José Pinheiro
“Nos têxteis lar somos o maior e melhor produtor europeu”
T28 Janeiro 2018

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Nascido em 1955, José Pinheiro preparava-se para estudar Economia, na Universidade de Coimbra, quando os calores do Verão Quente de 1975 o levaram a mudar de ideias - e acabou por ser chamado para fazer a recruta na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém. Acabada a tropa regressou a Vizela, onde jovem, ambicioso e a falar línguas, liderou a constituição da Mundotêxtil. “Exportar era uma necessidade, pois tínhamos acabado de perder os mercados das ex-colónias africanas”, explica o empresário.

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crise que se seguiu à adesão dos asiáticos à OMC foi a pior que teve de enfrentar?

Ando nisto há 42 anos. Já passei por tudo. Tal como a Fénix, a têxtil portuguesa já morreu e renasceu várias vezes :-). Quando comecei, o setor exportava o equivalente a 71 milhões de euros. Hoje são mais de cinco mil milhões. Nos têxteis lar eram 10 milhões. Hoje são 700 milhões. A minha geração soube sempre ultrapassar os obstáculos e dificuldades.

Mas qual foi o momento mais duro?
Aguentar as crises internacionais e as nossas foi sempre uma questão de tempo e trabalho para lhes dar a volta. O que mais me preocupou e doeu foi a campanha de destruição de imagem da têxtil portuguesa levada a cabo a partir dos anos 90 por sucessivos governos que revelaram terem vistas muito curtas.

Foi muito prejudicial?
Além de ser tremendamente injusta, depois do que a têxtil tinha feito pelo país, como principal indústria exportadora e angariadora de divisas – em 1994, 22 das 100 maiores exportadoras eram têxteis – , essa campanha deu cabo da nossa reputação, lançando sobre a ITV um estigma que ainda estamos a pagar.

Há ainda muitos estragos a reparar?
Devido a essa infame campanha de destruição de imagem, em que vaticinavam a morte da têxtil, ainda temos uma enorme dificuldade em captar quadros e jovens talentos, apesar de hoje já ser claro aos olhos de todos que a nossa indústria está bem, recomenda-se e tem futuro.

Como estão a resolver esse problema?
A escassez de engenheiros têxteis estamos a resolvê-la contratando engenheiros eletrotécnicos, químicos ou de outras especialidades e reconvertendo-os através de uma formação interna intensiva. Estamos a substituir-nos ao Estado, colmatando as lacunas do sistema de ensino.

São grandes as lacunas?
Não faz sentido que não haja um único curso têxtil nos Politécnicos – e haja apenas uma Universidade com um curso de Engenharia Têxtil. Como agravante, em vez de todos os empresários unirem forças para convencerem o Estado a mudar este estado de coisas, ainda há gente desprovida de ética que não se inibe de tentar ir buscar quadros formados internamente pelos seus concorrentes…

José Pinheiro
"Para a ITV ter futuro é preciso substituir a geração analógica pela digital"

Apesar de tudo, a ITV está de boa saúde…
Nos têxteis lar, a nível Europeu somos o maior e melhor produtor e uma referência a nível mundial. E numa indústria como esta, de capital intensivo, também temos o maior e melhor parque industrial.

A conjuntura tem dado uma ajuda…
A conjuntura internacional tem jogado a nosso favor. A proximidade é cada vez mais importante. No caso dos felpos, os custos de distribuição são enormes – o transporte e o armazenamento pesam entre 5 a 10% no preço final. Mas, no essencial, o bom momento do setor deve-se à resiliência de toda uma geração de empresários têxteis.

O que deve ser feito para prolongar este bom momento?
Temos em cima da mesa um duplo desafio. O primeiro é o de consolidar esta situação de liderança, que permite a um pequeno país como o nosso estar no top five dos maiores exportadores mundiais de têxteis lar – nas colchas somos o quarto maior, nos felpos o quinto. Na Mundotêxtil, somos responsáveis por 20% das exportações portuguesas do nosso subsetor.

"Estamos a substituir-nos ao Estado, colmatando as lacunas do sistema de ensino"

E como se consegue essa consolidação?
Como trabalhamos numa indústria de ponta, não podemos ter o pé no travão. Não podemos nunca parar de investir em equipamento, inovação, design e internacionalização. A necessidade de estarmos sempre a adaptar-nos à mudança leva-nos ao segundo grande desafio: o da renovação geracional.

