Filipe Vila Nova
“Farei tudo o que for necessário para ajudar a Sonae”
T11 Julho/Agosto 2016

Texto de Jorge Fiel

Filipe Vila Nova, presidente da Salsa, explica o negócio com a Sonae, a bondade da separação de águas que fez com os irmãos em 2008, e as razões do seu sucesso: “Somos os melhores do mundo a fazer jeans para mulheres”

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emos muito a aprender e a beneficiar com a experiência da Sonae – afirma Filipe Vila Nova, 53 anos,  explicando a razão por que escolheu o grupo fundado por Belmiro de Azevedo como parceiro para acelerar o crescimento internacional da rede de lojas da Salsa.

Uma vez disse que a Salsa tinha tudo para dar errado: o seu presidente não tem um MBA; está num setor exposto à concorrência asiática; e quando quis dar o salto para o retalho os bancos negaram-lhe financiamento. Ter tido sucesso foi um milagre ao nível da nossa vitória no Euro 2016?

O que quis dizer é que estatísticamente, num país com a cultura empresarial de Portugal, o projeto de construir uma marca tinha, à partida, poucas hipóteses de ser bem sucedido. Em 22 anos, já conseguimos fazer um percurso interessante, mas ainda estamos longe do que queremos, em termos de dimensão à escala global. Ainda não me dou por satisfeito.

O que o levou a tornar-se empresário?

O inconformismo. Acreditar que podia ir mais além.

Nós somos bons na indústria, no B2B, mas temos poucas marcas, ao contrário dos espanhóis.  A culpa é do nosso pequeno mercado interno?

Sermos periféricos e pequenos não ajuda. Mas a geografia não explica tudo.  Historicamente, os espanhóis têm uma cultura de risco superior à nossa. E, 20 anos antes de nós, viram a importância das marcas e de uma relação direta com o consumidor final. Mas acredito que vamos recuperar esse atraso.

Arrisca-se pouco?

O padrão vigente da cultura empresarial em Portugal é o de não arriscar. As pessoas não correm riscos, pois ficam logo a pensar no que é que os outros vão dizer se o seu projeto falhar e tiverem uma situação de falência.

No início dos anos 90, começou com uma confeção a feitio, mas rapidamente apostou numa marca própria. Porquê?

Foi intuitivo. Vi logo que o trabalho a feitio era um negócio de tostões, com margens muito curtas e uma lógica e futuro muito limitados. Como ambiciosos que somos, criamos logo a Kiss, a nossa primeira marca.

Filipe Vila Nova
"O futuro passará cada vez mais pelo digital."

Salsa veio depois, em 1994 …

A marca Kiss apresentava algumas limitações. Precisávamos de uma nova marca. Inspirados no título de um filme americano – “Salsa Latina”  – que estava em exibição nos cinemas com grande sucesso de bilheteira -, apostamos no nome Salsa, pois transmitia os valores que queríamos: alegria, movimento, dinamismo…

Por que é que se focaram logo nos jeans?

A primeira encomenda que recebemos foi de denim, de jardineiras de criança para um fabricante português, que já não existe.

Investirem logo numa lavandaria foi um passo importante?

Percebemos logo que para sermos bons em jeans, precisávamos de uma lavandaria. Esse era o elemento diferenciador. Mas na altura, na Europa,  não havia equipamento nem processos específicos para o tratamento do denim. Para resolver o problema, encomendamos maquinaria, feita por medida para nós, por fabricantes que forneciam  lavandarias industriais para hotéis e hospitais.

“Separar-me dos meus irmãos foi bom para todos e para o país”

Porque é que em 1998 decidiram ir para o retalho?

Na altura tínhamos 400 clientes multimarca a nível nacional. Ficamos intrigados porque  compravam-nos sempre as mesmas quantidades. Até percebemos que tinham um orçamento fixo para cada marca. Por melhor que fosse a nossa coleção não vendíamos mais. Foi para ultrapassar isso que decidimos abrir lojas Salsa no Nortehshopping, Braga Parque e Vasco da Gama.

As coisas começaram logo a correr bem?

