Jorge Fiel
A montagem da rede comercial da Gant foi a primeira grande tarefa de Pedro Silva no grupo, que teve a sua primeira pedra com a inauguração da 1º loja, no Brasília. Desde Janeiro de 2006, que é o presidente executivo do grupo Ricon.
stamos a provar, com resultados positivos, que fizemos o que havia a fazer”, afirma Pedro Silva, 44 anos, CEO do grupo Ricon, que após uma diversificação mal sucedida recentrou a actividade na indústria têxtil e na operação de retalho da Gant em Portugal.
A compra de 10,5% da Gant Company foi a primeira grande decisão que tomou após assumir, há 11 anos, a liderança do grupo. Foi uma decisão pacífica na família?
Não foi nada fácil, o que se compreende, pois tratava-se de um grande investimento – 38,5 milhões de euros é muito dinheiro. Mas a nossa família tinha uma relação pessoal privilegiada com os refundadores da Gant e eu não tive dúvidas de que era um excelente oportunidade de negócio.
E não errou…
Não. A Gant Company foi cotada em 2006 na bolsa de Estocolmo e nós passamos a ter uma voz activa na sua gestão. Eu ia à Suécia quase todos os meses. Até que dois anos depois o grupo suíço Maus Frères, que é dono da Lacoste, lançou uma OPA hostil.
Resolveram logo vender?
A primeira reacção, concertada com os fundadores, foi recusar a oferta. Só mudamos de ideias quando se tornou claro que a OPA ia ser bem sucedida. Vendemos com uma mais valia de 20,8 milhões de euros, conseguida em pouco mais de dois anos.
Foi este esplêndido negócio que o levou a assumir isoladamente a liderança do grupo?
Acabou por ser. A discussão em torno do investimento na Gant tornou claro que coexistiam na família duas visões diferentes sobre a estratégia da Ricon e a velocidade a que devia seguir. Eu, cheio de sangue na guelra, não queria perder as oportunidades de investimento que nos surgiam pela frente. E, como agravante, a banca estava sempre a estimular-nos a andar para a frente e a perguntar-nos de quanto dinheiro precisávamos…
Como avaliou o grupo?
Trabalhei a partir de uma avaliação dos activos feita pelo BPI Corporate quando, na viragem do século, esteve em cima da mesa uma hipótese de fusão da Ricon com a Maconde, que esta recusou ao ver que o nosso grupo valia mais do que o deles. Entre outros, usei o método dos múltiplos do EBITDA e cheguei a um número, válido para comprar ou vender.
O timing da compra foi péssimo…
Com a informação de que disponho hoje, não o faria. Fechei o negócio em meados de 2008. Não demorou até me cair em cima a crise brutal iniciada com o subprime nos EUA. Passado um ano, o grupo – que tinha na holding posições qualificadas na SLN/BPN e Banco Privado – viu o seu valor diminuir drasticamente…
Como reagiu?
A situação era crítica. As participações financeiras desvalorizavam todos os dias. E a indústria que era o nosso core business vivia uma crise sem precedentes, com os clientes a fugirem para a China. A nossa reacção foi diversificar para atenuar a exposição à ITV.
Começaram pelo comércio automóvel…
A primeira oportunidade, logo em 2009, foi a XRS-Motor, que começou com um centro Porsche em Braga, a que se juntaria um outro no Porto, três anos depois.
Depois passaram para a aviação privada. Porquê?
Um pouco por acidente. Sempre atribui uma grande importância ao contacto pessoal com o cliente e ao mais alto nível – não só com os comerciais mas também com administradores e accionistas. Uma coisa é falar ao telefone ou por mail e outra coisa é face to face, estabelecendo relações de amizade e consideração. Os tempos eram outros e por isso viajava com alguma frequência em empresas de aviação privada.
Entusiasmou-se…
Fui entusiasmado por um indivíduo que em 2011 me convenceu a comprar um Embraer Phenom 300, com a convicção de que o alugaríamos no resto do tempo em que não o estivéssemos a usar. O problema foi que o que à partida parecia bastante simples acabou por se revelar muito complicado.
Porquê?
Para vender este tipo de viagens era preciso obter um conjunto de certificações complexas e fazer um investimento brutal em instalações e na formação de recursos humanos – duas tripulações, um engenheiro de voo, outro de manutenção, um director de operações, etc, etc. Com este desenho, o negócio nunca viria a ser rentável.
A entrada nos helicópteros de combate aos incêndios foi uma fuga em frente?
Fez parte de um plano estratégico para ganhar dimensão e recuperar o pesado investimento feito na Everjets. O que se passou à volta dos dois concursos para os helicópteros ligeiros e pesados deixou-me com material suficiente para escrever dois ou três thrillers. Tivemos de contratar segurança privada e videovigilância para não sabotarem os nossos helicópteros durante a noite.
A Gant Brasil também não correu bem. Porquê?
