José António Ramos
"É IMPORTANTE
QUE A EUROPA NÃO PERCA O SEU LADO INDUSTRIAL"
T57 - Outubro 2020

António Freitas de Sousa

À frente da Salsa, parte integrante do universo Sonae, há pouco mais de um ano e meio, o gestor espanhol, nascido em Madrid, está há muitos anos no setor do vestuário e a sua intenção à frente da empresa portuguesa é a de ‘guinar’ para a modernidade: a digitalização e a experiência do cliente ao invés da aquisição pura e simples de produto. A pandemia veio atrasar a estratégia – menos a parte da digitalização no que tem diretamente a ver com o online – mas o saldo deste mais de meio ano atípico é apesar de tudo positivo. Os mais de 1.200 colaboradores (contando com os que ali trabalham a tempo parcial) estiveram sempre no ativo e o espaldar da Sonae fez o resto

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ual foi o impacto da pandemia no business plan da Salsa?

A pandemia foi terrível para muitos setores incluindo o nosso: tivemos as lojas fechadas três meses, a nossa sede a trabalhar de casa e a Indústria e a Logística em funcionamento contínuo, com todas as medidas de segurança. O impacto financeiro foi, como era previsível, muito forte. Temos a sorte de ter um investidor  sólido, para nos apoiar – a Sonae. Deu-nos suporte total, financeiro e operacional, o que nos permitiu encarar da melhor forma as adversidades deste período.

Nem nunca usaram o lay-off?

Em Portugal não. As unidades estiveram sempre a trabalhar, quer de casa, quer dos postos de trabalho (os que não puderam ser deslocalizados). Mesmo os colaboradores das lojas, que não tinham como trabalhar, não estiveram em lay-off, mas sim a desenvolver outro tipo de competências em conjunto com a nossa equipa de Recursos Humanos.

Qual é o impacto nas receitas do segundo trimestre?

Foi relevante, na medida em que tivemos durante bastante tempo uma parte significativa das nossas lojas encerradas (ainda que o canal digital tenha acelerado o seu crescimento). Para o total do ano, prevemos um impacto em linha com a contração do mercado, face aos mais de 200 milhões de euros em vendas a clientes finais, que fizemos em 2019.

Quando espera a retoma do consumo. O final do primeiro semestre de 2021 é a meta?

É uma previsão muito difícil, é impossível saber-se. Há dois fatores principais: o primeiro a nível sanitário – espero que esta pandemia já seja “história” no verão que vem – e o segundo a nível económico, o impacto que este fator terá é o nosso principal receio. Tudo vai depender do comportamento dos diversos mercados. Acho que o nosso cliente-tipo é mais resiliente, estamos num segmento mais alto que a média e creio que isso poderá ser uma vantagem. Há quem diga que só o luxo e o ‘low cost’ irão sobreviver, mas eu tenho uma visão diferente: acho que vamos estar um pouco mais protegidos. De qualquer maneira, o impacto desta crise pode ser muito forte, especialmente nos países do sul da Europa, que é onde temos mais presença.

Aposta em Portugal
"Lavamos na nossa lavandaria cerca de 70% do denim que vendemos, o que demonstra a nossa aposta numa indústria mais local"

Sentiu o impacto de reabertura das lojas como algo de positivo? Chegaram a ver-se filas às portas de algumas lojas, como se os consumidores estivessem ávidos de voltar a comprar.

As notícias poderiam induzir a erro. Havia muita gente à porta de algumas lojas, mas em muitos casos pretendiam devolver encomendas online e não comprar. Nós não tivemos esse problema, porque a nossa operação online esteve sempre a funcionar, incluíndo para devoluções. Claro que os operadores que não tinham vendas online e estiveram fechados três meses, sentiram outros efeitosDe qualquer modo, em média, o mercado está a sofrer mais que nós.

E o plano de expansão da Salsa, que previa a abertura de uma série de lojas em Portugal e no extreior? Esta em ‘stand by’?

O nosso plano estratégico previa a abertura de algumas lojas, sendo que algumas dessas aberturas estão agora em stand by. De qualquer forma, não é essa a nossa prioridade. O foco da nossa estratégia está na aposta que temos vindo a fazer no digital: sempre acreditámos que a grande oportunidade da Salsa está no digital. Nesse sentido, a pandemia não modificou a nossa estratégia. Pelo contrário, demonstrou que temos de avançar, mais rapidamente, nessa direção.

"O nosso primeiro horizonte é a Europa – desde logo porque é mais fácil do ponto de vista logístico. Os nossos olhos estão na Europa de Leste e na América Latina, são os dois mercados onde gostaríamos de chegar. Mas as conversas estão muito paradas. Na Europa sim, as coisas começam a movimentar-se – em França, na Alemanha, inclusivamente na Inglaterra"

Qual é neste momento a percentagem do digital no volume de negócios em 2019?