Que já está em curso na Mundotêxtil…
Para a nossa indústria ter futuro é obrigatório fazer, a todos os níveis, da base ao topo, a substituição da geração analógica pela digital. Fizemos recentemente um levantamento e na Mundotêxtil, num total de 590 pessoas, temos 41 com mais de 60 anos.

É a hora do render da guarda, também ao nível da gestão da empresa?
Na área comercial sou um self made man. Aprendi com o meu pai os segredos da indústria. Tenho muito orgulho pelo contributo que eu e a minha geração demos à ITV e ao nosso país. Mas em devido tempo percebi que era preciso começar a fazer uma transição suave para a terceira geração.

O que fez?
Em 2012 reuni o conselho de família e analisamos as diversas possibilidades sobre o futuro da Mundotêxtil. Concluímos que ela se devia manter na família e iniciamos a elaboração de um plano de negócios a dez anos, preparando a empresa para o futuro. Um dos objetivos fixados é que em 2020 toda a equipa de gestão tenha menos de 40 anos.

Está a meio da execução do plano. Tem corrido como esperado?
Bem acima das expectativas. Nos últimos cinco anos temos investido em equipamentos à razão de três milhões de euros/ano. A fábrica está atualizada, com um parque de máquinas moderno, capaz de ser muito flexível e que nos permite ser muito competitivos na produção de séries mais pequenas.

E agora?
Concluída este ano a renovação do equipamento, vamos concentrar-nos na consolidação da nova equipa de gestão e o esforço de investimento vai concentrar-se noutras áreas nucleares, como o design, inovação, serviço, internacionalização e distribuição.

Qual é o objectivo?
Sermos lideres mundiais em inovação e qualidade. A quantidade já há muito deixou de ser o nosso campeonato. Trabalhamos em parceria com as grandes marcas mundiais, oferecendo-lhes um serviço de valor acrescentado que não encontram em mais lado nenhum: rapidez de resposta, produtos certificados, inovadores, de grande qualidade e armazenados e entregues a horas.

Qual é o peso do private label no vosso volume de negócios?
As grandes marcas mundiais valem cerca de metade da nossa faturação. Os restantes 50% dividem-se entre marcas próprias e as vendas para pequenos retalhistas.

Está satisfeito com essa proporção?
Sim. As parcerias com as grandes marcas, com a quais mantemos contratos de fornecimento que duram entre quatro a cinco anos, garantem-nos estabilidade. As vendas com marca própria, para pequenos retalhistas ou no e.commerce, libertam margens maiores.

A panóplia de marcas próprias – Bianca (EUA), Blank (Alemanha), Risart (Espanha)… – é para manter ou vão apostar numa só marca global?
O investimento na construção de uma marca global é muito grande. A ideia é continuar a trabalhar com as marcas locais, estudando cada mercado caso a caso. Há, por exemplo, países em que usamos a marca Portugal.

Admite criar mais marcas locais?
Tudo depende. Sem dúvida que o faremos se a criação de uma marca própria se revelar fundamental para alicerçar a nossa presença num país. E é frequente recebermos solicitações nesse sentido, vindas de locais tão diversos como a Coreia do Sul ou países árabes…

Apesar de exportarem 95% da produção, a internacionalização continua a ser uma das vossas apostas estratégicas. Porquê?
Há muita gente que confunde internacionalização com vendas para o exterior. Estão errados. A internacionalização é um processo complicado que implica um grande investimento comercial, em tempo e dinheiro. É por isso que eu sempre fui adepto de parcerias para diluir os custos da presença num mercado…

Vendem para 46 países. A que se deve o esforço de ampliar a geografia das exportações?
À medida que vamos subindo na cadeia de valor os nossos mercados tradicionais ficam mais estreitos. O que nos obriga a investir na descoberta de novos nichos em países mais longínquos, atenuando a dependência de mercados maduros como os da Europa e EUA.

Esse esforço tem dado resultados?
Temos ganho novos mercados onde é tudo valor acrescentado, como o Japão, Coreia do Sul, Austrália e África do Sul, países onde já vendemos mais de quatro milhões de euros, o que é muito importante, porque para ser bem sucedida a internacionalização exige um mínimo de massa crítica.

Na Alemanha têm um rede de uma dúzia de lojas. A presença no retalho é importante?
A Alemanha é um caso excepcional, em que tivemos de assumir uma posição no retalho na sequência das dificuldades de um nosso cliente. Como grandes produtores que somos, não penso que devamos ter uma grande presença no retalho. Além disso, a tendência é no sentido das lojas físicas serem substituídas pelas virtuais.

