MIGUEL PEDROSA RODRIGUES
“Trabalhando
em rede chegaremos mais longe”
T35 Setembro 18

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Hoje em dia uma costureira é uma técnica de produção altamente qualificada - afirma Miguel Pedrosa Rodrigues, 39 anos, administrador da Pedrosa & Rodrigues.

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stava escrito nas estrelas que iria trabalhar na Pedrosa & Rodrigues?

Cresci nestas redondezas. Conhecia as pessoas que trabalhavam na fábrica. Brincava aqui. Habituei-me desde miúdo a ouvir os problemas da indústria à mesa do jantar, lá em casa. E estive sempre por perto. Apesar disso, nunca esteve nos meus planos integrar ou não a empresa.

O que o fez mudar de ideias?

Há seis anos, os pais sentiram que era a hora de começar a pensar na sucessão. Reuniram a família e, com a ajuda de consultores, elaborarmos um protocolo familiar com regras bastante pormenorizadas. No final desse processo tornou-se consensual que eu a minha irmã viéssemos trabalhar para cá.

Foi uma decisão natural?

Eu estava com 33 anos e já era mais gestor e menos arquiteto, por força do crescimento do atelier de arquitectura. A Ana Patricia tinha 27 e trabalhava em Lisboa com a Joana Vasconcelos. Os pais puseram à nossa consideração a hipótese de fazermos parte da empresa – o David já cá estava. Fazia todo o sentido. Era a altura certa.

Quão detalhado é o protocolo familiar?

Está tudo previsto até ao mais comezinho dos pormenores, como o plafond para a compra de carros ou remunerações p.ex.. Quando uma empresa familiar atinge uma determinada dimensão e com o passar do tempo surgem netos, sobrinhos, primos, noras ou genros, torna-se importante gerir essa teia de relações.

A sucessão está regulamentada … 

Em todos os seus aspetos. Por exemplo, os filhos dos accionistas só podem trabalhar na empresa depois de ganharem competências fazendo carreira profissional fora durante um período mínimo de cinco anos. Só se estiverem previamente expostos ao mundo é que vão poder aportar valor à Pedrosa – e não serem olhados apenas como o “filho do patrão”.

O Futuro é a Automação?
A fábrica do futuro vai operar com base em robótica e software, mas as pessoas serão a alma e o coração

Aprende-se muito quando se anda fora…

A exposição ao desconforto e a mentalidades diferentes é muito importante. Em Copenhaga, entre outras coisas, aprendi as enormes vantagens de planear para fazer tudo bem, à primeira e de uma vez só. O voluntarismo nem sempre é a melhor opção.

Por onde começou na Pedrosa?

Pelo princípio:-), ou seja pelo armazém, para conhecer as matérias primas. Ao fim de alguns meses já tinha identificado alguns anacronismos nos processos e estava a sugerir soluções. Uma das vantagens de ter uma visão fresca, não contaminada, é essa capacidade descobrir maneiras de fazer melhor com novos processos.

Ou seja, encontrou assim o seu papel na empresa, que é o de identificar problemas, prescrever soluções e implementá-las… 

Ter uma atitude de constante melhoria e a capacidade para enquadrar coisas novas são duas coisas essenciais para nos mantermos competitivos. Felizmente os meus pais souberam criar uma equipa muito flexível, disciplinada e bastante capaz de se adaptar à mudança e isso é um excelente património.

"Temos 150 fornecedores, que estão a um máximo de meia hora daqui. É uma orquestra, Nós somos o maestro"

A crescente automação da indústria vai destruir emprego?

A fábrica do futuro vai operar com base em software e robótica, mas as pessoas serão cada vez mais a alma e o coração. Vai ser sempre preciso saber o que se está a fazer. Só vai ter problemas com a digitalização quem faz apenas trabalho braçal e não quiser aprender a fazer coisas mais interessantes.

É viável a reconversão dos mais velhos?

