T46 Setembro 19

Formação: Como se articulam as empresas e o sistema de ensino?

Instrumento essencial para que o setor têxtil e da moda tivesse atingido na última década patamares de inovação e de produtividade que são uma referência mundial, a formação – e de uma forma geral a ligação entre a indústria e a academia, escolas e centros de formação – parece estar num momento de renovação. Sem deixar de responder aos requisitos exigidos pela indústria, a formação tem de acompanhar o dinamismo e os avatares constantes do setor, sob pena de, não o fazendo, perder articulação e eficácia.

António Freitas de Sousa

Em tempo de regresso às aulas, temas como o do financiamento e o de um aparente excesso legislativo – que impede uma resposta mais pronta à demanda da indústria – estão em cima da mesa num quadro em que as exigências da formação estão prestes a subir a um novo patamar. A indústria 4.0, que já é uma realidade no interior de tantas empresas do setor, coloca novos desafios ao conhecimento de gestores e colaboradores. Soçobrar face a esses desafios não é opção, pelo que o debate sobre o tema é um imperativo de desenvolvimento.

Com o setor a atravessar um período de “claríssima falta de mão-de-obra, a formação é cada vez mais indispensável e, dependendo dos meios dos centros de formação, podia fazer-se mais”, refere Paulo Vaz, diretor-geral da ATP, para referir o problema central: “o Orçamento do Estado e as cativações têm limitado a atividade dos centros de formação”. Mas também o próprio Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) está, pela mesma via, coartado na sua ação, o que, para Paulo Vaz é uma situação que imperativamente tem de ser ultrapassada, “até porque o Instituto não está a fazer nenhum favor à indústria: uma parte da TSU deve servir para financiar a formação”.

É preciso reoganizar
"A forma como o financiamento está organizado dificulta as respostas", afirma José Manuel Castro, do Modatex

O diretor-geral ATP deixa um repto: “coloquem os recursos à disposição e deixem que os centros de formação, em contacto com a indústria e com as associações setoriais, ajam estrategicamente e liderem a formação da forma mais eficaz”.

José Manuel Castro, diretor executivo do centro de formação Madatex, afirma que “o problerma é a forma como o financiamento está organizado, que obriga à constituição de grupos homogéneos. O centro tem muita dificuldade em ter 15 pessoas na mesma condição”. A dificuldade é, portanto, na sua ótica, “a de os centros organizarem atividades que encaixem nas regras de financiamento. Isso dificulta muito respostas oportunas e em tempo real”, considera aquele responsável.

E dá um exemplo concreto: “estamos a arrancar com uma formação para uma grande empresa da Covilhã em que temos 15 pessoas identificadas, mas quando as convocamos aparecem 10, porque cinco ou arranjaram emprego ou mudaram de ideias; quando voltamos a chamar, passamos a ter sete – é um sistema completamente sem sentido, que as empresas podem nem perceber”. O problema é, portanto, a não aderência “do sistema de financiamento à nova realidade socio-económica portuguesa”.

Faltam formações
"Não houve nenhum politécnico a promover formação no têxtil", aponta Braz Costa, diretor-geral do CITEVE

O CITEVE, como indicou Braz Costa, diretor-geral, não tem esse problema: “a formação que fazemos são as empresas que pagam, não recebemos do Orçamento do Estado. No passado, tínhamos financiamento público para oferecer formação às empresas, mas neste momento não temos”, o que fica a dever-se a uma espécie de ‘concorrência’ dos institutos politécnicos. Mas deixa um aviso: “até este momento não houve nenhum Politécnico que se chegasse à frente para promover formação pós-secundária ou cursos superiores de curta duração na área técnica têxtil”, o que pode a prazo ser um problema de considerável dimensão.

E a indústria está à espera. Miguel Pedrosa Rodrigues, administrador da Pedrosa & Rodrigues, considera que “à medida que a investigação e desenvolvimento assume cada vez mais importância nas empresas, as escolas vão ganhar cada vez mais importância. Talvez tenha não havido a necessária proximidade, mas vai existir mais ligação” entre os dois mundos. Até porque “é sabido que o negócio vai mudar [por via da indústria 4.0] e as mudanças que aí vêm vão ser mais agressivas e mais intensas, o que quer dizer que os modelos tradicionais de adaptação não vão chegar”.

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