Rui Teixeira
“A nossa atitude é seguir o que o mercado pede”
T41 Março 19

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Como é canhoto, Rui era um temível lateral direito da equipa de andebol do Francisco de Holanda. Por isso não é de estranhar que aos 18 anos tenha recebido uma proposta de contrato profissional para alinhar numa equipa da capital, que lhe garantia ainda a entrada na universidade. Com a irmã Anabela (dois anos mais velha) a viver em Lisboa, ele estava inclinado a aceitar o convite. Mas o pai não esteve pelos ajustes. Temia que o filho sucumbisse às tentações da capital, não estudasse e comprometesse o futuro profissional. Por isso, cobriu em mil escudos o salário que lhe tinham proposto, impondo-lhe como contrapartida fizesse Engenharia Têxtil, um curso que começou na UBI (demorou-se um ano pela Covilhã) e acabou na Universidade do Minho. Esta conversa entre pai e filho foi provavelmente o momento decisivo na vida de um homem que se define como patriota, nortenho, vimaranense e vitoriano - “não há que esconder”, remata Rui, que além de empresário têxtil é sócio da maior produtora de grão-de-bico do país, a AICF- Agro Inovação.

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TTT estava estabilizada quando há 20 anos desembarcou na empresa?

Já. Além de ser um homem de números – a sua formação de base era a contabilidade – o meu pai revelou-se um extraordinário gestor e em poucos anos conseguiu fazer o turn around e equilibrar uma empresa que estava numa situação muito debilitada quando ele pegou nela.

Foi fácil a adaptação a trabalhar com o pai no mundo real, depois de ter saído da universidade?

Eu já tinha estado um ano a estagiar numa têxtil em Itália, o que me dera alguma aderência à realidade. As universidades são centros de saber muito importantes, mas é com a prática que aprendemos a ultrapassar das dificuldades do dia-a-dia. O meu pai foi-me dando cada vez mais autonomia, lenta mas progressivamente, o que facilitou imenso a minha adaptação,

Mas não demorou a propor-lhe uma alteração estratégica …

No início deste século senti claramente que ficaríamos muito desprotegidos e vulneráveis se nos mantivéssemos apenas na tinturaria e acabamentos.

Porquê?

À época, o horizonte e mercado da prestação de serviços era muito limitado. O telemóvel ainda era um luxo. Na hora de ponta demorava-se uma hora a ir de Fafe a Guimarães e entre duas horas e meia e três horas a chegar ao Porto. O nosso mercado estava limitado a empresas de proximidade. E já se começava a haver sinais de alarme no setor.

Quais?

Grandes marcas multinacionais, como a Nike a Reebok, começavam a deslocalizar a produção para a Ásia, o que inevitavelmente nos iria afetar. Na altura, eu já era diretor geral e percebi que para tornar a TTT mais forte e sustentável tinha de ter um produto na mão que pudesse exportar. Foi assim que nasceu a Gulbena e diversificamos da prestação de serviços de tinturaria e acabamentos para as malhas acabadas.

O objetivo para 2020
"Em 2018 fizemos sete milhões de euros. Para 2020, a minha ambição é que as nossas vendas cheguem aos dez milhões."

Foi fácil convencer o seu pai?

Tivemos uma conversa longa, em que lhe expus a minha visão e expliquei que eu assumia sozinho o risco. Disse-lhe que ia investir no projeto as minhas poupanças e se a Gulbena desse para o torto era por minha culpa, conta e risco – se tivesse sucesso era para o benefício de todos.

Ele apoiou-o?

Fez logo questão de ser o TOC da Gulbena. O meu pai era um gestor empreendedor e com enorme visão estratégica. Aprendi muito com ele.

Onde é que foi buscar a marca Gulbena?

Deriva do nome Gulbenkian. Nós morávamos na rua Calouste Gulbenkian, em Guimarães… Foi por isso. Mais tarde descobrimos que é o nome de um pássaro sueco e acrescentamos a sua silhueta ao nosso logo.