Temos pessoas com mais de 56 anos que não sabiam onde era a tecla Enter e agora trabalham num computador com muito conforto. Não podemos ter só miúdos a controlar tudo. É preciso experiência. Ou seja, integrar os mais novos e reconverter os mais velhos.

Isso leva tempo … 

É um processo contínuo que não pode ser feito a correr. Para serem bem feitas e absorvidas por toda a gente, estas coisas levam tempo. No desenvolvimento do software, não damos nenhum passo sem o input das equipas que vão trabalhar com ele.

Compensa?

As mudanças funcionam mal sempre que são feitas de cima para baixo exclusivamente. O processo colaborativo é sempre mais eficiente e produtivo. A implementação é muito mais fácil quando as equipas fizeram parte do desenvolvimento dos novos processos.

A que se deve a escassez de costureiras?

Ao lastro cultural de um passado em que ser trolha ou costureira significava estar na base da pirâmide social. A têxtil não foi cuidadosa com os recursos humanos e hoje em dia ainda sofremos as consequências desse estigma.

Injusto?

Completamente injusto. Hoje em dia, uma costureira é uma técnica de produção altamente qualificada, uma profissão que exige uma mão e um tacto que demora anos a atingir.

As raparigas continuam a preferir ser caixas num hiper…

Trata-se apenas de uma questão de status social. A percepção está desajustada em relação à nova realidade. Apesar de uma costureira ganhar mais, ter melhores condições laborais e ter um trabalho mais interessante que uma funcionária de shopping, continuar a ser difícil atrair pessoas novas para a profissão.

Como se pode atacar esse problema?

Um dos caminhos é o de importar mão-de-obra. O outro, que é o que temos vindo a trilhar, consiste em manter no nosso país os centros de conhecimentos e exportar parte da manufactura – uma evolução similar dos italianos, que mantiveram as marcas e o desenvolvimento dos produtos e externalizaram a produção.

Estão satisfeitos com essa experiência?

Fazemos 10% da nossa produção em Marrocos. Cerca de 1,2 milhões de peças/ano. É um rácio razoável. Neste momento, a relação que temos é perfeita. O nosso fornecedor cumpre os prazos e o processo é demonstradamente fiável e controlado por equipas nossas.

A proximidade é o fator decisivo para escolha de Marrocos?

A proximidade geográfica, que garante uma resposta rápida, mas também cultural. Marrocos ainda está vender minutos, como nós fazíamos dantes. É uma cadeia de fornecimento alternativa que nos permite ser competitivos em alguns segmentos. Vendas que não faríamos se não a tivéssemos.

Também subcontratam em Portugal?

O produto é todo desenvolvido em casa, mas mais de metade da produção é feita fora. Toda a cadeia de fornecimento está a um máximo de meia hora de distância da fábrica, É uma orquestra. Nós somos o maestro. O que interessa é acrescentar valor ao cliente e satisfazermos as encomendas sem termos de multiplicar por dez o nosso tamanho.

É uma das vantagens do cluster?

O facto de em Portugal operarmos em cluster é uma solução muito boa, pois agregamos o conhecimento de toda esta gente. É uma das nossas grandes vantagens competitivas.

Quais são as outras?

A rapidez e a qualidade. Somos ágeis e leves. Temos uma das indústrias mais rápidas do mundo, senão mesmo a mais rápida. Os grandes clientes internacionais classificam-nos como um fast lead time supplier. Quando querem bem feito e rápido, vêm a Portugal.

A visão dos seus pais pôs a Pedrosa no pelotão da frente da renovação geracional da ITV? 

Não sei. O que tomo por certo é que são tantas as variáveis a dominar, e é tal a quantidade do conhecimento que é preciso passar, que optamos por um processo lento e gradual.

Em que fase estão?

Há menos pressão nas costas dos pais. Como filtramos muitos problemas, eles estão expostos a menos ocorrências – mas mantêm-se ativos. O meu pai continua a chegar à fábrica às oito horas. Mas se um dia se sentir mais cansado, sabe que pode chegar mais tarde, pois eu já estou cá.

