José Armindo Ferraz
"QUERO
ATINGIR OS 15 MILHÕES DE EUROS
EM 2022"
T56 - Setembro 2020

António Freitas de Sousa

Foi a partir da presença nas feiras internacionais que a Inarbel atingiu a dimensão exportadora, responsável pela maioria das receitas anuais. Depois do período de confinamento radical dos últimos meses, José Armindo Ferraz está impaciente para regressar ‘à estrada’

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s feiras estão a regressar, tem viagem prevista para Dusseldorf, para a feira Médica. É importante regressar?

Obviamente que sim, as feiras são extremamente importantes para o desenvolvimento de qualquer empresa. Aliás, o desenvolvimento das minhas áreas de negócio dá-se com o exterior. No início, as atividades estavam muito centradas no mercado interno: há 25, 30 anos, os clientes vinham do estrangeiro e deixavam aqui as encomendas, enchendo as empresas de trabalho. Os empresários habituaram-se a estar em casa. Quando iniciei a minha atividade profissional no setor têxtil, achei que a empresa se devia voltar para o exterior – era aí que iria ser o nosso sucesso. Tínhamos na altura cerca de 60 pessoas e hoje temos 240 porque as feiras nos fizeram crescer.

Foi aí que se deu o desenvolvimento do negócio?

Criámos novas áreas de negócio, chegámos a novos clientes de valor acrescentado e diversificámos: na altura, um ou dois clientes tomavam a produção de um ano inteiro, o que era um grande risco. A minha visão do negócio é ter muitos clientes, em vários países.

Daí a importância das feiras?

São fundamentais. Mas atenção, os empresários não podem pensar que vão a uma feira uma vez e que o negócio está feito. Tem de haver persistência: os clientes gostam de ver uma empresa, uma marca, mais que uma vez. Uma vez, toma-se contacto, à segundo entra-se no stand, à terceira toca no produto, à quarta já é capaz de se sentar a falar comigo.

Se falhar um ano, isso pode ser a evidencia de uma falência?

Se falhar um ano, o mercado pode pensar que foi um ‘paraquedista’ que aterrou ali e desapareceu. E muitos outros aparecem. Estou com saudades das feiras internacionais, até porque sou alguém que gosta de ouvir muitas ideias, de tomar conhecimento, de comunicar – de diferentes religiões, de diferentes áreas políticas, com quem se aprende todos os dias. As feiras estão a fazer-me falta porque é essa experiência que me faz falta. A comunicação, o contacto com os clientes que já não vejo há um ano, é fundamental. Claro que falo com eles por outras vias, mas não é a mesma coisa: o contacto pessoal faz toda a diferença, a relação fica muito mais forte.

Dois passos à frente
“Desde janeiro que andava a ponderar avançar para a produção na área médica”

É a primeira vez que vai a uma feira médica, a Medica Trade Fair, a maior feira do sector (de 16 a 19 de novembro), em Dusseldorf, dado que é uma nova área de negócio da Inarbel.

Sim, Dusseldorf vai ser uma experiência que me faz recordar o que fiz há 20 anos, quando fiz a primeira feira com aquela que era na altura uma marca nova, a Dr. Kid. Tenho agora um projeto novo, que me alicia muito e que é também um desafio muito interessante.

Um desafio que começou como uma resposta à pandemia de Covid-19.

Exatamente, tudo começou aí. A pandemia foi algo que ninguém esperava e não podia antecipar há um ano atrás que nesta altura estivesse a produzir produtos hospitalares, certificados no CITEVE, no Infarmed e noutras entidades certificadoras como o ITEX espanhol. Dusseldorf é por isso um desafio e eu gosto de desafios – vou para lá com uma grande ambição. E se vou é porque acredito nas pessoas que trabalham comigo, na empresa, nos produtos e no negócio que vou fazer. Pode não ser agora, será para o ano: fico com feedback, com contactos, para poder trabalhar. É uma nova área para nós, mas na qual já produzimos para Portugal, Espanha e França. Isto é, já estamos no mercado, já sabemos o que queremos. Temos um portefólio de produtos para apresentar em Dusseldorf. Vou para ganhar.

"Quando iniciei a minha atividade profissional no setor têxtil, achei que a empresa se devia voltar para o exterior. Tínhamos na altura cerca de 60 pessoas e hoje temos 240 porque as feiras nos fizeram crescer"

Uma nova área de negócio que leva meio ano de vida. Quanto teve de investir?