Fomos para o Brasil encorajados pela Gant Company. Os Maus Frères tinham uma boa experiência no país com a Lacoste, mas apenas porque fabricavam vários artigos no Mercosul, como descobrimos mais tarde. No caso da Gant, como os artigos eram todos importados da Europa e da Ásia, era frequente as nossas lojas – uma em Curitiba e três em S. Paulo – terem as prateleiras vazias porque os produtos estavam presos há meses na alfândega…
Proteccionismo?
Não só. Era sempre preciso pagar mais. Um dia era um valor, no dia a seguir já era outro. Os pressupostos do negócio no Brasil mudavam todos os dias. Fomos obrigados, devido às complexidades legais, fiscais e laborais do país, a ter uma estrutura demasiado pesada para as vendas de 3,5 milhões a quatro milhões euros/ano. Perdíamos muito dinheiro todos os anos. Até que no 1º trimestre de 2014 resolvemos encerrar a operação, com um prejuízo acumulado de 14 milhões de euros.
No final de 2013, assumiu que a diversificação não estava a resultar. O que o levou a arrepiar caminho e corrigir a rota?
Foram vários os sinais de alarme. O passivo atingiu os 60 milhões de euros. A tesouraria da aviação e do comércio automóvel de luxo era de uma exigência brutal. Investíamos muito e o retorno era altamente insatisfatório. Onde tínhamos resultados era na industria têxtil e na Delveste – a rede de lojas Gant em Portugal.
Feita essa reflexão, não foi difícil concluir qual o caminho a seguir…
Claro, decidimos vender os activos não estratégicos e concentrar toda a atenção, esforços e recursos na Ricon Industrial e na Gant Portugal, os negócios que geravam tesouraria e bons EBITDA.
Foram-se os anéis ficaram os dedos. Foi fácil desinvestir?
Não se pode vender de um dia para o outro. Em Setembro de 2014 alienamos os centros Porsche e em Novembro a operação da Decenio, onde perdíamos dinheiro há 15 anos. E saímos da aviação em Fevereiro de 2015.
Foi uma aterragem turbulenta…
… mas bem sucedida. Entre três anos, recuamos o volume de negócios consolidado de 97,5 milhões para 50 milhões. Mas ao mesmo tempo evoluímos de um EDITDA negativo de 2,9 milhões para um positivo de 2,1, milhões. E trouxemos o passivo para menos metade.
O que correu mal na Decenio?
Construir e manter uma marca própria com uma rede de retalho exige níveis de investimento que estavam agora fora do nosso alcance. Nunca chegamos a atingir a dimensão crítica mínima. A internacionalização foi lenta e mal sucedida. Acresce que a crise acabou com a classe média, que era o segmento alvo da Decenio.
O downsizing foi difícil?
A diminuição e a reestruturação do passivo deu-nos uma pequena folga à tesouraria. E o reforço dos capitais próprios tem-nos permitido investir. Mas não tem sido fácil, porque o pêndulo da banca passou de um extremo para o outro. Onde dantes só havia facilidades agora só tropeçamos em dificuldades…
Está amargurado com a banca…
Estamos a provar com resultados positivos que fizemos o que havia para fazer. E não ficaremos a dever nada a ninguém…
Qual foi a grande lição que tirou da aventura da diversificação?
Aprendi que só devemos investir naquilo que verdadeiramente sabemos fazer. Tenho a humildade de reconhecer que fui demasiado ambicioso. A experiência dos últimos dez anos foi rica, mas extremamente dura e dolorosa. Até em termos emocionais. Nós, os empresários portugueses, somos muito individualistas. Devemos envolver mais as equipas, desafiá-las e partilhar projectos.
Agora o vento já sopra a favor?
Continuamos a reestruturar e a criar mais eficiências… Temos uma equipa coesa e estamos a ajustarmo-nos às novas condições do mercado. É na indústria, onde já facturámos 40 milhões de euros, que temos de crescer. Mas há uma pressão brutal para baixar os preços. Só conseguimos ser competitivos se não pararmos de investir e aperfeiçoarmos processos. O caminho é aumentar a flexibilidade e melhorar a rapidez e qualidade de serviço.
Mas o pior já passou?
Ainda estamos a sofrer. Mas o mais difícil já está para trás das costas. Agora temos de nos adaptar à crescente volatilidade do negócio. Dantes tínhamos o mesmo interlocutor durante anos. Agora ligamos para o cliente e do outro lado explicam-nos que o CEO contratado há seis meses acaba de ser despedido por não cumprir os objectivos – e temos de começar tudo de novo…
O que mudou mais?
Dantes a palavra de uma pessoa valia. Dava-se um aperto de mão e o negócio ficava fechado. Agora não. Ainda há pouco, um cliente colocou aqui uma encomenda interessante. No dia a seguir de manhã ligou a anulá-la. E à tarde voltou a encomendar o mesmo artigo, mas em menores quantidades. Isto era impensável há dez anos. O mundo está assim. Temos de nos habituar a viver com esta instabilidade.
Um grande desafio…
Sim. Mas o maior é o de produzirmos mais e melhor com menos custos. Apostamos muito na dinâmica do departamento criativo que está sempre a apresentar novidades aos clientes. Para subir na cadeia de valor, fabricamos produtos cada vez mais complexos, combinando matérias que dificilmente coabitam, inovando na construção e engenharia de produtos, apresentando acabamentos desafiantes… Já há muito tempo que evoluímos de fabricantes especializados para especialistas em moda.
