Luís Castro Henriques
“Queremos clientes com resultados positivos”
T33 Junho 18

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“Temos de expandir rapidamente a base das empresas exportadoras. É muito importante que as exportações cresçam 2,5% acima do PIB“, afirma Luís Castro Henriques, presidente da AICEP e um homem pragmático: “Sou presidente de uma agência pública. Política não é comigo. Trabalho com o que existe”.

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omo é que correu o seu primeiro ano na presidência da AICEP?

Tal e qual como eu esperava. O plano estratégico foi aceite, aprovado e a sua execução está em curso. Está tudo em dia, de acordo com as expectativas. A nossa operação está a correr muito bem.

O que o deixa mais orgulhoso?

Os excelentes resultados do nosso trabalho na área da captação de investimento. No ano passado, atingimos o valor máximo desde o período pré-crise. E dos 2,4 mil milhões que estão em pipeline, pela primeira vez mais de 70% correspondem a investimento direto estrangeiro (IDE). Orgulho-me muito destes números.

A conjuntura mudou …

Cheguei à agência 15 dias depois da saída da troika. A imagem negativa da intervenção ainda estava fresca. Era preciso mudá-la e voltar a por Portugal no radar dos investidores. Em 2015 fiz um roadshow por 21 países onde nunca se tinha ponderado investir no nosso país. Os resultados deste esforço já começaram a aparecer.

A saída do rating lixo e a notoriedade do país foram ajudas preciosas?

A inversão no rating, no ano passado, foi um fator favorável que estamos a conseguir capitalizar. Já a notoriedade é importante, mas não suficiente.

Porquê?

Os japoneses aprendem logo na 1ª classe a data da chegada dos portugueses. Mas isso é História. Para não pensarem que ainda vamos para lá de caravela:-), temos de demonstrar que somos um país tecnologicamente avançado, sofisticado e competitivo. Não é por acaso que a nossa têxtil vende cada vez mais para o Japão…

Alguma coisa de que se arrependa? 

Não estou a ver alguma decisão que tenha corrido mal.

O que mais o surpreendeu?   

A enorme capacidade das empresas, de diferentes setores ditos tradicionais, como a têxtil e vestuário ou calçado, em reagirem à crise no mercado interno passando a apostar na exportação. Uma tendência virtuosa que nos coloca um novo desafio.

Crescimento
O importante é que as exportações cresçam 2,5% acima do PIB

Qual? 

Apoiar esta rota positiva de mudança e transformação, ajudando as empresas que exportam apenas de uma forma esporádica a fazerem-no de forma sistemática e recorrente. A eficiência com que a têxtil está a trabalhar neste capítulo é um bom exemplo a seguir.

O orçamento da AICEP sofreu um corte de mais de 20% Em 2010 era de 50 milhões, agora está nos 39. O dinheiro chega? 

Não podemos ser autistas. Há um esforço colectivo de contenção da despesa pública, em que a AICEP não podia deixar de participar. As necessidades orçamentais que temos para cumprir o nosso plano já estão identificadas – andam à volta de um reforço de cerca de três milhões de euros/ano.

Precisa de mais gente para cumprir a sua missão? Ou os 450 colaboradores que tem são suficientes?

Precisamos de mais 31 pessoas para fazermos tudo o que consta do nosso plano de estratégico até 2020.

Em metade do tempo, já demos tantos apoios como durante todo o QREN

Há mais trabalho?

Muito mais. E nalgumas áreas com mais premência, como, em particular, no processamento dos apoios à internacionalização. Em média recebemos o triplo das candidaturas do que durante o QREN.

É um bom sinal …

É sinal de que há cada vez mais empresas jovens, criadas já com a ideia de vender lá fora – born global – e por isso com grande capacidade exportadora.

Ou seja, está tudo a correr bem? 

O balanço global é bastante positivo. Com o atual pipeline angariado até 2017, iremos conceder tantos apoios como durante todo o QREN, só que em metade do tempo. É uma boa notícia para o país verificar que tem um tecido produtivo cada vez mais orientado à exportação e exigente em termos de recursos humanos.

Já estancou a sangria de quadros?

Durante a crise perdemos muitos jovens altamente qualificados. As exportações foram fundamentais para sairmos da recessão. Espero que este novo fôlego da nossa economia não só retenha os quadros que temos mas também contribua para que voltem alguns dos que partiram.       

A meta das exportações valerem 50% do PIB em 2025 não é demasiado modesta? Num país pequeno essa percentagem não deveria andar nos 60% a 80%?

