Paulo Augusto de Oliveira
“Queremos ser
a empresa de lanifícios mais verde do mundo”
T43 - Maio 19

T

Temos 16 mil painéis solares que produzem energia limpa e satisfazem 1/3 das nossas necessidades - afirma Paulo Augusto de Oliveira, administrador do grupo Paulo de Oliveira.

Q
Q

ual o segredo que permitiu à Paulo de Oliveira sobreviver à hecatombe que vitimou a esmagadora maioria das empresas de lanifícios?
A dedicação é a primeira palavra que me vem à cabeça. Foi a dedicação que nos levou a nunca deixar de investir para manter a empresa atualizada. A vontade de fazer sempre melhor, de nunca nos darmos por satisfeitos com o que já alcançamos, é uma marca de água da cultura que o meu pai imprimiu na empresa.

Quem ficou pelo caminho foram os que não investiram?
Estagnaram, por falta de capacidade de gestão, e por isso não beneficiaram dos anos de expansão muito acentuada que se seguiram à nossa adesão à CEE. A Europa estava protegida dos produtos asiáticos e nós tínhamos enormes vantagens competitivas. Escolhíamos os clientes. Vendíamos o que queríamos.

Qual foi o objetivo das aquisições que fizeram na viragem do século?
Crescer. Comprámos a Moura & Matos, a Penteadora e a Nova Penteação para responder ao aumento da procura. Precisávamos de aumentar rapidamente a nossa capacidade.

…empresas que estavam de rastos. Foi o aproveitar de uma oportunidade?
A Nova Penteação, atual Tessimax, estava fechada, em fase de acordo de credores, mas a Penteadora, que tinha sido intervencionada, já estava a levantar-se.

Foi complicado digerir essas empresas?
Passamos de 350 pessoas para mais de mil. A integração de outras empresas nunca é um processo simples. Demoramos três anos a consolidar esse crescimento por aquisição.

E apanharam logo com a crise resultante da adesão da China à OMC…
Foi um período muito duro. Dos nossos cinco maiores clientes, três desapareceram – foram para a Ásia. Percebemos que tínhamos de proceder a uma alteração estrutural do nosso modelo de negócio.

Em que sentido?
Estávamos na gama média e a produzir grandes volumes. E sentimos que para continuarmos competitivos teríamos de mudar o tipo de produto e diversificar a carteira de clientes.

Custos de Contexto
"Somos Champions League, pois competimos com os melhores, mas vamos a jogo carregados e com botas de chumbo"

O ajustamento foi violento?
Em períodos de grande turbulência, como esse, há uma pressão enorme para manter a estrutura a trabalhar. Na frente comercial, a preocupação foi de substituir os clientes que se foram embora e progressivamente reduzir o peso dos que não nos interessavam do ponto de vista estratégico.

Tinham uma exposição muito grande a poucos clientes?
Nunca fomos uma empresa de cliente único. O maior, que era a Marks & Spencer, representava 20% das nossas vendas. Foi um dos que se foram embora…

Não chegou a haver pânico, apenas alarme?
A Paulo de Oliveira sempre foi uma empresa muito sólida. Em todos os seus 83 anos de história apresentou quase sempre resultados robustos. Todos os nossos investimentos são financiados com meios próprios.

Não foram apanhados desprevenidos?
Todos os anos, fazemos uma análise estratégica e agora, olhando para trás, vemos que acertámos no essencial.

"Temos vindo a aumentar as vendas na Ásia, que é onde está o crescimento do consumo"

Trabalho de casa bem feito…
As previsões que resultavam dessas nossas reflexões estratégicas eram muito arrojadas. Estávamos preparados para a mudança, para ter de apostar na inovação e em novos produtos. O que vendemos agora não tem nada a ver com o que fazíamos em 2005.

A mudança começou em 2005, mas o grande programa de investimentos só se iniciou em 2013. Andaram oito anos a ver como paravam as modas?
Num contexto marcado pela falência do Lehman, a crise das dividas soberanas, a intervenção da troika, a “morte anunciada do têxtil” e de transformações internas, fomos conservadores e investimos menos. Mas, de facto a nossa mudança começou ainda antes de 2005, pois mudar não significa só comprar máquinas novas.