Na fase de transição de uma coleção para a outra, entreguei a produção para a primavera/verão e ia iniciar a produção de inverno e começou a haver uma quebra nas encomendas. Em março tudo se precipitou – e então decidi dar aos colaboradores uma semana de férias, mas não foi suficiente. Desde janeiro que andava a ponderar avançar para a produção na área médica. Comecei a ficar preocupado – passei a trabalhar ’26 horas por dia’. Tive de mandar cerca de 40 colaboradores para lay-off parcial e outras 47 foram para casa tomar conta dos filhos quando as escolas fecharam. Uma situação que se teria de arrastar por dois, três meses e que em princípio iria afetar todos os trabalhadores da fábrica. Tinha que dar a volta a isto, tinha que me focar na solução e não no problema. Foi nessa altura que me apareceu este ‘negócio da Covid’. Aliei-me a um agente que tenho no País Basco e começámos a planear logo em fevereiro: do País Basco disseram-me que havia ali (bem antes de em Portugal) uma grande dificuldade: o frenecimento de produtos hospitalares, que nessa altura chegavam da Ásia e que eram uma autêntica porcaria. Percebi que estava ali a nossa saída. Recorri a contactos a nível nacional – fui diretor da ATP durante 12 anos e tenho muitos contactos – fiz amostras, fiz os primeiros protótipose enviei para o País Basco. De onde me disseram: “é mesmo isto que nós queremos”. Passei a trabalhar diretamente com o Estado espanhol, com as comunidades da Andaluzia, do País Basco, da Catalunha.

A primeira produção foi toda para Espanha.

Toda. Acabei de imediato com o lay-off em abril: encomendaram-me 200 mil peças, atrás destas vieram mais encomendas e em pouco tempo estávamos a trabalhar a 100%. Posso dizer que o passado mês de maio foi o mês em que a Inarbel mais faturou desde que existe – teoricamente um mês fraco. Por outr lado, dei trabalho a muitas micro-empresas na regiao, tantas delas à espera de encomendas da Inditex, que tinha bloqueado todos os pedidos. Nesse intervalo de tempo apareceram as medidas Portugal 2020 Covid e surgiu a ideia de o utilizar. Tivemos que fazer um projeto em 60 dias para usufruir de um apoio que se afigurava muito interessante: 80% a fundo perdido, com uma majoração de mais 15% se cumprisse todos os requesitos. Fizemos o projeto numa semana, a trabalhar de dia e de noite. O projeto da Inarbel foi dos primeiros a entrar no IAPMEI e foi o primeiro a acabar – está agora a ser analisado. Consegui fazer um projeto de cerca de 400 mil euros no espaço de um mês e 20 dias, com a aquisição de máquinas e sem nunca ter parado de trabalhar. Já recebi 50% dos 80%, já pedi os restantes 50%, depois virá a majoração.

Arrisca-se a fechar 2020 com um volume de negócios maior que 2019?

Não seria tão otimista. O problema que afetou as áreas tradiconais do negócio ainda não acabou – ainda poderá tornar-se mais grave. A produção de roupa ainda não está a trabalhar sequer a 60%. A produção para 2021 ainda não voltou ao que se verificava em 2019. A retoma é lenta – daí a necessidade de termos esta nova área de negócio, que tem de ser fortalecida, porque permite equilibrar a empresa. Se faturar a mesma ordem de grandeza do ano passado, entre os 8 e 10 milhões de euros, dou-me por satisfeito. Daqui a dois ou três anos, quando tudo melhorar, quero chegar a outro patamar…

Que será de?

Com a marca que criámos para o universo médico, a Skylab, que estamos a ‘bater’ em Portugal e em tantos outros lugares, com a feira de Dusseldorf, a minha ambição é atingir os 15 milhões de euros em 2022.

Não em 2021?

O ano de 2021 vai ser muito complicado.

A Inarbel tinha três áreas de negócio até agora: as marcas Dr. Kid e A.J. e o private label. Agora terá mais uma, a Skylab. Quanto pesava cada uma no volume de negócios e como será a nova repartição daqui para a frente?

Até agora, o private label pesava 60%, as nossas marcas pesavam 40%. O private label deverá ir para os 30% ou 35%, as marcas próprias para os 30%; dá 65%, com o restante a ter a ver com a Skylab. Vamos estar muito perto dos 15 milhões em 2022.

Quando é que a empresa foi criada?

É uma empresa familiar criada em 1984 pelos meus pais. Cheguei à empresa há 20 anos, numa altura em que tinha 70 trabalhadores, com um volume de negócios que andaria no milhão de euros, tudo vindo do private label. Os meus pais criaram a marca A.J. para o mercado nacional, depois eu criei a Dr. Kid, que foi lançada nos Estados Unidos – uma vez que eu queria trazer a marca de fora para dentro; na altura, o que vinha de fora é que era bom. Nos últimos 15 a 20 anos, a indústria têxtil deu uma volta de 180 graus.

De algum modo, era já o exterior que importava.

Era importante expormo-nos ao mundo, nas feiras – faço-as todas com a Selectiva Moda, que tem uma excelente organização que, com a ATP, tem de levar um louvor da parte dos empresários que se internacionalizaram.

Quanto pesam as exportações no volume de negócios?

Pesam 90%, exportamos para 24 países: Espanha, França, Inglaterra, Escócia, Alemanha, Itália, Áustria, Bélgica, Suíça, Dinamarca, Grécia, Ucrânia, Rússia, Emirados Árabes Unidos, China, Estados Unidos, México, Colômbia, Porto Rico, República Dominicana…

Algum desses mercados está já a reabrir as portas?

O mercado mais complicado neste momento é o norte-americano e o sul-americano. Na Europa noto que Espanha, Itália e Inglaterra estão já a abrir.

Como acha que foi a resposta do Estado à pandemia?