Fechámos 2019 nos 16%.

E qual é a expectativa para o final do ano?

Nos dias que correm são previsões difíceis. Por exemplo, durante o lockdown, com as lojas fechadas durante três meses, tivemos apenas o digital a funcionar. Ainda não sabemos como vamos terminar o ano, mas o digital pode fechar perto dos 30%, vai depender também da evolução do negócio nas lojas.

Mas houve um ‘boom’ no negócio digital?

Há um crescimento importante. O digital está a crescer muito, em termos homólogos falamos de 30, 40, 50, 60%. É um excelente indicador, em linha com a nossa ambição estratégica.

O online vai ter um grande impacto nas próprias lojas, a sua dimensão, a distribuição geográfica.

Sim, mesmo no que diz respeito à arquitetura e funcionalidade da loja.

O número absoluto de lojas vai diminuir?

Essa é uma boa pergunta. A Salsa não é uma empresa muito intensiva em termos de lojas.

Qual é o número de lojas?

Lojas próprias, contámos mais de 100, das quais 56 em Portugal e 34 em Espanha. Há empresas com uma densidade muito maior em termos do número de lojas. Por isso, para a Salsa, o número de lojas não é um problema.

Mas acabam de abrir na Gran Via de Madrid, uma espécie de super-loja.

Sim, sob a chancela de um outro conceito. A nossa loja de Gran Vía tem como objetivo proporcionar uma experiência diferente aos nossos clientes: que possam quase ‘experimentar’ a marca e conhecer a sua história. Foi inclusive desenhada para ser uma loja totalmente orientada para o omnicanal. Aguardamos com expectativa os próximos tempos, mas estava a correr muito bem antes da pandemia.

É a loja de topo do grupo?

É uma delas, juntamente com a de Santa Catarina, no Porto, e a do Chiado, em Lisboa. É seguramente a mais diferente, até porque é uma das últimas que abrimos, onde estamos a testar coisas completamente novas – por exemplo, os provadores ou a possibilidade de experimentar na loja e comprar online –, com um conceito visual completamente difierente. É uma loja onde começámos a testar muitas coisas, em que a ideia é aprender e depois levar para as outras lojas.

Que percentagem do produto final, em denim, que passa pela lavagem no interior da Salsa?

Lavamos na nossa lavandaria cerca de 70% do denim que vendemos, o que demonstra a nossa aposta numa indústria mais local e próxima.

A produção do próprio tecido não está nos seus horizontes.

Atualmente a Salsa não se dedica à produção de tecido. Fazemos os protótipos, mas não estamos a planear criar um segmento industrial. Hoje em dia, temos Relações muito sólidas com os nossos fornecedores em Portugal, onde produzimos a maioria da nossa oferta. O restante provém maioritariamente de mercados próximos, como a Tunísia e a Turquia.

A exposição à Turquia e à Tunísia é para manter?

Sim, uma vez que temos parceiros estratégicos nos dois mercados e estamos muito contentes com eles. As nossas parcerias são a longo prazo, porque assim permite-nos assegurar a qualidade do nosso produto, que não queremos colocar em risco com mudanças constantes de fornecedores.

Para além da qualidade, a sustentabilidade é outra das preocupações da Salsa, não é assim?

Precisamente. Temos um plano a vários anos para aumentar a sustentatbilidade da Salsa. A nossa mais recente aposta foi a aquisição de uma máquina de ozono para a lavagem, que nos permite gastar menos água, usar menos químicos e poupar na libertação de CO2. Esse é também um aspeto que demonstra a nossa atenção e o nosso amor ao detalhe, que se traduz no produto que chega às mãos dos clientes.

Foi um investimento de peso?

Sim, a máquina custa algumas centenas de milhares de euros.  É também uma forma de demonstrar o nosso compromisso claro com a sustentabilidade e a inovação, dois focos importantes da Salsa.

Acredita que a reindustrialização da Europa é mesmo uma estratégia da Comissão Europeia?

É importante que a Europa não perca o seu lado industrial, recuperando parte do que perdeu. Na Salsa, essa é sem dúvida uma aposta, desde logo com a produção que compramos em Portugal, não apostando apenas no segmento do ‘preço’. É claro que outros operadores mais agressivos não poderão dizer o mesmo, mas nós não temos dúvidas.

Diria que há uma Salsa antes e depois da Sonae? Não estava cá antes, mas conhece a história.

