras”, fazem parte do rol das dificuldade, o que levam aquele responsável a concluir que “não há uma reciprocidade que reclamamos há muito tempo”.

“São um conjunto de regras que foram negociadas a quando da adesão da China à OMC, e que escancararam as portas da Europa às exportações chinesas. José Alberto Robalo considera que a próxima visita de Estado do presidente Marcelo Rebelo de Sousa à China é uma excelente ocasião para os empresários darem a conhecer as suas reivindicações e insistirem com o poder político para que se envolva na sua defesa. Até porque, recorda, as relações bilaterais parecem estar num momento de grande afinidade – o que determina que a defesa da reciprocidade de que fala o dirigente associativo tem neste momento uma ‘janela de oportunidade’ que importa não perder.

Tal como Paulo Vaz, José Alberto Robalo aponta também os têxteis técnicos e de alta qualidade como aqueles que assumem preponderância no desenvolvimento de estratégias empresariais que permitam à ITV nacional atingir um quadro de desenvolvimento dos negócios para com o mercado chinês que seja ao mesmo tempo sustentável e consideravelmente perene.

Tudo Isto sem deixar de ter em perspetiva as dificuldades que lhe são inerentes. Artur Soutinho, CEO da Moretextile, conhece-as bem. “Há uns anos estivemos na China com a nossa marca, mas aquilo é um mercado muito difícil: não se conseguem impor marcas. Vamos por isso manter o foco nos mercados core – Europa, Estados Unidos e Japão – e não temos nenhuma estratégia para regressar à China”.

História de Sucesso
“Já chegámos aos ‘department stores’ em Pequim e Xangai, e a lojas de luxo em Hong Kong”, diz Pierre de Lemos

Quem de lá não conta sair é o grupo Abyss & Habidecor. Pierre de Lemos, diretor comercial, afirmou que “a China ainda não é um grande mercado para nós, mas estamos a desenvolver a nossa posição. É um mercado muito interessante, mas há muito que fazer: é um mercado como todos os outros. Temos um mercado de nicho cuja marca precisa de mais reconhecimento. Precisamos de bater às portas, mas como a China é um grande país, acontece que demora mais tempo”.

A abordagem do grupo pode ser a grande diferença: “temos uma empresa nossa na China, já chegámos aos grandes ‘department stores’ em Pequim e de Xangai, e a lojas de luxo em Hong Kong”, num mercado que já vale cerca de 10% do volume de negócios do grupo.

O grupo Somelos também tem já um acumulado de conhecimento (com mais de dez anos) imprescindível para o sucesso. Paulo Melo, CEO do grupo, faz uma ressalva que importa levar em consideração: “é um mercado com uma cultura muito diferente daquilo a que estamos habituados, que tem princípios e fórmulas diferentes, sendo um país com conceitos muito particulares e muito próprios, com exigências muito grandes ao nível dos serviços”.

Para aquele responsável, “as marcas têm que se ajustar ao conceito” se quiserem assumir um lugar de relevo na China. “Mas não há dúvida que nos próximos anos é um mercado onde é preciso estar”.

Visão semelhante tem José Alexandre Oliveira, CEO da Riopele – grupo que está numa fase de balanço: “estamos lá há quatro anos e vamos observar o que se vai lá passar nos próximos quatro, que de certeza serão ainda melhores. Temos atingido os objetivos traçados e estamos satisfeitos”. Mas chama a atenção que “foi preciso partir muita pedra, encontrar os interlocutores. Agora é temo de consolidação”.

A pergunra que parecia óbvia era a de se o grupo estará interessado em acrescentar à China presença industrial. “É muito cedo para fazer essa avaliação, mas tudo é possível”, disse José Alexandre Oliveira.

Na China, o cenário é mesmo esse: tudo é possível. Principalmente porque um país que está a ‘construir’ uma classe média gigantesca em termos quer do número que de poder de compra é sempre um lugar onde as empresas precisam de estar.

Partilhar