T
O Made in Portugal é sinónimo de elevada qualidade, menor pegada ecológica e sustentabilidade ambiental e social - afirma Miguel Tolentino, 44 anos, diretor geral da Berg Outdoor.
o cabo de 13 anos nas telecomunicações, foi um choque aterrar na têxtil?
São trabalhos muito diferentes. Mas o choque não tem a ver com o facto de serem setores mais ou menos tecnológicos. Aqui na Berg o contacto com o produto – a matéria prima, as cores, os acabamentos… – é muito mais presente do que era na Optimus. E acima de tudo, nas telecomunicações os ciclos são muito mais curtos.
A diferença é muito grande?
Enorme. Não só em duração, mas também em complexidade. Estamos a vender a coleção Primavera/Verão 19 e já temos desenhada – começamos há três meses – a de Outono/Inverno 19. Nas telecomunicações, demorava dois meses, três no máximo, até termos o produto novo nas mãos dos consumidores. Para além disso, nas telecomunicações tínhamos muitíssimo mais informação sobre os clientes.
A mudança foi complicada?
Implicou a aprender uma nova terminologia, familiarizar-me com novos processos de fabrico e diferentes segmentos de mercado. Mas essa aprendizagem e os novos desafios são as coisas boas que a mudança proporciona.
Qual era o principal objectivo que trazia quando desembarcou na Berg?
A internacionalização. A Berg Outdoor – que nasceu em 2001 como marca própria da Sport Zone para o montanhismo, campismo, a vida ao ar livre – , foi despertando a atenção da parceiros externos. Tratou-se de tirar partido desse potencial, para apostar na exportação e tornarmo-nos uma marca relevante no setor a nível europeu.
Tratou-se de dar um novo fôlego à marca?
Foi um spin off da Sport Zone. Uma segunda vida da Berg Outdoor. Mudámos da Maia para a Boavista, criamos uma entidade jurídica diferente, e procedemos a um rebranding da marca – não só da sua imagem mas também do seu DNA.
Uma revolução?
Mais que uma revolução, foi uma afinação. O que aconteceu foi uma clarificação e aprofundamento da identidade da marca, bem como da sua estratégia comercial e target. Reduzimos a gama, para trabalhar melhor os produtos. E passamos a estar focados em dois segmentos específicos: Aventura, para passeios na montanha (hiking), e o trailrunning, mais especializado, dirigido aos atletas.
A afinação resultou?
Os indicadores são animadores. Antes desta segunda vida, as exportações andavam nos 5% das vendas. Em 2016, pesavam 15%. No final do ano ano passado já valiam 30%. Mas as nossas ambições a nível internacional não se ficam por aqui. Prevemos atingir os 50% em 2019.
Em que vantagens competitivas se fundamenta essa ambição?
Temos dois grandes factores de diferenciação, a sustentabilidade e o made in Portugal. E sentimos que o mercado potencial está a aumentar com a tendência para o uso cada vez mais frequente no dia a dia, em situações de trabalho e urbanas, de vestuário e calçado do nosso segmento aventura.
A crescente preocupação com um estilo de vida saudável favorece-vos?
Está em linha com a forma como pensamos e com a nossa missão que consiste em motivar as pessoas a descobrirem o mundo que a rodeia e a sentirem que cada dia merece ser uma aventura, seja nos picos mais altos ou na cidade em que sempre viveram. Hiking is the new yoga 🙂.
O peso da têxtil nas vendas da Berg Outdoor está a aumentar?
Desde o início deste nosso segundo fôlego, em que a Berg Cycles ficou na Sport Zone, que as percentagens têm estado estabilizadas – cerca de 70% têxtil, 20% calçado e 10% em equipamentos, fundamentalmente mochilas.
Na ISPO, orgulhavam-se do facto da componente têxtil da vossa coleção ser 100% made in Portugal …
E estamos a falar de um conceito mais abrangente do que a confecção. A nossa portugalidade começa na identidade da marca, que vai buscar a sua inspiração no espirito aventureiro dos descobridores portugueses, continua na concepção, desenho e conceitos criativos, com referências constantes ao nosso país nas cores, padrões e nomes das peças, e estende-se aos materiais, com o uso do burel, da cortiça…
Compensa essa assunção da portugalidade?
