JOAQUIM OLIVEIRA
“NUNCA
DEMOS
UM PASSO
MAIOR QUE A PERNA”
T51 - Março 2020

António Freitas de Sousa

A grande mais valia do grupo Bordados Oliveira, diz Joaquim Oliveira, é oferecer todo o conjunto de soluções que permitem a um fabricante de vestuário obter valor acrescentado, sem ter de multiplicar viagens e contactos com vários fornecedores

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orquê o aparecimento da empresa, há 31 anos?

O aparecimento da empresa dá-se numa altura em que o bordado começa a ter uma clara mais valia para as peças de vestuário. Trabalhava numa empresa muito conceituada de Barcelos, onde estava ancerregado de acompanhar a fase do bordado. Tinha de me deslocar para Guimarães, Vizela, Fafe, para tentar solucionar o problema das encomendas. Tendo identificado essa necessidade, senti que era o momento certo para dar resposta à procura que aumentava.

E começou com o seu irmão?

Sim, ele trabalhava por conta própria no setor da tipografia e decidimos lançar uma empresa em conjunto. Começámos por baixo, comprando uma máquina, e foi assim que a Bordados Oliveira surgiu. Hoje, temos 47 máquinas – mas pelas nossas portas já passaram quase 80, fruto da constante renovação exigida pela evolução do mercado.

A empresa converteu-se rapidamente num grupo empresarial.

Em 1995, identificámos outra necessidade do setor: os brilhantes e a sua aplicação no vestuário. Comprámos a primeira máquina, austríaca, de fazer transferes – máquina essa que na altura era digna de se ver. Até 2004 fomos aumentando o parque de máquinas, até que nesse ano criámos a JSB Oliveira & Oliveira, o que nos permitiu aumentar a qualidade do serviço que prestávamos. Nessa altura trabalhávamos com cristais Swarovski, no entanto, por exigência do mercado houve necessidade de procurar outros fornecedores. Mas a parceria mantém-se até hoje, pois continuamos a ser representantes exclusivos Swarovski em Portugal, assim como somos o único Centro de Aplicação Recomendado no país. Entretanto, na Bordados Oliveira tínhamos necessidade de recorrer a trabalho externo. Assim, surgiu a oportunidade: com o Manuel Lopes, o nosso braço direito nos bordados, investimos no chamado ponto alto, ou ponto cadeia, que era também uma mais valia para o mercado; foi assim que surgiu a JMJ.

Outo têxtil
"O setor textil tem, afinal, um peso muito grande na criação de riqueza, nas exportações"

Existe ainda a JSB Impressão Digital…

Que nasceu também em 2012 dentro da JSB Oliveira & Oliveira. A JSB Inovação é onde temos as operações de sublimado e o digital.

Qual é o volume de negócios que todas estas empresas agregam?

Passou em 2019 os dez milhões de euros, em linha com o que se passou no exercício anterior – mas com mexidas em termos de cada empresa: 2018 foi um ano excelente para os bordados mas 2019 já não foi tanto; em 2019, a JSB cresceu bastante.

Quantos colaboradores tem o grupo neste momento?

Mais de 200 pessoas.

Os dois irmãos têm uma posição paritária?

Sim, na Bordados Oliveira e na JSB Oliveira temos uma posição de 50%-50%; na JMJ, com o nosso sócio, temos um terço cada; na JSB Inovação o capital está repartido por quatro: eu e o meu irmão, Manuel Lopes e Cândido Freitas. Quando escolhemos outros sócios para além dos dois irmãos, temos de estar em total sintonia e que seja alguém que salvaguarde os interesses de todos.

"A sustentabilidade está no interior do grupo. Por exemplo, temos painéis solares, que nos permitiram descer a fatura energética; temos matérias-primas recicladas; os excedentes vão também para reciclagem"

A criação de mais subsidiárias está no seu horizonte?

Depende sempre das condições do mercado. Por outro lado, já temos no interior da empresa a segunda geração da família, que também terá de ser chamada à responsabilidade.

Como antecipa o negócio no final de 2020? A pandemia de Covid-19 vai estragar-lhe o balanço?

Especula-se muito sobre se o que se passa na China será ou não uma oportunidade para algumas empresas portuguesas. Não partilho da opinião dos que dizem que vai ser bom para nós: dependemos muito da China em termos dos acessórios. Já em fevereiro tivemos problemas de fornecimento – sabíamos que o Ano Novo chinês implica sempre com os negócios, estamos preparados para isso – e estamos agora à espera que a China recomece a trabalhar. Mas como o grupo trabalha em diversas frentes, estamos preparados, trabalhando mais nos bordados ou mais nos acessórios, conforme as solicitações do mercado.

A empresa está preparada para fazer o contrabalanço?

Exatamente. A criação das subsidiárias foi precisamente no sentido de que possamos dar uma resposta praticamente a tudo o que seja necessário para concluir uma peça.

Mas assusta-o a previsível quebra de consumo?

