T47 - Outubro 19

Como vai evoluir o negócio da reciclagem?

Já não é uma opção: a pressão mundial sobre a indústria, mas também a crescente apetência dos consumidores pela sustentabilidade, fizeram a reciclagem ultrapassar o ponto de não-retorno. A indústria portuguesa, reconhecida internacionalmente por ter a sustentabilidade inscrita no seu ADN, há já muito que deixou para trás o debate teórico sobre a matéria: para o têxtil e a moda, produzir é o mesmo que reciclar.

António Freitas de Sousa

Mais que um negócio, a reciclagem passou a ser uma obrigação que transcendeu as portas das empresas e das organizações económicas para passar a constar do topo da agenda de todos os agentes políticos em todo o planeta. De algum modo, a indústria têxtil e do vestuário nacional – apercebendo-se que trabalha numa área sensível em termos do impacto da sua atividade no jogo cada vez menos equilibrado das matérias-primas e do acumulado de desperdício – soube em devida altura isolar a reciclagem como um instrumento identificador da sua postura face ao problema.

A resposta do mercado depressa se fez sentir: os produtos que assumem preocupações ambientais, e por isso emanam da reciclagem, da economia circular e da utilização de matérias-primas que até agora iam invariavelmente engrossar as montanhas de lixo que se acumulam às portas de todas as grandes cidades do planeta, têm um mercado cada vez mais seguro e, aparentemente, garantido.

O contributo da academia e principalmente dos centros de investigação – como o CITEVE e o CeNTI – foi absolutamente inestimável: num casamento (como sempre) feliz entre a indústria e a investigação, a reciclagem é já neste momento um dos traços mais óbvios do ADN da ITV. O reconhecimento ‘inter pares’ também já está garantido – o que, entre outras evidências, fica claro pelos múltiplos prémios internacionais que as empresas vão acumulando em todas as grandes feiras da especialidade, com a concorrência a ter de se contentar com lugares secundários.

Entre a inovação de que surgiu e a emergência política que suscitou, a recilagem, a acreditar nos empresários e nas associação, já passou o ponto de não-retorno, e é cada vez mais a única opção economicamente viável no futuro.

“Há da parte da indústria e também da parte dos consumidores a perceção de que temos o dever de apostar na reciclagem. Diria que é uma obrigação das organizações”, afirma Mário Jorge Machado, o novo presidente da Associção Têxtil e da Moda de Portugal (ATP), para salientar que “cada vez mais os nossos industriais estão focados” nesse caminho.

Sem escamotear que há na ITV nacional um traço que une inovação e reciclagem que de algum modo é pioneiro em termos dos países industrializados – aquele onde a reciclagem foi detetada como inevitável – Mário Jorge Machado considera que “o tema passou a ser político, e bem, porque se assim não for” o mercado (o consumidor final, entenda-se) teria precisado de mais tempo para percecionar algo que já está no capítulo da emergência.

Miguel Ribeiro da Silva
“É importante pensar o produto na fase do design para que possa ser projetado de com vista à reciclagem”

Maria José Carvalho, responsável do CITEVE, segue a mesma ordem de ideias: “No futuro, o negócio da reciclagem vai deixar de estar associado a um negócio de ‘lixo’, leia-se valorização de resíduos de âmbito restrito, para passar a estar associado a um negócio de ‘luxo’, leia-se  valorização de recursos, no sentido mais amplo da reciclagem, que incluirá no caso no setor têxtil e vestuário, a transformação de recursos têxteis em têxteis mas também de recursos não têxteis em têxteis”.

Recordando que “a nossa ITV é internacionalmente reconhecida pela sua excelência em termos de sustentabilidade” – o que é já um dos sustentáculos do negócio internacional – Maria José Carvalho recorda que “as credenciais sustentáveis ou circulares” são a face visível das práticas de produção responsavelmente sustentável existentes nas empresas portuguesas do setor. E recorda o exemplo sintomático do iTechStyle Green Circle – sustainable showcase, da responsabilidade (também) do CITEVE como um dos sintomas da postura da indústria.

A Riopele é um dos grupos para quem a reciclagem é não apenas uma aposta antiga, como um caminho sem regresso. José Alexandre Oliveira, CEO do grupo, refere isso mesmo: “para nós, tudo isso já foi incorporado”, não apenas no que diz respeito à utilização de materiais reciclados, como no que tem a ver com uma produção que é cada vez mais sustentável – desde a aposta nas fotovoltaicas até ao uso cada vez mais parcimonioso da água. José Alexandre Oliveira diz que, “até 2023, a Riopele será uma empresa 100% sustentada” – e chama a atenção para o facto de o grupo vir a ‘queimar’ etapas: “estava previsto que isso só sucedesse em 2025, mas temos conseguido” ultrapassar algumas metas de forma mais expedita.

A Sasia é outro exemplo de uma unidade industrial que já tem uma postura antiga em termos da sustentabilidade. “Há anos que a sustentabilidade tem sido citada pela indústria têxtil. No entanto, nos últimos anos surgiu uma maior apetência para o reciclado. Estamos, no fundo, a assistir à criação de um novo mercado, onde todos pretendem entrar”, refere Miguel Ribeiro da Silva, administrador.

José Alexandre Oliveira
“Para nós, tudo isso já foi incorporado, até 2023 a Riopele será uma empresa 100% sustentada”

“A reciclagem, o upcycling e as práticas sustentáveis têm cada vez mais impacto nos dias que correm, porque a indústria está comprometida com a diminuição da pegada ecológica. Mas, é importante referir que existem ainda entraves técnicos àquilo que as empresas se propõem realizar.  É importante repensar o produto, ainda na fase do design, para que possa ser projetado de forma a que possa ser viável para reciclagem”, refere – para colocar em evidência que o processo sustentável carece de uma estratégia vertical, que de algum modo chegue a todas as fases da produção.

“Nós, Sasia, estamos aqui há 67 anos a fazer a nossa parte, escoando os resíduos têxteis para que não se acumulem nos aterros e a colaborar com as práticas sustentáveis dos nossos parceiros. Nesse sentido, além da certificação pela ISO9001, implementámos recentemente o GRS – Global Recycled Standard, tão solicitado para estes projetos”, refere ainda.

Outro ponto que importa salientar é que a sustentabilidade passa também pela colaboração inter-empresarial, não só como forma de partilhar riscos de investimento, mas principalmente para a poupança de recursos. Neste particular, a Tintex tem-se destacado: a Co.Lab é uma espécie de plataforma transversal a várias empresas (Becri, Confetil e Pedrosa & Rodrigues) que pretende reunir peças que combinam design e alta qualidade com a garantia de que na sua produção foram empregues as melhores práticas ambientais  disponíveis no momento.

“A transparência total é um dos traços mais vincados do carácter da Co.Lab, cada peça vai acompanhada de um informação detalhada sobre toda a cadeia de fornecimento que a produziu”, explica Ricardo Silva, Head of Operations da Tintex.

O projeto 360 da Valérius é um dos exemplos mais claros da forma como a reciclagem inscrita num contexto de sustentabilidade de todo o ciclo produtivo é o caminho a seguir. “A sustentabilidade é uma macro-tendência que tem vindo a ganhar expressão e cujo potencial evolutivo em termos qualitativos e quantitativos constitui algo de incontornável”, referia Dolores Gouveia, uma das responsáveis pelo projeto.

Uma nota final de alerta: a partir de 2025, a Inditex só aceitará como seus fornecedores empresas sustentáveis!

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