Não saberia dizer, não sou a pessoa certa para responder. A Salsa foi criada pelo impulso da família fundadora, os Vila Nova. Posteriormente, decidiram somar forças com Sonae.  Um sócio que poderia ajudar a Salsa a desenvolver o seu potencial de crescimento internacional e digital. Esta parceria ajudou, sem dúvida, a consolidar ambos os planos e o potencial da Salsa como marca no mercado do Denim Europeu. Um sócio como a Sonae trouxe estabilidade estratégica e solidez financeira. Ambas as características se tornaram ainda mais relevantes com o surgimento da pandemia que vivemos e o impacto significativo que teve nos mercados. Este suporte deu-nos sempre muita tranquilidade, permitindo assim, focarmo-nos na criação de valor a longo prazo.

A saída do acionista Filpe Vila Nova foi pacífica.

Completamente pacífica. De qualquer modo, desde que cheguei nunca me ‘intrometi’ nessa matéria, estive sempre focado na parte operacional, na estratégia e em tudo o que tem a ver com o core da Salsa. Tive sempre uma relação muito fluída com Filipe Vila Nova.

Aquilo que a Salsa representa na Sonae é a dimensão que o acionista quer, ou pode haver alterações a esse nível?

A Salsa é apenas uma pequena parte da Sonae, é uma empresa de 200 milhões num grupo de biliões – a Salsa não vai mudar a Sonae. Mas a Salsa trás à Soane, como para qualquer grupo, duas coisas importantes: é uma marca importante fora de Portugal, a nível internacional, onde vendemos cerca de 55% da faturação; e a outra é o facto de ser uma empresa muito digital, onde temos uma ambição muito grande. Estou convencido que a Soane preferiria – eu também – que em vez de vender 200, a Salsa vendesse 2.000. Esse é o trabalho a fazer, levar a companhia dos 200 até onde puder ser.

Por falar em crescimento, os mercados internacionais estão mais concentrados na Europa?

Sim, trabalhamos na Eiuropa e no Médio Oriente. No Dubai, no Líbano…

No Líbano?

Está a passar por um período complicado. Temos um parceiro muito forte no Líbano – não trabalhamos diretamente, mas através de um parceiro, mas agora tudo está especialmente complicado.

Contam diversificar para outros mercados?

Temos a ambição de crescer significativamente e para crescer temos vários horizontes. Obviamente, o nosso primeiro horizonte é a Europa – desde logo porque é mais fácil do ponto de vista logístico. Os nossos olhos estão na Europa de Leste e na América Latina, são os dois mercados onde gostaríamos de chegar. Mas as conversas estão muito paradas. Na Europa sim, as coisas começam a movimentar-se – em França, na Alemanha, inclusivamente na Inglaterra.

Perfil

À frente da Salsa, parte integrante do universo Sonae, há pouco mais de um ano e meio, o gestor espanhol, nascido em Madrid, está há muitos anos no setor do vestuário e a sua intenção à frente da empresa portuguesa é a de ‘guinar’ para a modernidade: a digitalização e a experiência do cliente ao invés da aquisição pura e simples de produto. A pandemia veio atrasar a estratégia – menos a parte da digitalização no que tem diretamente a ver com o online – mas o saldo deste mais de meio ano atípico é apesar de tudo positivo. Os mais de 1.200 colaboradores (contando com os que ali trabalham a tempo parcial) estiveram sempre no ativo e o espaldar da Sonae fez o resto

As perguntas de
José Costa
Administrador da BECRI Malhas e Confecções, S.A

Desde sempre Portugal foi considerado um país estratégico para produzir a marca Salsa. Tendo em conta esta nova realidade (Covid-19), qual o posicionamento estratégico da Salsa quanto ao mercado Português?

O nosso posicionamento mantém-se, assim como os nossos objetivos e valores: trabalhamos para entregar ao cliente um produto excecional e para tal contamos com parceiros excecionais, com quem trabalhamos quase de olhos fechados e que, mais do que a garantia de um preço competitivo, nos oferecem qualidade. A nossa fasquia está muito elevada: exigimos muito dos nossos parceiros de produção – quer dos que temos em Portugal, quer dos restantes – e depositamos neles toda a nossa confiança.

Mário Arantes
Administrador da Cardoso & Arantes

Existem perspetivas de manter as produções da salsa em Portugal e quais as melhorias que gostaria de ver implementadas ao nível da produção nacional?

Os nossos parceiros são peças fundamentais da nossa estratégia. É por eles que passa grande parte do nosso sucesso e da satisfação do nosso cliente, razão pela qual temos relações duradouras, que muito preservamos e que, no que depender de nós, vamos manter. A nível da produção nacional ficamos sempre muito satisfeitos quando vemos que os nossos parceiros estão, tal como nós, comprometidos com uma estratégia crescente de sustentabilidade, que nos permita fazer mais e melhor e ter todos os cuidados possíveis com o nosso planeta e com a comunidade em que nos inserimos.

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