Qual era a estratégia para a Gulbena?

Comprar as malhas, dar-lhes acabamentos funcionais e depois vendê-las. Do ponto de vista técnico nós já tínhamos bastante know how, ganho, por exemplo, a tingir fibras sintéticas para algumas das maiores marcas de desporto do mundo.

"O individualismo doentio é o principal defeito dos nossos empresários"

Com que tipo de produtos foram para o mercado?

Malhas técnico-funcionais que através de micro-encapsulamento tinham aromas e propriedades revitalizantes, anti-celulite ou anti-odor. Ou com tingimentos com solidez cruzada, que aguentavam o impacto sucessivo de suor, luz e água do mar. E começamos a usar fibras com lyocel. Sabíamos que não tínhamos hipóteses nenhuma de competir se não apresentássemos produtos diferenciados.

Estavam muito à frente para o vosso tempo. Como conseguiram isso?

Tínhamos a estratégia certa, um bom departamento de i&d e acordos de colaboração com empresas internacionais. Em 2004 e 2005 já estávamos a expor na ISPO, com um portefólio muito inovador e diversificado, que ia da moda ao desporto.

Foi o sucesso ao virar da esquina?

Não. Os produtos tiveram uma grande recetividade por parte dos clientes, mas tivemos dificuldade em impor-nos por causa do preço. As nossas malhas eram muito inovadoras, mas caras, e o Made in Portugal não era o que é hoje. Agora somos reconhecidos.

Chegou a temer estar errado?

Nunca duvidei do sucesso dos nossos produtos diferenciados e com grande valor acrescentado. Apesar de nos estarmos a demorar a impor, sabia que estávamos no caminho certo e tínhamos de continuar a investir. Ainda hoje investimos 3,5% do nosso volume de negócios em i&d e outros 3,5% na área comercial.

Quando é que sentiu que o sucesso já não lhe fugia?

Quando o vestuário de trabalho de empresas como a Volkswagen, BMW, Carl Zeiss e John Deere, só para citar alguns exemplos, começaram a ser feitos com a malha que ainda é o nosso best seller e foi premiada na ISPO uma malha estruturada,  muito complexa, utilizando polistes modificados, com propriedades de respirabilidade, propriedades antibacterianas e proteção aos raios ultravioleta.

A inovação é a pedra de toque da Gulbena?

Para nós, a inovação é uma coisa orgânica, tão natural como respirar. Temos muito orgulho nas nossos nove distinções ISPO, das quais uma Top 10. Os clientes vão-nos pedindo coisas, colocando-nos desafios que nós vamos resolvendo, muitas vezes indo até mais longe do que é solicitado.

Pode dar um exemplo?

Temos em curso a produção de uma malha que por dentro absorve o suor e por fora repele a água. Esse duplo efeito é conseguido através da estrutura da malha e da aplicação de tratamento químicos, não através de membranas. O cliente só pedia repelência e nós estamos também a dar-lhe respirabilidade.

Qual o uso a que essa malha está destinada?

Como é uma malha cara, vai ser usada fundamentalmente em roupa para desportos de elite, como o hipismo ou o golfe.

No início desta década, deram mais um passo na diversificação com a criação da Bergand by Gulbena. Porquê?

A nossa atitude é sempre a de seguir o que o mercado nos está a pedir. A Dastex, o cliente alemão que nos compra a roupa de trabalho para a VW, Zeiss, etc, viu a nossa malha e disse-nos. “Nós gostamos muito da tua malha, mas não compramos malhas, só compramos peças…”.

E vocês fizeram-lhe a vontade e investiram em confecção …

Sim, foi com desafios como este que nasceu a Bergand by Gulbena. Não nasci industrial, mas é essa a minha vocação natural. Não me sentia bem só a prestar serviços, a comprar e vender, sem ter produção, a fazer um negócio de judeu :-).  

A Gulbena é um pássaro sueco. E a Bergand?