Está, e muito bem, a apostar na indústria transformadora. Sem essa ajuda seria com certeza muito mais difícil. O lay-off, as ajudas ao investimento, foram muito benéficas. Agora, eu pergunto: com a qualidade do que aqui se produz, faz sentido continuar a comprar no estrangeiro, faz sentido gastar 250 milhões de euros em material para o setor médico vindo da Ásia? Até porque nós temos outras precupações: a economia circular. É preciso dar trabalho às empresas portuguesas, a todos os setores transformadores.

Mas o Governo não podia ter ido mais longe?

Acho que devia ter ido mais longe. Desde logo o lay-off simplificado que, como até o disse o Presidente da República, devia manter-se até ao final do ano. Há uma altura que será muito importante: o pós-férias, altura em que se devia começar a produção primavera-verão para 2021. As empresas não vão ter trabalho para toda a gente. Espero que o grande financiamento que vem da União Europeia seja bem utilizado.

Em quê?

Nas empresas de bens transacionáveis que geram emprego. Mas tenho medo que esse dinbeiro seja mal utilizado. Tenho medo da TAP, da banca. O nosso dinheiro, que pode ser usado para gerar emprego, deve ser alvo de um grande controlo.

Acredita que, depois de passada a pandemia, a indústria de bens transacionáveis continuará a ser o foco europeu, ou a memória é curta e voltará tudo a optar pelos baixos preços asiáticos?

É uma pergunta difícil de responder, mas ao mesmo tempo muito fácil: as pessoas querem o que é nosso. A União Europeia devia seguir este ensinamento: comprem o que é europeu. Somos os melhores a produzir, temos tudo o que é bom. Este vírus veio trazer muitas reticências ao que vem da Ásia.

Perfil

Quando há cerca de 20 anos chegou à Inarbel, José Armindo Ferraz introduziu uma pequena revolução nos hábitos da empresa: a internacionalização e a diminuição de custos (pela procura de alternativas em diversos segmentos do balanço) passaram a ser motivações centrais de uma produção até aí focada no mercado interno. Falando seis línguas e dando-se mal com intermediações que nada traziam à Inarbel, estabeleceu contactos diretos com fornecedores e em pouco tempo conseguiu matéria prima a preços muito vantajosos, o que permitiu à empresa margens capazes de financiar o crescimento. Em pouco tempo conseguiu triplicar o número de colaboradores e o volume de negócios cresceu exponencialmente. Sendo adepto da ideia de que todos os problemas têm uma solução – por muito que seja necessário exercitar a imaginação – foi essa prática que permitiu à Inarbel encontrar a forma de rodear as terríveis consequências da pandemia de Covid-19. E como “a sorte dá muito trabalho”, a Inarbel tem neste momento uma produção alternativa à tradicional (roupa infantil) que não só permitiu que todos os colaboradores se mantivessem no ativo (depois de uma pequena passagem pelo lay-off de alguns deles), como muito provavelmente fará com que a empresa tenha, a curto prazo, que contratar mais funcionários. E se o ano de 2021 será por certo marcado pelas dificuldades decorrentes da pandemia, o ano seguinte pode ser novamente de assinalável crescimento. A ambição do CEO para isso aponta.

As perguntas de
Paulo Neves
Sócio-gerente da Coltec

Foi difícil quando teve que se reinventar para produzir material técnico e inovador para o sector hospitalar?

Claro que não foi fácil. É sempre difícil, mas o mais importante foi encontrar os fornecedores de produtos e materiais adequados para conseguir fazer aquilo que o país e o mundo procuram. Mas felizmente conseguimos e acho que estamos no bom caminho.

Como vê o futuro do sector têxtil se tiver que enfrenta uma segunda vaga da pandemia. No seu caso, com a nova unidade, está melhor equipado e preparado para responder a esse desafio?

Se isso acontecer temos que estar preparados, já não é uma coisa absolutamente desconhecida. E se fomos capazes de responder à primeira teremos que o fazer igualmente também a terceira, quinta, décima ou seja o que for. Este é um sector resiliente, que é capaz de reagir e por isso tem que estar preparado para aquilo que o mundo necessite.

António Cunha
Sales Manager da Orfama

Vivemos tempos excecionais com um impacto brutal em todo o mundo nas mais variadas áreas. Podemos afirmar que a indústria Têxtil Portuguesa está a enfrentar o maior desafio de sempre?

Penso que sim. Mais uma vez e agora perante um desafio que é incomparavelmente mais difícil que todos os anteriores. Mas temos que dar a volta e mais uma vez vamos conseguir porque temos vontade e somo os melhores. Mas é preciso que também o nosso Governo e a União Europeia olhem para este sector com a devida atenção.

O termo “inovação” tem sido exaustivamente referido como uma questão de sobrevivência e novas oportunidades de negócio. Qual foi a solução encontrada pela empresa nesta crise causada pela covid-19 para se manter de forma competitiva?

Foi sendo inteligente. E nem todos nascem para isso. O fundamental é juntar os parceiros certos e procurar responder àquilo que são as oportunidades necessidades que o mercado nos coloca.

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