Pelo contrário. Éramos inexperientes no retalho e começamos a acumular prejuízos Chegamos a ter em cima da mesa a hipótese de fechar as lojas. Optámos por mudar o responsável por essa área, que tinha ideias muito fixas, por uma pessoa mais aberta e flexível. Deu resultado. Construímos um modelo bem sucedido e uma rede com mais de 50 lojas no nosso país, que durante dez anos registou níveis de crescimento notáveis.

Na expansão internacional, privilegiam o recurso ao franchising ou as lojas próprias?

As margens do negócio são estreitas. Como não podemos repartir demasiado as margens, preferimos apostar em lojas próprias. A excepção é o Médio Oriente, onde temos um parceiro, até por se tratar de mercados em que para se ser bem aceite e ter sucesso é indispensável um conhecimento profundado da cultura e hábitos locais.

Ser made in Portugal ainda é cadastro ou já é curriculum?

Depende dos países, mas, no geral, ser fabricado em Portugal não prejudica o valor da marca. O mundo é cada vez mais plano e não se prende a esse tipo de tabus. O próprio  made in China já foi mais penalizado…

Quais os vossos mercados mais interessantes?

As duas lojas Salsa que mais vendem no mundo são no Dubai. Em Portugal são as do Colombo, Norteshopping e Vasco da Gama. Do ponto de vista de mercados, Espanha e França são, no curto prazo, a nossa geografia natural da expansão.

Como se têm comportado as vendas online?

Surpreendentemente bem. Com taxas médias de crescimento na ordem dos 35%, superiores às das lojas físicas. Estamos em market places, como a Amazon, Otto e La Redoute. E temos investido muito na nossa loja online, que já dá em tempo real e na moeda local do comprador o preço do produto, incluindo os custo de envio. Comprar online é uma marca cultural distintiva das novas gerações.

O online vai ser o futuro?

O futuro passará cada vez mais pelo digital. Mas não só. Somos um empresa multicanal. A nossa estratégia é estar em todos os canais.  No digital mas também no retalho, em department stores, outlets, multimarca, lojas próprias…  privilegiando sempre os que acharmos mais adequados a cada país ou geografia.

Consegue descrever a alma da Salsa em 140 caracteres, num tweet?

A Salsa é uma marca de jeanswear para pessoas ativas, descontraídas e informais.

Qual é a marca que mais admira?

A Levi’s, como tradição nos jeans. E a Zara como o melhor exemplo de fast fashion a preços acessíveis.

Qual foi a decisão mais arriscada da sua vida?

Abrir 20 lojas num ano, na viragem do século. Percebi que precisava de dimensão e massa crítica. Mas não consegui o apoio da banca nacional. Levei nega de toda a gente. Diziam que nunca ninguém tinha feito uma coisa assim com êxito.

Como resolveu o assunto?

Não desisti. Um banco galego financiou-me. Conhecia, na sua região, vários casos bem sucedidos de expansão de cadeias de lojas idênticas à que lhes apresentei. Mais tarde, como, apesar de sermos otimistas, tivemos mais sucesso do que o esperado, pagamos antecipadamente o empréstimo – e eles não ficaram muito satisfeitos, preferiam continuar a receber os juros.…

Deslocalizar a produção para Norte de África e Oriente foi fundamental para se manter competitivo?

O preço não é o critério fundamental na escolha de fornecedores. O que realmente importa é a qualidade, serviço e rigor na entrega. Está absolutamente fora de questão perder o fitting perfeito que é o primeiro valor dos nossos jeans. Por isso, privilegiamos os fornecedores geograficamente próximos. Colocamos em fabricantes portugueses mais de 60% da nossa produção.

Como é o vosso ciclo produtivo?

Desenvolvemos os protótipos e fazemos as lavagens e acabamentos, Ou seja as fases que diferenciam o nosso produto e acrescentam valor. O fabrico é feito fora, mas debaixo da nossa supervisão e controlo apertado.

Como é possível sobreviver num mercado global, com a concorrência de marcas como a Levi’s ou a Diesel, e das cadeias low cost?

Não é pelo preço. Somos os melhores do mundo a produzir jeans que melhor se ajustam ao corpo de uma mulher.

A separação de águas em 2008 com o irmão António e irmã Beatriz foi um momento doloroso?