Basta ver a recepção que tiveram na ISPO o casaco de cortiça e as sapatilhas jindo burel, que receberam um prémio de inovação. Temos um colecção cápsula, a Heritage, em que todos os produtos são feitos só com recurso a matérias primas portuguesas.
Ser made in Portugal deixou definitivamente de ser cadastro para passar a ser curriculum?
O que faz todo o sentido, atendendo não só à elevada qualidade dos nossos produtos e à confiança que inspiram, mas também ao facto de no mercado europeu, que é o nosso target, o made in Portugal ser também sinónimo de evitar custos de transportes acrescidos, uma menor pegada ecológica e a garantia de sustentabilidade ambiental e social.
Que impressão tem da ITV portuguesa?
Muito boa. Nós apostamos muito na indústria e estamos muito satisfeitos pois sentimos que essa aposta é reciproca. Já é claro que depois de atravessar tempos difíceis, conseguiu reinventar-se e dar a volta por cima. A nossa ITV trabalha de uma forma muito eficiente, produzindo qualidade a preços muito competitivos.
Ou seja, têm as costas então bem cobertas…
Os nossos 35 fornecedores portugueses situam-se num raio de 70 quilómetros, o que é óptimo por permite-nos manter um nível de colaboração muito estreito e frequente, além de nos proporcionar uma maior rapidez e agilidade nos tempos de resposta.
Como avalia a capacidade de inovação da indústria?
É elevadíssima, o que é fundamental para uma marca como a nossa que oferece produtos com um nível de tecnicidade muito exigente. Os artigos Berg Outdoor são de cada vez maior valor acrescentado. Ao contrário do que acontece na moda, a pedra de toque da competitividade não está no desenho ou na cor, mas na função técnica.
O que isso quer dizer?
Que uma bota impermeável tem de ser mesmo impermeável, a mochila tem de ser leve, o impermeável de trail running tem de ser simultaneamente impermeável, leve e packable, etc, etc.
Qual é o ponto fraco da ITV?
O que mais me preocupa é a falta de mão de obra qualificada. É um problema sério, que nos pode condicionar, e não sinto que esteja a ser tratado com uma abordagem estruturada. Não me parece que ele se resolva só com a importação de recursos humanos e uma maior automatização da produção.
Como se resolve?
Com um programa de requalificação e formação, uma nova política de remunerações e uma melhoria na percepção social do que é realmente a indústria.
E os pontos fortes?
A capacidade de inovação, competência técnica, qualidade na produção, bem como a sua flexibilidade, que permite encurtar os ciclos.
Não deve ser fácil construir uma marca a partir de um mercado pequeno e periférico ….
Não, não é nada fácil, principalmente num mercado tão técnico como o do outdoor, onde já havia diversas marcas muito bem posicionadas e em que a confiança é crucial, pois no limite podem estar vidas em jogo. Sentimos dificuldades….
… que já foram vencidas?
Estamos nos primeiros passos, mas após a nossa redefinição, as vendas, bem como o feedback dos nossos clientes e parceiros, dão-nos sinais muito sólidos de que estamos no caminho certo e o nosso ritmo de crescimento vai continuar a acelerar.
A abertura de lojas próprias é o próximo passo no processo de construção da marca?
É uma hipótese que está em cima da mesa, mas não será para amanhã. Faz parte do nosso plano, que está em permanente discussão e constante revisão. Costumo dizer que somos uma start up no meio de um grande grupo 🙂 . Poderá ser um passo interessante para a nossa afirmação como marca.
As vendas online já têm expressão?
Para já são apenas residuais. Neste momento, o online serve essencialmente como apresentação da marca, do nosso catálogo, e ainda para chegar a mercados onde não estamos fisicamente presentes.
No futuro vão ser importantes?
Vão crescer, mas não creio venham a ser dominantes. Num segmento como o nosso, o contacto físico com o produto e o aconselhamento são muito importantes.
Em que consiste o conceito de shop in shop que estão a desenvolver na Eslováquia?
É uma solução especial que estamos a desenvolver com o nosso parceiro local, a Exisport. Em três lojas desta cadeia, logo à entrada e do lado direito, há um espaço, com 35 a 40 metros quadrados, exclusivo da Berg Outdoor. É uma experiência que está a correr muito bem.
Estão satisfeitos com a geografia das vossas exportações?