Um pássaro dinamarquês :-). Limitar-me a subcontratar não faz parte da minha cultura. Nos últimos sete anos investimos cinco milhões de euros na confecção e na estamparia digital – na Imprimis by Gulbena, uma área em que fomos dos primeiros a ter no nosso país.

Como é que o grupo está estruturado?

Gulbena é o nome global do grupo, que está em todas as empresas, menos na tinturaria. A Bergand é a confecção em regime de private label. A Imprimis é a estamparia digital. E a Corporalys é a empresa que vende malhas e tecidos lisos, onde estão todos os artigos técnicos. Cada uma é um centro de custos independente, com equipas comerciais autónomas. Só nos falta a tricotagem.

Está no vosso horizonte acrescentar ao grupo a produção de malhas?

Não está fora de hipótese de enveredarmos por fusões ou aquisições, dentro da fileira têxtil. Precisamos de ganhar dimensão. Só não sei se o vamos fazer através do crescimento orgânico ou de aquisições. Precisamos de obter mais sinergias para sermos mais fortes lá fora.

Não conseguem isso através do estabelecimento de parcerias com outras empresas portuguesas?

Um dos principais defeitos dos nossos empresários – e não estou a falar apenas da têxtil – é que na sua esmagadora maioria sofrem de individualismo excessivamente doentio. Como costumo dizer que parcerias em Portugal não existem, que parcerias é um nome brasileiro :-).

As coisas não estar a mudar nesse capítulo?

Muitíssimo lentamente. O individualismo, a desconfiança visceral relativamente ao parceiro do lado, o medo de ser copiado ou lhe roubarem o negócio, está muito enraizado na nossa cultura empresarial. Há alguns, muito poucos, empresários que estão abertos a parcerias, alguns, muitos, que dizem que estão dispostos mas não estão, e a esmagadora maioria nem sequer quer ouvir falar de cooperação.   

O que ganharam em tornarem-se um grupo mais vertical?

Garantiu-nos mais qualidade e mais mercados. Além de em si serem negócios muito interessantes, a estamparia digital e as malhas técnicas permitem-nos fazer internamente peças confeccionadas de grande valor acrescentado, usando essas nossas valências.

É importante marca própria? A Gulbena planeia dar mais esse passo?

Para o nosso país, termos marcas próprias é mais urgente do que nunca. Mas é um erro tremendo criá-las a partir de uma empresa industrial, pois trata-se de um negócio com gramática e cultura completamente diferentes das da produção.

Está fora de questão a Gulbena criar uma marca própria?

A Gulbena nunca terá uma marca própria. Já o Rui Teixeira pode fazê-lo … 

Em que é que está a pensar?

O que está em cima da mesa, mas ainda numa fase embrionária, é e possibilidade de lançar uma marca no âmbito digital de vestuário desportivo especializado, para fitness, ioga, fatos de banho de competição, escalada ou hipismo. 

Só digital?

O retalho físico está muito retraído. Mesmo em Portugal, o ano passado 38% das compras já foram feitas online. Não tenho dúvidas de que o futuro do retalho vai ser digital.

Há datas?

Ainda nem sequer há decisão. Criar uma marca custa muito dinheiro. E afirmar uma marca digital ainda custa mais. E a minha maneira de trabalhar é muito segura. Só levanto o pé de trás quando o da frente está completamente assente.  

O que é que quer dizer?

A Imprimis by Gulbena estava completamente montada e só foi para o mercado um ano depois. A Bergand só foi para o mercado depois da sua primeira coleção testada e experimentada, quando ninguém podia apontar alguma coisa de menos positivo a cada uma das peças. Ou se faz bem ou então é melhor desistir.

Prudência?

Costumo dizer que tenho dinheiro para pagar para vencer. Não tenho dinheiro para pagar para ver se dá resultado. Não tenho vocação para negócios furados 🙂

Quais os custos de contexto que mais afectam a vossa competitividade?