Nos últimos cinco anos, investiram cerca de 20 milhões de euros. Qual o sentido estratégico deste investimento?
Adequar o grupo ao novo modelo de negócio. A política de investimentos assentou em três pilares – qualidade, flexibilidade e sustentabilidade. Mas já estamos a renovar os conceitos. Investimos em equipamentos que nos permitem sermos flexíveis, fabricando séries mais pequenas, produto costumizado e prestando melhor serviço. E em sermos mais sustentáveis.

Quando é que o investimento em painéis solares está concluído?
É um projecto por fases. Na Paulo de Oliveira estamos na quarta e última fase e até ao final deste mês produziremos energia limpa para sermos autosuficientes no pico solar, atingindo o limite legal no regime de autoconsumo. Como trabalhamos 24 horas isto significa que cerca de 1/3 da energia será solar. Na Penteadora e Tessimax estamos a replicar o processo. A etapa atual demorará mais um par de meses e teremos 16 mil painéis. Mas o nosso esforço neste domínio não se esgota no aproveitamento fotovoltaico. Temos melhorado imenso a eficiência energética e a poupança de água.

Como poupam água?
Toda a água que consumimos é usada duas vezes. A que captamos fria é usada primeiro no arrefecimento e depois reutilizada no processo produtivo. E estamos a programar um maior reaproveitamento. Queremos poder dizer que somos a empresa de lanifícios mais verde do mundo.

Qual é o plano de investimento para este ano?
Quando chove, temos de conduzir com mais cuidado. A conjuntura, externa e interna, associada a alterações estruturais recomendam prudência.

Um ano de consolidação do investido nos últimos cinco anos?
Mesmo assim planeamos investir entre um e dois milhões de euros na renovação da tinturaria e provavelmente também nos acabamentos, para podermos concretizar algumas ideias novas que temos.

Em 2018 contratam cerca de 120 pessoas. A que se deveu essa enorme renovação de 10% do efetivo?
Foi-nos imposta. A nossa rotação de pessoal foi sempre muito baixa. As pessoas começavam a trabalhar muito novas e mantinham o mesmo emprego. O que aconteceu foi que tivemos muita gente com mais de 60 anos e 40 de descontos que aproveitou a nova legislação das reformas antecipadas que reduz o corte da taxa de sustentabilidade. Agora a estrutura etária rejuvenesceu-se mas perdemos excelentes colaboradores que vimos partir com tristeza e gratidão.

Foi um choque?
É sempre difícil arranjar gente especializada. Não há tecelões, nem cerzideiras… A escassez de mão de obra qualificada é consequência direta do desaparecimento da concorrência e da má imagem que a indústria tinha.

Como resolvem esse problema?
É como em tudo na vida. Vamo-nos adaptando. Temos um protocolo com o Modatex. Para além disso fazemos formação interna. Mas estas coisas levam tempo. Um técnico especializado demora anos a ganhar traquejo. Também por isso estamos num momento de pausa. Primeiro temos de consolidar, de formar as pessoas, para depois podermos voltar a acelerar.

Foi por o fato de homem estar em vias de extinção que apostaram numa colecção para senhora?
As notícias da morte do fato de homem são manifestamente exageradas:-). Há um decréscimo de consumo, mas continua a ser o nosso produto âncora, com um peso de cerca de 60% nas vendas da Paulo de Oliveira, e um pouco menos quando se fala do grupo todo.

Senhora é uma alternativa?
É mais um complemento tal como a coleção Informal que apresentamos há alguns anos. Já vendíamos tecidos para senhora. Há um ano, criámos um conceito específico e a marca Pink, e apresentámos a primeira coleção Pink na PV de setembro. Há alterações estruturais na forma de vestir e nós adaptamo-nos a elas, com novas misturas, como lã e linho, e propostas mais casuais como tecidos para casacos desportivos ou fatos mais modernos.

