T18 Março 2017

A que se deve o boom de marcas e feiras de roupa para criança?

É o efeito bola de neve. A procura mundial de roupa para criança cresce a um ritmo superior à registada no vestuário para senhora e homem. A oferta responde com a multiplicação de feiras especializadas. E o facto das marcas portuguesas de moda infantil nascerem como cogumelos depois de chuva é a prova dos nove de que a nossa ITV não foi apanhada a dormir na forma por este fenómeno que acontece num segmento em que somos particularmente bons e competitivos.

Raposo Antunes

Os números são como o algodão. Não enganam. Há cada vez mais marcas e feiras de roupa para bebé e criança, segmento onde a procura cresce a um ritmo bem superior à do vestuário para senhora e homem. As explicações para este boom, que está a ser muito bem aproveitado pela ITV portuguesa, variam – mas não são contraditórias.

“O vestuário de criança ganhou um maior estatuto. Hoje em dia, os pais têm um melhor nível de vida e estão dispostos a gastar mais dinheiro na roupa para os filhos do que para eles. As próprias crianças, através das redes sociais, revistas e internet, têm acesso à moda e ao design e já são elas as decisoras, sugerindo ao pais o que devem comprar para elas vestirem”, explica Manuel Serrão, director-executivo da Selectiva Moda, que fala de um “efeito bola de neve”.

A explosão na oferta de feiras especializadas em moda juvenil é um fenómeno recente. A Playtime, em Paris, continua a ser a Meca do vestuário infantil (“Uma marca portuguesa que nasce de um dia para o outro sabe que a melhor forma de entrar lá fora é estar na Playtime”, afirma Serrão). Mas, no entretanto, a bola de neve foi engrossando com a Bubble (Londres), Pitti Bimbo (Florença), Childrens Club (Nova Iorque), Fimi (Madrid) e Kind+Jugend (Colónia). A própria Playtime vai organizar novas feiras com a sua marca em Berlim e Nova Iorque.

“A maior parte desta oferta resulta da autonomização de espaços que estavam integrados em feiras generalistas”, explica o director executivo da Selectiva, que acompanhou esta tendência internacional ao estrear um espaço dedicado aos mais novos – o Mini Mi – na última edição do Modtissimo.

Este aumento da procura, levou uma startup de Braga a criar a Kide, uma plataforma de comércio online de moda para criança, que já adquiriu a sua principal concorrente nacional (Bon Mignon) e se prepara para lançar uma nova versão do seu site e uma app.

A Kide tem no seu portefólio 80 marcas (incluindo as 12 marcas adquiridas com a Bon Mignon) nacionais (Maria Bianca, Knot, Grace Baby & Child, Patachou…) e internacionais (Knit Planet, The Bright Company), mas está em negociação com mais 30. “Estamos em contagem decrescente para chegar às 100 marcas”, diz Nuno Pinto, gestor da Kide, acrescentando que espera fechar 12 novas marcas em abril e chegar às 140 até ao final deste ano.

A nossa ITV percebeu que era mais fácil impor uma marca própria para crianças do que para adultos – bem como enfrentar as marcas estrangeiras neste segmento específico.

Feiras
A explosão na oferta de feiras especializadas em moda juvenil é um fenómeno recente.
Esta vantagem competitiva chega para explicar por que é que as marcas portuguesas de moda juvenil estejam a nascer como cogumelos depois de chuva.

“Nas famílias, há cada vez mais uma consciência de moda. As novas tendências influenciam a decoração das casas, a confecção dos nossos pratos e o estilo de vida familiar. Através das redes sociais, as pessoas expõem a sua forma de viver e todos querem ter um ar moderno, cool e sensual. Paralelamente, as crianças recepcionam muita informação ao nível das redes sociais e canais de TV e vivem cada vez mais de referências e estilos de vida”, teoriza Maria João Lito, que lançou a marca Andorine em parceria com Luísa Amorim.

Já passou o tempo em que as mães escolhiam a roupa dos filhos. Hoje em dia, as crianças têm uma personalidade muito vincada e têm os seus ícones de moda.