Crescer nas vendas online é uma aposta estratégica?
É. E temos objetivos quantificados. Em cinco anos esperamos estar a fazer 10% do nosso volume de negócios no e.commerce.

A Mundotêxtil participa, com a Crispim Abreu e a Mundifios, numa inédita parceria agro-industrial em Moçambique. Qual foi a ideia?
O sonho de qualquer industrial é controlar a fonte da matéria-prima. O projeto da Mozambique Cotton Manufacturers (MCM), que está em curso, contempla um investimento de 50 milhões de US dólares na construção de um grupo vertical moçambicano de têxteis lar.

Em que fase estão?
Temos, em Xai-Xai uma fábrica de descaroçamento e uma plantação de algodão, em Marracuene, nos arredores do Maputo, está a funcionar há mais de três anos a fiação, que é já uma das melhores da África subsariana e exporta 100% da sua produção, empregando cerca de 250 pessoas.

A componente emocional pesou muito na decisão de criar a MCM?
Não pesou nada. Tratou-se de uma decisão 100% racional. A África vai ser o mercado com maior crescimento mundial na têxtil. Dentro de 15 anos vai ter mais população do que a Índia. A industrialização do continente é um dos grandes desígnios da comunidade internacional, com o objetivo de fixar as populações e dar-lhes meios para terem melhores condições de vida.

A decisão de investir na MCM acompanha esse movimento?
Não só, mas também. O que está na moda é tudo quanto é orgânico e biológico. A Mundotêxtil tem todas as certificações ambientais fundamentais, como a GOTS, CMIA e a BCI. Tudo quanto gastamos é certificado. Em Moçambique estamos a produzir algodão biologicamente certificado.

Isso é muito importante?
Cerca de 90% do algodão que existe em todo o mundo é geneticamente modificado. Num mundo em que os consumidores estão cada vez mais preocupados com o futuro do planeta, é estratégico produzir algodão biológico, devidamente certificado.

Trata-se, pois, de uma estratégia comercial…
As grandes marcas internacionais que são nossas parceiras encorajaram-nos a ir para Moçambique, pois precisam de oferecer aos seus clientes felpos com a garantia de terem sido produzidos com algodão orgânico e biológico, pedindo que controlemos toda a certificação e a cadeia de valor. Acresce que o CMIA (Cotton Made in Africa) é uma mais valia comercial.

As coisas estão a correr bem?
Estamos muito satisfeitos com a maneira como o projeto está a correr. Sentimos que fizemos a coisa certa da forma certa, antecipando-nos um bocado no tempo. Chegou a hora de África – no primeiro semestre de 2017, por exemplo, a Etiópia recebeu um investimento na têxtil superior a 1,2 mil milhões de US dólares .

Perfil

62 anos, nasceu e cresceu em Vizela, filho de Domingos, que debutara na têxtil como operário antes de se estabelecer com uma pequena indústria de fios, que foi a pré-história da maior empresa produtora de felpos da Europa. Sócio nº 1 da Casa do Benfica de Vizela, José tem duas filhas, fruto do casamento com uma professora primária –  Ana, 36 anos, licenciada em Direito e ex-advogada, e Helena, 32 anos, licenciada em Economia e Gestão -, que há meia dúzia de anos trabalham com ele na Mundotêxtil, protagonizando uma planeada operação de transição suave de geração no comando desta têxtil lar

As perguntas de
Ana Vaz Pinheiro
Administradora da Mundotêxtil (comercial e marketing)

Como vês a Mundotextil em 2030?
No mesmo sítio onde a vejo hoje. Líder do setor, com uma equipa de gestão jovem, dinâmica e preparada para os desafios de então.

Quais foram as principais dificuldades na sucessão familiar na nossa empresa?
Tive sem dúvida maiores boas surpresas do que dificuldades. A cada dificuldade surgiu sempre uma solução melhor que a anterior.

Helena Vaz Pinheiro
Administradora da Mundotêxtil (produção e controlo de gestão)

Quais serão os principais desafios da Mundotextil nos próximos anos?
O maior será sem dúvida a consolidação da equipa de gestão.

É mais difícil ser empresário têxtil agora ou quando há 40 anos arrancaste com a Mundotêxtil?
Diria que para as mesmas circunstâncias a nova geração está muito melhor preparada que a minha. Na minha geração bastava ser Industrial. Hoje é necessário controlar todas as ferramentas de gestão.

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