Quais são os custos de contexto que estrangulam a nossa competitividade?
A energia é demasiado cara. E o aumento do salário mínimo em dois anos seguidos não nos favorece nada. Não é pelo salário mínimo em si, dado que na generalidade pagamos acima da média, mas pelo efeito dominó que tem nos custos industriais, a jusante e montante. Não é fácil. A banca corta-nos as pernas e o Governo não ajuda – não há apoios estatais para quase nada.
Apesar disso a ITV bateu em 2016 o recorde das exportações…
O mérito é da resiliência e do know-how das empresas e empresários, que foram fortes, nunca desistiram, não viraram a cara à luta, subiram na escala de valor e internacionalizaram-se. E também beneficiamos do aumento dos preços na China e da turbulência política em países como a Turquia e Tunísia.
Como vê o futuro do grupo Ricon?
Nos anos mais difíceis levei muita pancada. E não foram poucas as pessoas que me desiludiram. Mas sou muito positivo e estou optimista. Tenho uma enorme confiança no futuro e nas equipas que dirijo. Sinto-me com força, garra, paciência e determinação para continuar a encontrar as soluções que permitam à Ricon manter-se na senda do crescimento e prosperidade.
Pedro Silva, 44 anos, é um ano mais velho que a Ricon, fundada pelo pai, Américo, em 1973, em Ribeirão. Cresceu no meio dos trapos, e ainda se recorda de, na adolescência, passar as férias grandes a trabalhar no armazém da fábrica. Andava no curso de Economia e Gestão na Católica quando o pai o desafiou a montar a rede de distribuição da Gant em Portugal, desafio que agarrou com ambas as mãos – sacrificando os estudos. Casado com Sílvia, têm um filho, Lourenço, 14 anos.
Com 17 anos já estava a voar para a Escandinávia, de mala na mão, para falar com clientes. “O meu pai incutiu-me o gosto pela têxtil”, reconhece Pedro, filho de Américo o ex-director comercial da Malhas Minho que criou a Ricon, a primeira empresa de um grupo, cuja história está ligada à Gant. No dealbar dos anos 80, três compradores suecos, que tinham trabalhado para a H&M e eram amigos de Américo Silva, decidiram trabalhar uma marca própria – e negociaram um contrato de licenciamento para a Europa da Gant, uma marca criada no pós-guerra, em Long Island, por um emigrante ucraniano. O grupo Ricon tornou-se não só o maior fornecedor dos suecos da Gant, mas também assegurou o exclusivo da sua distribuição em Portugal. A montagem da rede comercial da Gant foi a primeira grande tarefa de Pedro no grupo, que teve a sua primeira pedra com a inauguração da 1ª loja, no Brasíilia. Desde Janeiro de 2006, que é o presidente executivo do grupo Ricon.
Como vai evoluir o posicionamento do grupo Ricon?
O nosso posicionamento histórico é no segmento do luxo acessível, mas vamos continuar a subir na cadeia de valor. Portugal dispõe de condições e recursos fantásticos para se poder tornar uma excelente alternativa à indústria que vem desaparecendo em Itália e França. já não restam muitas empresas industriais capazes de fabricar os produtos de luxo acessível made in France ou made in Italy – a grande maioria mantém os centros de decisão nos países de origem, mas deslocalizou as produções para países como a Bulgária e Roménia…
O que o levou a Ricon a aderir à ATP?
Mais vale tarde do que nunca! A ATP afirma-se como uma associação exemplar pelo posicionamento de proximidade junto dos associados, visão estratégica e dinâmica para o sector e networking internacional. A Ricon quer estar junto dos melhores, dos que contribuem com a sua visão construtiva para a ITV e uma melhoria de Portugal no seu todo. Procuramos fazê-lo já no dia-a-dia com os nossos parceiros de longa data, e acreditamos que vamos fazê-lo ainda melhor integrados na ATP e usufruindo dos seus recursos.
Nos últimos dez anos, o que mudou na relação com os clientes?
Ninguém quer ter grandes stocks e por isso as encomendas são decididas o mais tarde possível, fazendo com que o peso do “conceito” estação deixe de existir, com o consequente impacto negativo no “lead time” do processo industrial. Adicionalmente com a pressão preço, não há agora cliente que aceite os valores sem que primeiro lhe expliquemos detalhadamente a ficha de custo – o preço das matérias, do botão, da energia, dos acessórios, a componente mão-de-obra, etc, etc. Isto era impensável há dez anos.
Está satisfeito com o apoio que a banca tem dispensado à ITV?
Haverá alguém que esteja? A banca está objectivamente a prejudicar o crescimento das empresas inovadoras e exportadoras que estejam em dificuldades pontuais. Se eu tiver uma grande encomenda e for à banca solicitar um financiamento intercalar, de 12 a 15 semanas, para comprar a matéria-prima, o mais certo é vir de mãos a abanar. Só com a factura emitida e a mercadoria despachada é que talvez me financiem e não todos…