A renovação geracional é uma oportunidade para atenuar o individualismo que é uma principais debilidades da nossa iTV?

Quanto mais trabalharmos em rede, mais longe chegaremos. Claro que é mais simples fazer isso com os fornecedores do que com um par – que me recuso a qualificar como concorrente. Ganharemos todos se partilharmos riscos e benefícios. Claro que na base desse relacionamento tem de haver confiança e comportamentos éticos muito sólidos.

A Pedrosa tem conseguido dar passos no sentido?

Temos parcerias informais com algumas empresas da nossa dimensão, e gostaríamos de ter mais. Sabemos que partilhamos dificuldades e soluções, para evitar o caminho mais longo e doloroso – e seguir sempre pelo mais curto e eficiente.

O negócio está a correr bem?

Desde 2011 que o nosso preço médio tem vindo a crescer sistematicamente, bem como as vendas, que até 2017 aumentaram a um ritmo de dois dígitos, até aos 16 milhões. Este ano o volume de negócios vai recuar ligeiramente.

Porquê?

Devido à estabilização da situação política na Turquia. Os turcos são o nosso principal competidor. Têm boas fábricas e uma ferramenta que não está ao nosso alcance – a desvalorização da moeda.

Como se pode combater isso?

A nossa obrigação é saber dar resposta às mudanças do mercado. Estamos atentos e sabemos que a pressão pelo preço vai ser cada vez maior. Não vai abrandar. Os preços no retalho têm um tecto, o que desencadeia uma pressão contínua a montante na cadeia de fornecimento.

A crescente preocupação com a sustentabilidade ambiental e social não vai diminuir a importância do preço?

O marketing diz isso. E há exemplos positivos. A Everlane só vende online e com uma abordagem radicalmente transparente: mostra onde e como foram fabricados os produtos e dá ao consumidor o poder de escolher a margem com que a quer recompensar. Mas será que a generalidade dos consumidores está disposta a pagar mais para ver respeitados os valores ambientais?

Como se responde à pressão pelo preço?

O desafio é sermos cada vez mais ótimos, fazendo cada vez mais com cada vez menos, eliminando desperdício e aumentando eficiência. É um processo que nunca vai acabar. São esses ganhos de produtividade que nos permitirão permanecer competitivos – isto no modelo de negócio actual. É também importante a procura de mercados que valorizem o que de bom se faz em Portugal.

Que mais vai ser preciso?

Acabar com o individualismo. Como já disse antes: estar cada um a pensar só na sua coutada não é certamente o caminho. Temos de alinhar esforços, competências e compromissos, ao longo de toda a fileira, desde o fornecedor de fio até ao confeccionador, que faz a frente ao mercado e coordena toda a cadeia de valor.

Quais são os pontos fortes da nossa ITV?

Somos muito bons no design, desenvolvimento de produto e serviço. Haver clientes que estão dispostos a pagar um pouco mais pela nossa qualidade deixa-nos com a esperança no futuro. Isto não vai acabar. Vai mudar, mas não vai acabar.

Em que direção vai mudar?

Não sabemos. Temos de nos habituar a viver com a incerteza. As únicas certezas são que a mudança vai acontecer a um ritmo mais intenso e acelerado.

Não conseguem descortinar tendências?

Acredito que estamos a caminhar para uma cada vez maior costumização do produto, para o feito por medida. O que traz novos e interessantes problemas ao nível da logística e do processo produtivo.

Estão preparados para isso?

Somos um atelier industrial. Estarmos vocacionados para o segmento médio/alto obrigou-nos a ser muito flexíveis, a trabalhar com pequenas quantidades, o que exige uma enorme capacidade de gestão de processos.

Que projetos têm em cima da mesa?

Diversificar a oferta, integrando internamente novas competências que intensificarão os processos industriais internos, mantendo naturalmente o modelo de subcontratação, com ganhos operacionais para toda a cadeia. A ideia é sermos mais verticais na área do desenvolvimento de produto.