A carga de impostos que temos de suportar é inexplicavelmente elevadíssima. E os custos da energia deviam ser mais baixos. Na Gulbena, a factura do gás e eletricidade eleva-se a 800 mil euros/ano. Se não é retórica e se querem mesmo ajudar a nossa indústria a ser mais forte, os governos têm de fazer alguma coisa para aliviar este peso.   

Quais os vossos principais concorrentes?

A Itália, Espanha, países asiáticos e Turquia. Este último país ganhou um extra de competitividade com a desvalorização da lira. Nós, em Portugal, como não temos essa ferramenta ao nosso dispor, deveríamos ter custos de contexto mais agradáveis para nos ajudar a vencer nos mercados internacionais.

O preço ainda é o fator decisivo?

Para nós o preço não pode ser decisivo, pois vendemos mais-valia. Quando vendemos um produto diferenciado com valor acrescentado, isso tem de ser respeitado pelos clientes. Quando fixamos um preço temos em atenção que ninguém na cadeia de fornecimento a montante pode abdicar da sua margem. Toda a gente tem de ganhar. Podemos vender mais caro se for perceptível pelo cliente que o nosso produto é muito bom.

Tem objetivos quantificados para o crescimento do grupo?

Em 2018 fizemos um volume de negócios próximo dos sete milhões de euros. Para 2020, a minha ambição é que as nossas vendas cheguem a dez milhões. Se não fosse o dono do grupo, se não atingisse esse objetivo era capaz de me despedir 🙂

Perfil

46 anos, nasceu e vive em Guimarães, sendo o mais novo do casal de filhos de Francisco Soares Teixeira, o contabilista, artista e arquitecto que salvou a TTT quando esta tinturaria balançava à beira do abismo. Licenciado em Engenharia Têxtil, ramo Vestuário, na UMinho, estagiou um ano numa têxtil em Bergamo (Itália), antes de começar a trabalhar na fábrica do pai. Tem dois filhos, a Maria João, 15 anos (quer estudar Economia e ir para a Gulbena) e o Manuel João, dez anos (quer ser futebolista – e pelo visto tem jeito)      

As perguntas de
Paulo Melo
Presidente da ATP

Em termos de resposta no mercado europeu, qual é o futuro das malhas no nosso país?

A concorrência é muito forte, mas nas malhas, Portugal tem uma experiência e capacidade muitíssimo elevadas. Dou-lhe um exemplo. Um cliente italiano que trabalha para a Moschino só compra tecidos em Itália, mas faz todas as suas compras de malhas no nosso país. Isso quer dizer alguma coisa em relação à experiência e qualidade que temos neste subsetor.

Ao nível da sua indústria, precisa de fazer muito mais investimento, ou já está numa fase de estabilidade e rentabilização do que já tem instalado?

Estamos num momento de estabilidade em que temos de rentabilizar os investimentos feitos nos últimos anos. Mas está nos nossos planos fazer novos investimentos industriais, designadamente na capacidade instalada da estamparia digital e no tingimento em continuo. Se o mercado ajudar, é isso que iremos fazer.

Paulo Vaz
Diretor geral da ATP

Nas feiras em que tem estado ficou com a percepção de que continua a haver um crescimento da procura de produtos de maior valor acrescentado em contraste com a estagnação da procura dos mais convencionais?

A procura tem evoluído nesse sentido. O que mercado pede mais é produto sustentável e inovador, diferenciado e com valor acrescentado. E nós estamos muito bem situados para responder a essa procura crescente. O Made in Portugal tem uma imagem cada vez mais consolidada neste domínio.

A Gulbena é uma empresa sempre à procura de novos mercados e clientes. Os Estados Unidos estão nos seus objetivos imediatos?

Ainda não nos sentimos preparados para o mercado norte-americano. Temos pensado bastante em ir para lá, mas temos de estar preparados para isso – e nós ainda não estamos. Primeiro temos de consolidar o mercado europeu, onde, por ordem decrescente de importância, vendemos para a Alemanha, França e Reino Unido. O ano passado crescemos muito na Holanda. A América virá depois.

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