Sim, a retração pela presença do Covid-19 fará com que as pessoas consumam menos. Quem produz tem sempre receio de estar a fazer uma coisa que pode não conseguir vender. É um problema que se vai colocar. Há encomendas, mas há paralelamente uma grande incerteza que não sabemos onde chegará. Temos países com mais exposição, outros com menos e também temos países onde a verdade não sai de lá – e esses é que, se calhar, estão a aproveitar as atuais condições de mercado.

Acha possível que a Turquia tenha [em 12 de março] um único caso identificado?

Era isso que ia dizer… São regimes fechados, só saem as informações que eles querem…

O grupo está muito exposto ao mercado italiano?

Sim, trabalhamos muito com marcas italianas. Já no ano passado havia alguma instabilidade, mas a presença da pandemia não pode deixar de se refletir nos negócios.

Alguns tipos de acessórios são considerados pouco amigos do ambiente. Tem sentido alguma retração do mercado neste quadro?

Não, não temos sentido isso. No entanto, procuramos que os nossos acessórios sejam o mais ecológicos possíveis, sendo que os Bordados Oliveira têm certificação Oekotex e Gots e a Jsb Oliveira está neste momento em processo de certificação Okotex classe 1, Gots e CRS.

De qualquer modo, o grupo tem por certo preocupações em termos ambientais.

A sustentabilidade está no interior do grupo. Por exemplo, temos painéis solares, que nos permitiram descer a fatura energética; temos matérias-primas recicladas; os excedentes vão também para reciclagem.

A empresa é auto-suficiente em termos de eletricidade?

Não, trabalhamos 24 horas por dia no caso da Bordados Oliveira, ainda não somos auto-suficientes.

Coloca a hipótese de investir no aumento do parque de painéis solares?

Sim. Os paínéis são de uma geração que já tem três anos. Estou convencido que, num prazo de um ano ou dois, haverá outra geração, possivelmente mais eficaz. Mas temos de dar um passo de cada vez. Neste momento temos um pavilhão com os painéis no telhado, provavelmente dentro de dois anos outro se seguirá. Quanto mais auto-suficientes formos, melhor.

Quanto investiu no que está já em funcionamento?

Qualquer coisa na ordem dos 70 mil euros.

Dava-lhe jeito poder vender a produção em excesso à rede?

Dava, os excedentes vão para a rede mas sem qualquer contributo do seu dono.

É uma área em que o Governo deve estar mais atento?

O peso do custo da eletricidade na indústria e enorme, tudo o que puder ser feito ne área para favorecer a indústria, seria muito bem-vindo.

Está satisfeito com a atuação do Governo? O Portugal 2020 foi um instrumento eficaz?

Participámos numa pequena parte no Portugal 2020, e de uma maneira geral as opções do sistema pareceram justas. Do outro lado também houve melhorias a assinalar: os fundos foram mais bem utilizados que noutras alturas anteriores.

O plano Portugal 2030 deslocaliza as suas opções para a formação. Parece-lhe uma opção com pertinência?

É um ponto muito importante. Acho que em termos de formação só há o nome. Quando damos uma formação e o formador nunca viu uma máquina de bordar, está tudo dito. Não há-de ser só nos bordados que esta lacuna se dá. A formação deve ser ministrada em áreas que possam suprir as necessidades das empresas – formação presencial, formação específica.

O exemplo da Alemanha, onde a formação se faz nas empresas, devia ser replicado?

Sim, o saber teórico é muito importante mas o conhecimento no terreno é fundamental. No grupo, mas não só, tenho a certeza que haveria disponibilidade para uma solução dessas. Mas insisto, é aos próprios formadores que falta formação. Isto para dizer que me parece bem que o Portugal 2030 olhe para a formação – não é só de máquinas que se fala quando se fala de indústria.

Qual é o nível de investimento anual do grupo?

É muito relativo. Sempre tivemos um investimento muito sustentado: nunca demos um passo maior que a perna.

Isso quer dizer que nunca foram à banca buscar dinheiro?

Quando vamos, os planos têm de ser muito bem seguidos. De qualquer maneira, é a necessidade que nos faz ir à procura das coisas – e não qualquer decisão desgarrada da realidade das próprias unidades industriais do grupo. Tentamos, claro, estar no topo do que é tecnologia, mas sempre alavancado num crescimento sustentado pelas necessidade do negócio.

A inovação tem um peso importante no grupo – que teve grande destaque nos iTechStyle Awards de 2018.

Sim, ‘comprámos’ quase 50% dos destaques. A vantagem de sermos um grupo onde no seu interior há um grande conjunto de soluções permite-nos concluir trabalhos onde unimos o know-how das quatro empresas. Nos iTechStyle as nossas soluções tinham a ‘mão’ do grupo.

É essa ´mão´que os clientes e as grandes marcas procuram no grupo?

Procuram o saber fazer recorrendo a diversas soluções e a absoluta confidencialidade que garantimos: nunca falamos das marcas que nos procuram ou para as quais sabemos que estamos a trabalhar. Como viram, nem sequer deixamos que sejam tiradas fotos dos produtos que estão nas máquinas.