Está a correr bem?
A aposta em senhora faz todo o sentido e vai dar resultados, mas temos de dar tempo ao tempo, de deixá-la amadurecer. É uma coleção focalizada, para um nicho específico e assente nos nossos pontos fortes, em produtos que fazemos muito bem e com sinergias. Será uma aposta ganha se dentro de três anos pesar 10% nas nossas vendas. É também um desafio cultural.

Que custos de contexto afetam a vossa competitividade?
Carga fiscal, formação, energia, taxas… mas, a energia representa quase 20% do nosso custo de transformação, é muito importante! Costumo dizer que somos Champions League, pois competimos com os melhores, mas depois vamos a jogo carregados e com botas de chumbo … Tentamos atenuar o preço da energia com o aproveitamento fotovoltaico e investimentos contínuos no aperfeiçoamento da eficiência energética. É um problema nacional agravado localmente.…

Porquê?
A taxa municipal de ocupação do subsolo que pagamos representa 10% da nossa fatura do gás. É um custo superior a 100 mil euros/ano que só temos por estar na Covilhã. A maior parte dos municípios não cobra nada ou apenas uma ínfima parte deste exagero. Mas também temos das taxas mais altas no IMI, derrama…

Estar no Interior também não ajuda…
Temos o custo da distância, que se mede em gasolina, tempo e portagens. Não faz sentido que as portagens na A23 sejam mais caras que na A1. As políticas públicas deveriam corrigir as assimetrias, mas os sinais são em sentido contrário. O Orçamento está a subsidiar os passes sociais de Lisboa e Porto e não questiono a justiça disso. Mas, porque é que não se faz o mesmo com portagens nas auto-estradas do Interior? Seria um sinal, minúsculo, mas um sinal.

Como se contraria a desertificação do Interior?
As pessoas não são burras. Não vão para Lisboa ou para o Porto porque queiram – mas porque lhes compensa. Já não há aqui delegações de nada. Está tudo concentrado no litoral. As pessoas vão embora, para as cidades onde se vive melhor mas onde subsidiam os passes sociais… Isso afecta-nos direta e indiretamente.

Como?
Não há massa crítica e, por exemplo, se queremos trazer para aqui um engenheiro têxtil formado na Universidade do Minho temos que pagar mais. Mesmo o CITEVE fechou na Covilhã…São muitos os custos da interioridade.

Têm uma boa relação com a UBI?
Muito boa, inclusive eu faço parte do conselho consultivo da FCSH-UBI e estamos na estrutura da UBIExecutive. Recentemente, em parceria com a UBI fez-se um curso de Engenharia Têxtil, essencialmente em regime pós laboral, vocacionado para colaboradores nossos que se queriam valorizar. E temos agora uma parceria com a UBIExecutive para formações mais curtas, em áreas mais ligadas às soft skills.

A geografia das vossas exportações deixa-vos satisfeitos?
Direta e indirectamente exportamos mais de 95%. Cerca de 75% da produção vai para a Europa, um mercado maduro onde é difícil crescer muito mais. Temos vindo a aumentar as vendas na Ásia, que é onde está o crescimento do consumo e o nosso segundo maior mercado, com um peso de 15%. E vamos trabalhar melhor as Américas, do Norte e do Sul, onde a nossa presença é fraca.

O preço da lã continua a subir?
Após um período de três anos em que quase duplicou, o preço da lã está agora mais estável, num patamar próximo de máximos históricos. Ainda assim a produção tem caído, sendo a procura, liderada pela China que controla cerca de 76% do mercado.

A alternativa à diminuição da matéria prima passa pela aposta nas fibras de lã recicladas?
O ano passado, na Penteadora, lançámos a Re.born, um conceito de tecidos de lã reciclada, produzida a partir de todos os desperdícios do grupo. Para já ainda é um fio relativamente grosso. Também lançamos tecidos com poliéster reciclado e temos muitas coisas em estudo.