Não. Foi uma grande decisão. Foi boa porque acrescentou valor e tinha de acontecer. Com base nesse negócio, a Tiffosi foi recuperada e o grupo Trofa Saúde teve liquidez para se expandir. Ao mesmo tempo, a Salsa manteve-se próspera e fiel ao seu projeto. Foi bom para todos e para o país.

Por que é que tinham de se separar?

Não havia sintonia. Tínhamos visões muito diferentes sobre o futuro da Salsa.

Por que é que, logo a seguir, profissionalizou a gestão da Salsa, contratando um CEO?

As empresas não são dos empresários. Nós só estamos nas empresas apenas enquanto as soubermos servir, as fizermos crescer e garantirmos a sua sustentabilidade. Quando os empresários usam as empresas em função dos seus benefícios particulares, e não dos interesses dos clientes e trabalhadores, não tarda muito a ficarem sem elas…  Mal fiquei só na Salsa, mudei os processos de governação, implantei sistemas de informação e métodos de gestão modernos e profissionais. Não vai haver aqui qualquer drama de sucessão familiar…

A admiração que tem por Belmiro de Azevedo facilitou o negócio com a Sonae?

Conheci pessoalmente o engenheiro numa viagem da Portugália de Lisboa para o Porto, em 2002. O avião estava cheio, só havia um lugar vago, exatamente a meu lado. Até que quando as portas já iam fechar, ele chegou, sentou-se ao meu lado e começou a ler o Público. Só deixou de ler o jornal quando se apercebeu que eu era cliente, pois queixei-me das rendas elevadas que pagava nos centros comerciais da Sonae. No fim, perguntei-lhe que leituras me aconselhava, e ele recomendou dois livros que me ajudaram muito, “Pense e fique rico”, de Napoleon Hill, e “Blue Ocean Strategy”. Admiro-o muito pela enorme contribuição que deu à nossa economia e ao país.

A que se deve essa parceria?

Não tínhamos dimensão nem músculo financeiro para nos internacionalizarmos ao ritmo que ambicionamos. Precisávamos de um parceiro. Temos muito mais potencial de sucesso se formos acompanhados pela Sonae do que se fossemos sós.

Foram fáceis as negociações?

São processos que demoram o seu tempo. Mas nós temos contas transparentes, auditadas e certificadas. E havia uma vontade comum de fechar o negócio. O mais duro foi chegar ao valor. O que é natural. Quem compre quer sempre dar menos. Quem vende quer sempre receber mais.

Uma parceria a 50/50 é difícil de gerir…

Acredito que não vai haver problemas. Sabemos para onde queremos ir, conhecemos o imenso potencial da parceria e o nosso relacionamento ao nível da decisão tem fluído célere. Quanto mais depressa sedimentarmos o conhecimento mútuo  e aumentarmos os níveis de confiança mais rapidamente poremos no terreno um plano agressivo de expansão internacional da Salsa.

Qual vai ser a vossa colaboração as marcas de vestuário (Mo, Zippy, Berg…) da Sonae?

Não está nada previsto. Mas pode haver sinergias. Estamos totalmente disponíveis para trocar know how, sem qualquer preconceito. Farei tudo o que for necessário para ajudar a Sonae.

A Salsa está sempre a desenvolver produto.  Hope para as grávidas. Push Up para pôr o rabo saliente. Push in para disfarçar a barriga.  Diva para tornar a pele mais suave. Nos jeans a inovação é a frente de batalha?

Agradar aos clientes e corresponder às suas expectativas é a base do nosso sucesso. Continuar neste caminho implica um conhecimento cada vez mais profundo do cliente, trazê-lo para o centro das nossas decisões. Não podemos disparar em todas as direções.  Temos de dar tiros certeiros. Receber algo a troco de nada é uma coisa que não existe. Temos de estar sempre a aprender a satisfazer as necessidades dos clientes. Dar primeiro para receber depois. Esse é o nosso valor.

Como vê a evolução do setor numa perspetiva de concorrência global para as muitas empresas que baseiam a produção no private label?

Cada um tem a sua vocação. Tudo pode funcionar. Mas parece-me que as empresas que vivem essencialmente do private label têm resultados e horizontes limitados. Eu aconselho-os a apostarem numa marca e a romperem com a lógica de prestação de serviços. Investir numa marca exige muita paciência e ter muita fé.