A Europa é o nosso mercado alvo. Estamos em 20 países, que dividimos em três categorias: os mercados estratégicos – Alemanha, Espanha, França, Itália e Reino Unido -, os táticos, caso da Polónia, e os reativos, onde não investimos mas estamos atentos a oportunidades de negócios que surjam.
A Sonae Sports & Fashion tem outras marcas como a Zippy, Mo, Sport Zone ou Deeply. Terem saído da Maia não atrapalhou as sinergias de grupo?
Não. Com a Deeply, especializada nos três s – surf, skate e snowboard – partilhamos o escritório, o operador logístico, que é diferente do das outras marcas da Sonae, bem como a gestão de projectos e a supply chain. É uma marca irmã. Trocamos informações permanentemente.
E com as outras marcas?
Conhecemo-nos todos. Formal ou informalmente, estamos sempre a partilhar planos de ação, conhecimento, experiências e aprendizagem ou formas de e.commerce. Os níveis de colaboração são crescentes.
É essa vantagem de integrar o grupo Sonae?
Vivemos no melhor de dois mundos. Tiramos partido dos recursos da Sonae em tudo em que achamos que é o mais apropriado para nós. E temos a liberdade de encontrar as nossas próprias soluções, se considerarmos que essa é a melhor opção.
A Berg Outdoor é uma adolescente, prestes a fazer 17 anos…
… mas que já tem um rumo e sabe o que quer da vida.
Como é que se está ver quando atingir a maioridade?
Ser uma marca consolidada no mercado outdoor europeu, ainda em crescimento, mas já conhecida e reconhecida pelos nossos parceiros comerciais. Olhada pelos consumidores como credível e confiável. E percepcionada como portuguesa e sustentável.
Tem objectivos quantificados?
Vamos continuar a crescer muito todos os anos.
Sempre a dois dígitos?
Pelo menos a dois dígitos.
44 anos, nasceu no Porto, filho da responsável pelo laboratório de uma companhia de vinho do Porto (Croft) e de um engenheiro que fez carreira a gerir empresas de media e telecomunicações (José Marquitos, com quem ele se cruzou uma semana no grupo Sonae). Cresceu entre as Antas e Paranhos. No final do secundário (feito no António Nobre), escolheu fazer Economia (“Tive muitas dúvidas. Havia muitos cursos aliciantes”, confessa), tendo concluído em 1996 a licenciatura na FEP. Casado, tem três filhos.
De que modo a transição para a economia circular pode trazer vantagens competitivas para a Berg Outdoor?
No que toca a economia circular, o nosso setor está bem à frente do mercado em geral. Não só os nossos consumidores, que como amantes da natureza são ultra-sensíveis às questões ambientais, mas também as marcas, porque estimulam esse tipo de vida e comportamento. A sustentabilidade é um dos factores diferenciadores da Berg Outdoor, É algo em que investimos e temos sempre presente em todo o processo produtivo, desde a escolha das matérias primas até ao produto final.
Qual é, na sua perspectiva, a maior barreira à digitalização?
Há sempre uma barreira cultural à mudança. No geral, as pessoas resistem a mudar de hábitos e processos. A digitalização traz ganhos importantes quando se trata de automatizar processo repetitivos. Mas não dispensa as conversas face to face, bastante proveitosas, que temos com os nossos fornecedores, a diferentes níveis – aprendemos muito no contacto com os chefes de linha e as costureiras.
Que objectivos encerra a estratégia da Berg Outdoor ao autonomizar-se do universo da Sport Zone? Crescimento rápido e presença global?
Sim. O objetivo do spin-off foi exatamente ganharmos a autonomia, a flexibilidade e o foco necessário para lançarmos a marca no mercado internacional – com foco na Europa. Isso obrigou a uma mudança de atitude, processos e forma de trabalho por toda a equipa e a autonomização permitiu acelerar esse processo e criar uma cultura própria Berg Outdoor.
A Berg Outdoor aposta em fabricar em Portugal, combinando excelência, inovação tecnológica e sustentabilidade. Considera que o Made in Portugal da ITV é hoje algo que valoriza as marcas que o utilizam em todo o mundo e, por maioria de razão, as portuguesas?
Sem dúvida! O Made in Portugal é não só um fator diferenciador e uma vantagem competitiva para a Berg Outdoor como também algo intrínseco à nossa própria identidade como marca. Acreditamos que ter a portugalidade bem presente desde o conceito criativo de uma coleção até à sua confeção, claramente valoriza a nossa marca e os nossos produtos.