Em 2009 pesavam apenas 30%… No final de 2017 já estavam nos 43%. Agora temos de nos focar num objetivo mobilizador ao alcance da capacidade instalada do país. Quando atingirmos essa meta, veremos como chegar aos 70%. O importante é que as exportações cresçam sistematicamente 2,5% mais depressa que o PIB.

Fez sentido a fusão, em 2007, do ICEP com a API?

Tem toda a lógica reunir na mesma agência as tarefas de captar investimento e fomentar as exportações. Trata-se de acompanhar todo o ciclo de vida da empresa. Há claras sinergias: as empresas investem para depois exportar.

Preocupam-no as queixas dos empresários sobe os custos de contexto (energia, leis laborais) que afetam a competitividade?

Mau era que não me preocupassem. Tenho de seguir o que as empresas sentem como dificuldades e estar sempre a ver o que é que a agência pode fazer para as ajudar a vencê-las.

E no caso concreto dos custos da energia, a queixa mais recorrente, o que pode a AICEP fazer?

A tecnologia vai evoluindo. Estamos atentos e verificamos que as empresas estão cada vez mais eficientes do ponto de vista energético. Há muitas que investem em equipamentos de cogeração. E há setores que reduzem os custos fixos em energia através de compras em conjunto.

Deduz-se que está otimista…

Estamos a cumprir a nossa missão, que é a de fazer tudo ao nosso alcance para melhorar o ambiente competitivo. Todos temos que perceber de que se trata de um jogo em contínuo, que parar significa andar para trás e por isso temos de estar sempre a melhorar.

A rede internacional da AICEP é satisfatória?

Fisicamente estamos em 50 mercados. Mas cobrimos mais de 65. É uma rede que vai sendo retocada à medida das novas exigências e objetivos. Estamos permanentemente empenhados em melhorar os serviços que prestamos. Além de ter clientes satisfeitos, queremos ter clientes com resultados positivos.

É esse o objectivo?

O grande objetivo é diversificar setores e geografias. E ter uma visão mais global, deixar de pensar em Portugal como um pequeno país periférico na Europa e assumir-nos como nação no centro do mundo atlântico que somos.

A presença da Rússia e Brasil na vossa lista dos 17 mercados prioritários de elevado potencial causou alguma polémica …

Foi uma análise feita há mais de um ano e meio e nem todas as perspectivas se materializaram. É uma lista em atualização. O fundamental é estar sempre a identificar quais os mercados onde somos competitivos e quais as cadeias de valor e compra onde queremos estar.

As 100 maiores empresas valem 42% do total das exportações. Como reduzir essa dependência da Galp, AutoEuropa, TAP …?

Em primeiro lugar, trazendo mais empresas para a exportação. As empresas com perfil exportador aumentaram 38% entre 2010 e 2015. Já são cerca de 23 mil, mas representam apenas 6% das sociedades não financeiras. Temos de expandir rapidamente esta base.

O que estão a fazer para isso?

O nosso plano estratégico é muito ambicioso nesta área. Estamos a Investir um milhão de euros numa nova plataforma digital que vai revolucionar o modo como nos relacionamos com as empresas. É também um novo mecanismo para interagirmos com a sociedade.

Tem objectivos quantificados?

O fundamental é chegar de forma mais fácil a muito mais empresas e focar-nos em atividades de maior valor acrescentado. Neste momento acompanhamos 13 mil empresas. Queremos chegar ao dobro.

E que mais?

Ajudar quem já exporta a ganhar escala, para exportar mais. E estamos a fazer não só com apoios directos às PME mas também a associações empresariais, o que nos permitiu multiplicar a nossa ação. Antes a AICEP fazia cerca de 100 atividades por ano. Hoje apoiamos mais de 700. Este ganho de capilaridade é muito bom para o país.

Também têm planos no âmbito da formação …

Com universidades e business schools, estamos a desenvolver programas transversais de formação avançada na área da internacionalização à medida de cada empresa. O primeiro programa da Academia Internacionalizar, desenhado em colaboração com o INDEG-ISCTE, arrancou agora em maio.

No início do século, o pensamento dominante já tinha passado certidão de óbito à têxtil …

Há 17 anos não era óbvio que algumas indústrias fossem capazes de aguentar o choque da adesão da China à OMC. Por mérito dos empresários e suas associações, setores como a têxtil e o calçado souberam adaptar-se à mudança de paradigma. A AICEP orgulha-se do contributo relevante que deu para que isso acontecesse.

A ressurreição da ITV não o surpreendeu?

Na AICEP estamos alinhados na estratégia de crescimento dos nossos clusters industriais. A extraordinária capacidade de reinvenção de setores como o têxtil e o calçado foram um fenómeno muito interessante.