Já não são só uma empresa de malhas?

Começamos nas malhas circulares. E evoluímos para séries pequenas e uma multiplicidade de clientes, estilos e técnicas, mas sempre nas malhas circulares. Agora estamos a crescer nos tecidos, em novas misturas, e a entrar na engenharia de novos produtos, como o calçado. Mas podemos dizer também que a Pedrosa é uma empresa de serviços considerando o apoio que prestamos aos nossos clientes.

Um grande salto em frente?

Não é um salto, mas um processo que está a ser feito com todas as cautelas. Estamos a testar novas soluções num esforço de contínua adaptação aos sinais que nos chegam do mercado. E abrir o leque de produtos para oferecer aos clientes que temos hoje e aos novos que chegarão amanhã.

É o caminho do crescimento?

Queremos crescer, mas com calma e organicamente. Preferiremos sempre não crescer a por em risco a estabilidade e sustentabilidade da Pedrosa & Rodrigues.

Perfil

39 anos, nasceu em Braga e cresceu em Gilmonde, Barcelos. É o mais velho dos três filhos do casamento da Sabina Pedrosa com o Casimiro Rodrigues, que se tornaram empresários quando ele tinha quatro anos. No final do secundário, feito na Alcaides Faria, mudou-se para o Porto, onde fez Arquitetura na Lusíada. “Tinha uma clara inclinação para as Artes e Indústrias Criativas. Também gostava da Gestão. Mas como não dava para fazer dois cursos ao mesmo tempo optei pelo que me pareceu mais divertido”, explica. Casado com uma arquitecta, vive em Gaia e tem dois filhos, o João, seis anos, e a Clara, com quatro.

As perguntas de
Isabel Paiva de Sousa
Executive Education Advisor da Porto Business School

Atendendo ao vosso posicionamento global, quais as competências que mais

valoriza na equipa da Pedrosa & Rodrigues?

A nossa equipa é resiliente, empenhada e leal ao compromisso de acrescentar valor a todos os stakeholders. Acreditamos que ser-se bom não é uma questão de dimensão, mas uma questão de performance. Eu diria que a capacidade da equipa em adaptar-se às mudanças que vão sendo impostas – e em muitos casos resultantes de actividades internas – tem sido um factor crítico na performance da empresa.

 

Quais lhe parecem ser os desafios da formação executiva para continuar a

alavancar o futuro promissor desta indústria?

Hoje o conhecimento capta-se de variadíssimas formas e canais. A formação executiva é um deles e na minha opinião pessoal, trata-se de formação essencial – tal como vamos ao médico a vida toda, temos também de ir à escola. Compete às escolas saber adaptar programas e conteúdos relevantes e ajustados à indústria e compete à indústria saber aproveitar o que as escolas têm para dar: conhecimento testado e estruturado, bem como networking.

Paulo Vaz
Diretor geral da ATP

Quais os elementos diferenciadores que permitiram à Pedrosa & Rodrigues alcançar a reputação de empresa modelo no domínio do private label?

Oferecemos standards muito elevados ao nível da qualidade e serviço. Adequamos os processos ao que o cliente espera de nós, ou seja, operamos de acordo com o que é útil ao cliente e não necessariamente ao que nos é mais cómodo. Somos um bom hub de conhecimento e estabelecemos as nossas credenciais de confiança e credibilidade ao apostar em relações de longo prazo com trabalhadores, fornecedores e clientes.

O que estão a fazer para combater a falta de recursos humanos qualificados?

Temos em Marrocos um canal alternativo de fornecimento. E procuramos apresentar uma imagem mais atraente aos olhos dos jovens. Pagamos a creche das crianças, temos um salão de jogos, refeitório e ginásio. As pessoas são o coração da empresa e a variável mais difícil de encontrar. Estas devem ser o centro da empresa e ter as melhores condições possíveis durante o tempo que passam connosco.

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