“As grandes marcas mundiais de adulto estão a entrar no vestuário infantil um fenómeno que aumentou a oferta num curto espaço de tempo e alterou os hábitos de consumo, influenciando o gosto dos mais pequenos, que querem ser e parecer como os mais velhos”, acrescenta a empresária da Andorine.

E qual é a nossa vantagem competitiva? Maria João responde: “Portugal tem hoje uma imagem de qualidade. A etiqueta Made in Portugal é uma garantia de fair trade, conceito muito valorizado ao longo de toda a cadeia de distribuição international. Temos um know how distintivo na Europa. Sabemos fazer muito bem, com detalhe e pormenor. E no segmento da moda média/ alta e luxo estão disponíveis para pagar esse diferencial pelo upgrade produtivo”.

E neste segmento, as idiossincrasias da moda jogam a nosso favor, como nota José Armindo Ferraz, o CEO da Inarbel, que tem a marca Dr. Kid: “O que hoje é bonito e bom, daqui por um ano passou de moda. E até os miúdos gostam de ver as montras e as revistas com a roupa para a sua idade. E muitas vezes não é só a moda. É também a cor que está a dar”.

“Nós somos bons naquilo que fazemos e somos competitivos em termos de preço”, afirma José Armindo, deixando, no entanto, um alerta: “Com os aumentos de impostos e de outros encargos que as empresas têm, como a energia ou a TSU, a qualquer momento podemos deixar de ser competitivos”.

Ana Magalhães, sócia-gerente da Sissone, concorda com o seu colega da Inarbel: “A nossa qualidade de produção é muito boa e muito conceituada. E em termos de preço somos muito competitivos. Para exportar, é fundamental ir às grandes feiras internacionais.

José Armindo Ferraz
“Nós somos bons naquilo que fazemos e somos competitivos em termos de preço”
Nós vamos à Playtime, Bubble e Pitti Bimbo. Mas não podíamos estar lá sem a ajuda da Selectiva Moda, que realmente tem um papel decisivo e nos ajudou a crescer nesta fase inicial em que é preciso muita persistência ao nível dos contactos e muito trabalho de casa”.

“Para nós, portugueses, o mercado de roupa infantil está claramente a crescer. Há uns anos atrás, não havia referências nacionais às feiras internacionais. Agora, aparecem muitas, designadamente na Playtime”, contrapõe Mariana Pimentel, da Piupiuchick, marca que se orgulha de ser passageira frequente nas páginas de revistas de moda infantil tão prestigiadas como a Vogue Niños, Vogue Kids, Milk e Papier Mâché.

Mariana salienta o facto da nossa competitividade não assentar no factor preço: “Distinguimo-nos pela qualidade e design. Quando o produto é fashion tem de ser caro, senão não compram”.

“O mercado está saturado de produtos baratos que são usados uma vez e ficam logo feios. O nosso produto é de excelência. Daí termos clientes em todo o mundo”, concorda Bruno Gaspar, da Etfor, que há dez anos trabalha este segmento com a marca própria Play Up.

“Dantes a componente moda não era importante nas colecções para criança. As pessoas eram mais conservadoras. Hoje os consumidores têm acesso a tudo, através da Internet e das redes sociais”, conclui Bruno Correia, que valoriza muito o papel das redes sociais no crescimento deste segmento de negócio.

 

Seis diferentes explicações para um mesmo fenómeno

Manuel Serrão, Selectiva Moda
“Os pais têm um melhor nível de vida e estão dispostos a gastar mais dinheiro na roupa para os filhos do que para eles próprios”

Bruno Correia, Play Up
“O mercado está saturado de produto barato. O nosso produto é de excelência. Daí termos clientes em todo o mundo”

José Armindo Ferraz, Dr. Kid
“Nós somos bons naquilo que fazemos e somos competitivos em termos de preço”

Ana Magalhães, Sissone
“Estarmos na Playtime, Bubble e Pitti Bimbo é muito importante. Mas não podíamos estar lá sem a ajuda da Selectiva Moda”

Maria João Lito, Andorine
“As crianças recepcionam muita informação na televisão e nas redes sociais – e vivem cada vez mais de referências e estilos de vida”

Mariana Pimentel, Piupiuchick
“Não é só pelo preço que somos competitivos. É também pela qualidade e design. Quando o produto é fashion tem de ser caro, senão não compram”

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