Qual é o peso da matéria prima no preço do produto final?
É uma componente muito pesada, que pode chegar aos 40%. Quando o preço da lã sobe 30% num ano, não é nada fácil fazê-lo repercutir no preço final…

O preço continua a contar?
Em tudo quanto é negócio o preço conta. Nós não competimos pelo preço. Mas a nossa capacidade negocial não pode ir além daquilo que o cliente está disposto a pagar :-).

O vosso preço médio têm vindo a aumentar?
Por dois motivos, o aumento do preço da matéria prima e a crescente sofisticação da nossa gama de produtos.

Costuma dizer que olhar para trás é simpático, mas que o desafio é olhar para a frente. Como vê o futuro?
O crescimento exponencial das vendas online obriga toda a fileira a alterar o seu modo de funcionamento. O digital vai impor a objetividade, a transparência e a avaliação imediata e isto implica uma alteração profunda, até em aspetos menos mediáticos como a cultura da empresa. Centramo-nos no investimento em tecnologia mas paradoxalmente não é esse o maior desafio.

Como vê a atual conjuntura?
Desde o final do ano passado que o ambiente geral é negativo. Há uma grande incerteza que aconselha prudência e nós adequamo-nos aos sinais que fomos lendo. Mas curiosamente, no primeiro trimestre a Paulo de Oliveira está com um crescimento de 7%, ao contrário dos nossos concorrentes e do que perspectivámos. O que quer dizer que nos preparámos ou que estávamos enganados – pelo menos por enquanto …

Perfil

55 anos, cresceu e vive na Covilhã, sendo o mais velho dos quatro filhos de Maria Hermínia e Paulo Nina de Oliveira. Licenciado em Gestão de Empresas (Católica de Lisboa), começou a trabalhar em 1986 na área comercial da empresa fundada pelo avô José Paulo e que o pai transformou numa das maiores fábricas de lanifícios da Europa. Casado, tem três filhos: Miguel, 24 anos, que está a acabar o mestrado em Finanças na Católica; Joana, 21 anos, que está a fazer Arquitetura no Técnico; e Francisca,16 anos, que é “a animação lá de casa”       

As perguntas de
Paulo Melo
Presidente da ATP

No futuro, as fibras naturais, como a lã, serão premium e destinadas a nichos cada vez mais exclusivos?
A lã tem propriedades que a tornam especial, é resiliente permitindo uma fácil recuperação do aspeto original, tem elasticidade natural, é respirável e absorve a humidade o que a torna uma fibra termo-reguladora, capaz de nos conservar quentes quando está frio e de nos manter mais frescos quando está quente. Na prática, a lã já é um produto de nicho, pois representa menos de 2% do mercado global de fibras têxteis e a quota tem vindo a decrescer.

Como perspetiva a evolução do setor?
A têxtil mudou, renovou-se e está melhor. Mas estamos numa conjuntura desafiante que nos obriga a um esforço de partilha de informação. Todos os intervenientes da cadeia de fornecimento têm de estar ligados. Os clientes são cada vez mais parceiros, a ligação é cada vez maior. A digitalização de que se fala na indústria 4.0 não se esgota dentro da fábrica – tem de abranger toda a fileira.

José Robalo
Presidente da ANIL

Qual o futuro para a nossa ITV?

Temos de nos adaptar a mudanças rápidas e isso implica estar atentos e ser flexíveis. A têxtil conseguiu consolidar competências em áreas como a inovação e a sustentabilidade que impulsionaram a sua competitividade, mas há aspectos a melhorar. Por exemplo, a mudança impõe agilidade, se a procura não é previsível então é fundamental que as estruturas sejam elásticas. Questiono: se isto é determinante, as políticas públicas estão alinhadas com este objectivo de maior flexibilidade? Questiono ainda, se queremos uma indústria forte não é básico que se debatam os custos de contexto, como a energia, carga fiscal, taxas abusivas ou deficiências de formação?

Com o aumento da procura de artigos naturais e sustentáveis, há margem para o crescimento do consumo de produtos com lã?
A lã é uma fibra natural, renovável, reciclável, carbon friendly e facilmente biodegradável. Seguramente que um consumidor mais informado e sensível às questões da sustentabilidade está mais propenso a comprar roupas com lã.

Partilhar