Sabe-se que são marcas de topo.

Todo o trabalho tem o seu custo. Cada trabalho tem a sua mais valia. Nas nossas empresas, sabemos o que temos de fazer para chegarmos ao que o cliente pretende. Sabemos que há marcas que têm um valor acrescentado mais baixo – que não olham a determinados pormenores. Há outros que sim, que vão ao mais pequeno pormenor e então temos de ter todos os cuidados por forma a que as coisas saiam perfeitas.

Consta que andam no terreno interessados em comprare empresas de topo do setor industrial. Já lhe vieram bater à porta?

Por acaso já…

Um empresário ou um fundo?

Creio que era um fundo, mas nunca chegámos a mostrar qualquer interesse, nunca nos encontrámos. Não faz parte dos nossos planos.

Quer dizer que o setor continua a ser atractivo?

É. Mesmo que por vezes tenha de ser mais bem trabalhado. Há notícias que acabam por desmotivar, nomeadamente no que tem a ver com a mão de obra, que tem algumas reticências em trabalhar nas empresas têxteis. Esse desincentivo não é bom. E o setor não o merece: afinal, tem um peso muito grande na criação de riqueza, nas exportações.

Acha que a indústria é genericamente mal-tratada? Mesmo na Europa?

Sim. E a têxtil com a agravante de ser considerada uma indústria dos países pobres. O que não é verdade: a Alemanha, a França, a Itália, têm indústria têxtil. Em Portugal, a têxtil nunca vai acabar – pode ter de se reajustar, mas nunca desaparecerá, mesmo que alguns países emergentes, dos quais destaco Marrocos, possam vir a colocar problemas à nossa indústria.

Perfil

Já trabalhava na área têxtil antes de enveredar pela criação do que é hoje o grupo Bordados Oliveira. As suas funções deram-lhe a entender que a dispersão e as constantes viagens a que elas o obrigavam eram uma forma de complicar o sistema produtivo e de lhe acrescentar ineficiências e burocracias. Pareceu-lhe claro que uma empresa a funcionar ao contrário disso – onde toda a resposta às demandas dos clientes estivessem concentradas num único local – só poderia ser um sucesso. Entre outras maneiras de o medir, ao sucesso, o grupo funciona hoje num edifício que obrigou a um investimento de mais de dois milhões de euros, mas que lhe permitiu focar-se precisamente na grande mais-valia do grupo. A menos de 500m existe ainda a JMJ. Por cima dos edifícios de ambas, e em vez de telhas, o teto é forrado a painéis fotovoltaicos, o que implicou investimentos de 40 mil euros e indica que a sustentabilidade está, no interior da empresa, na ordem do dia. Joaquim Oliveira teve dificuldade em recordar-se do valor do investimento: a parte financeira é da responsabilidade do irmão e a confiança é de tal ordem que o empresário se limita a olhar para os números para cumprir uma formalidade. Ali, os investimentos só são feitos por imperativo dos negócios e não por capricho de modernidade.

As perguntas de
José Morgado
Diretor de Departamento Tecnologia e Engenharia do CITEVE

De que forma a onda de sustentabilidade está a alterar a estratégia e o posicionamento da empresa?

Para além da questão da energia solar, que já usamos com alguma escala na nossa produção, estamos também a pensar na produção em quantidade, onde é possível que tenhamos que fazer alguns ajustes. A grande questão é não comprar por comprar, ou seja, comprar menos e isso obrigará a reajustamentos na produção. Provavelmente, iremos passar a fazer séries mais pequenas que respondam àquilo que será também o ajustamento do comércio. É também uma forma de combater o desperdício, uma das principais facetas da sustentabilidade.

Como olha a importância dos acessórios na valorização das peças de vestuário?

É sempre uma mais-valia muito grande. Por vezes, um pequeno permenor faz toda a diferença. Um acessório pode ter um grande impacto, e isso vai continuar a acontecer

Alexandra Oliveira
Gerente do grupo Bordados Oliveira

O que representa o mercado turco para o setor dos acessórios, quer enquanto concorrente quer como fornecedor?

O Mercado turco tem precisamente essas duas vertentes. Por um lado é parceiro, pois fornece muitos acessórios para as diversas empresas do Grupo, por outro lado é um concorrente forte, pois tem muitas mais vantagens a nível de apoios governamentais, que são parcos em Portugal.

Com as diversas valências, que vantagens oferece o grupo aos seus clientes?

O grupo tem uma vantagem muito grande para os seus clientes: num mesmo espaço, num só local, podem tratar de muitos assuntos que têm a ver diretamente com os seus interesses. Até aqui mostramos a nossa política sustentável e ecológica, pois num só local tem à disposição praticamente tudo o que tem a ver com a criação de mais-valia numa peça de vestuário. E depois, a proximidade tem grandes vantagens em termos da produção.

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