O que é de mais importantes os seus pais lhe ensinaram?

Três princípios: ser humilde, trabalhador e sério. Ser humilde não é ser vassalo, mas escutar e ser capaz de aprender com toda a gente. Ser trabalhador é levar as coisas a sério. E ser sério não é ser burro – se puder vender uma coisa por dez não a vou vender por oito. A minha mãe costumava dizer que mais valem sete fomes na barriga do que ter vergonha na cara. Tenho muito orgulho em dizer que nunca na vida dececionei os meus pais.

Perfil

Filipe Vila Nova, 53 anos, nasceu em Fradelos, a mais populosa freguesia de Famalicão. É o quinto dos seis filhos do casamento entre um trabalhador da Mabor e uma mãe que além de se ocupar da lide doméstica e da filharada, ainda arranjava tempo para dar uma mão na agricultura.

Já tinha mais de 20 anos e negociava batatas quando comprou os seus primeiros jeans, de marca Lois. Tem três filhos, Filipa, 23 anos, enfermeira, Ricardo, 20 anos, estudante de Gestão na Católica, e Gabriel, dois anos. Vive em Guimarães.

Ainda era um miúdo, com o 9º ano acabado de fazer, quando começou a trabalhar, com uma tia avó, na compra e venda de batatas, atividade onde se demorou dez anos, que lhe deram a equivalência a uma licenciatura em Empreendedorismo – aprendeu a arte do negócio, das relações entre as pessoas e da logística de transações no tempo em que os telefones estavam presos por um fio às paredes.

No início dos anos 90, pressentindo a decadência dos negócios agrícolas, mudou a agulha para a têxtil. Com as poupanças e o saber acumulados nas batatas, investiu no pouco rentável atelier de costura de irmã Beatriz, que transformou numa confeção a feitio. E convidou o irmão António a interromper a carreira militar, interessando-o por uma sociedade numa lavandaria. A saga dos irmãos Vila Nova estava prestes a começar…

As perguntas de
Margarida Cardoso
Jornalista do Expresso

Como vê o impacto do Brexit no desempenho da ITV, uma vez que o Reino Unido vale mais de 8% das exportações do setor?

Para a Salsa, o mercado do Reino Unido não é muito importante. Mas sou contra tudo quanto desagregue valor. Não me parece que o Brexit seja bom para ninguém. Nem para os ingleses, que serão os mais prejudicados. Não acredito em isolamentos, mas em parcerias, na união de esforços e na abertura dos mercados. Mas o que é que se há-de fazer com os ingleses?!? Têm a mania que são diferentes. Até conduzem pela esquerda…

Porque decidiram vestir a Missão Portuguesa aos Jogos Olímpicos Rio 2016. Que  retorno é que esperam deste patrocínio?

Foi um desafio arrojado vestir de jeans, dos pés à cabeça, incluindo gravata, camisas, sapatos, etc, os nossos olímpicos e paraolímpicos. Penso que será inédito na história dos Jogos uma delegação desfilar assim. Deu-nos uma trabalheira dos diabos. É importante pelo reconhecimento da marca e por razões sentimentais – é o Brasil, o Oceano Atlântico, coisas que nos lembram o tempo áureo dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa.

Manuel Carvalho
Jornalista do Público

A entrada da Sonae no capital da Salsa serve para quê?

Precisávamos de um parceiro para acelerar o crescimento internacional da nossa rede de de lojas. Não foi uma opção de curto prazo, pois tínhamos propostas de fundos de private equity que eram financeiramente mais tentadores. Escolhemos a Sonae, por uma série de razões: proximidade, afinidade de culturas, potencialidade e fundamentalmente porque considero que no seu caminho futuro a Salsa tem muito a aprender a a beneficiar com a experiência da Sonae.

A Salsa tem dois mil postos de venda em 34 países. Para lá chegar, qual foi a prioridade estratégica? O crescimento orgânico para puxar pelo produto ou a aposta no produto para arrastar esse crescimento?

A prioridade foi manter, todos os dias desde o primeiro, uma vontade muito forte de vencer e nunca, nunca nos desviarmos desse caminho. Também não desistir, nunca, três vezes nunca! Em Portugal é muito comum morrer na praia. O resto é literatura.

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