Ou seja, acha que os setores tradicionais têm futuro …

Quem é que falou em setores tradicionais? A nossa indústria de têxtil e de vestuário é uma das mais sofisticadas do mundo, está bem equipada, produz com muita qualidade e progrediu imenso na área do design. Pelo que vejo nas feiras, concorremos com o melhor que se faz no mundo, não temos de ter medo de nada.

O Made in Portugal já é um bom cartão de visita?

Devemos estar orgulhosos disso. Já ninguém discute a qualidade dos nossos produtos. E o mundo começa a perceber que na criatividade e design, estamos ao nível do que de melhor se faz em todo o mundo.

O estreito conceito de PME impede muitas empresas de receber apoios à internacionalização. Não acha que devia ser mudado?

Estou de acordo em absoluto. Esse conceito pode e deve ser melhorado. Desejo que venha a ser revisto a nível europeu.

A reindustrialização é necessária? O que é que a AICEP pode fazer por ela?

É importante para o país ter uma indústria competitiva e diversificada – cada setor tem diferentes ciclos e a variedade reduz o risco de uma crise generalizada. Mas a AICEP não é prescritora. Quem percebe disso são os empresários. O que interessa à agência são bons projetos com impacto na economia.

O Brexit preocupa-o?

É uma inevitabilidade com que temos de lidar. Ainda não somos capazes de avaliar com rigor o impacto que vai ter nas exportações. Mas mais tarde ou mais cedo as coisas vão ficar claras. No entretanto temos de estar preparados para diversificar e encontrar alternativas em mercados que se estão abrir, como o do Canadá.

E a excessiva dependência de Espanha? 

Não é uma preocupação imediata. O ponto fundamental é diversificar. Num mundo marcado pela incerteza, não há receitas de sucesso que sejam óbvias. Há gestão de risco.

Tem em cima da mesa mais alguma medida a curto prazo para melhorar os serviços da agência? 

Vamos criar um Conselho Consultivo, que reunirá duas vezes por ano e será uma ferramenta para escutar as empresas e as associações – um fórum onde partilharemos o que planeamos fazer. Não conseguimos melhorar se não ouvirmos os clientes.

Perfil

40 anos, licenciado em Economia (Católica, 2002), mestre pela Universidade de Cambridge (2008), fez o MBA no INSEAD (2009). Dos oito aos 18 anos viveu em Bruxelas. O pai, Luís Henriques, foi um dos primeiros funcionários portugueses da CEE e a mãe deu aulas de Português na Escola Europeia. Professor de Economia na Católica, foi consultor da McKinsey e passou pelos bastidores da governação – trabalhou com Rosário Águas, na Secretaria de Estado da Habitação, e com Álvaro Barreto, no Ministério de Economia – antes de passar para a gestão, primeiro na EDP Inovação e depois na AICEP, onde foi vogal da administração entre 2014 e 15 de abril de 2017, data em que ascendeu à presidência, substituindo Miguel Frasquilho, seu amigo e ex-professor.

As perguntas de
Paulo Melo
Presidente da ATP

Que opinião tem da colaboração do setor têxtil com a AICEP?

Muito positiva. No QREN, em parceria com a Selectiva Moda, apoiamos um investimento de 32,5 milhões de euros na internacionalização das empresas. No Portugal 2020 temos 20 milhões já aprovados, em boa execução. Espero que as coisas continuem assim, a grande velocidade. E está à vista, nos números das exportações, que esta colaboração tem trazido bons resultados para o país.

 Alguma vez pensou que a evolução do setor fosse tão positiva?

Há dez anos já estava confiante que a têxtil seria capaz de dar a volta e seguir em frente. Já adivinhava o que veio a acontecer. E tenho a certeza que a vossa indústria continuará a contribuir para que Portugal seja internacionalmente considerado um bom destino de negócios – e também para aumentar e diversificar a base exportadora do país.

José Robalo
Presidente da ANIL

Não lhe parece que a AICEP devia ser mais interventora no esforço de diplomacia económica na rede de embaixadas, por forma a apoiar mais e melhor as empresas?

A integração da AICEP e do Turismo nas equipas das embaixadas foi um movimento muito positivo. A co-localização é muito importante porque permite uma crescente sincronização de esforços e, assim, aumentar a eficácia da nossa rede externa. Mas é claro que se pode fazer sempre mais e melhor…

O que pensa fazer para melhorar a difusão nas empresas de informações sobre os serviços disponíveis de apoio às exportadoras?

Investimos numa nova plataforma digital que garante uma maior e melhor coordenação com as associações e as empresas – e permitirá partilhar, em larga escala e de forma segmentada, toda a informação que temos e o que queremos.

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