Fátima Antunes
"Consumidores preferem tudo quanto é natural e orgânico"
T20 Maio 2017

Carolina Guimarães e Jorge Fiel

Entrou na empresa a título provisório, para substituir uma funcionária de licença. Mas, a realidade é que a funcionária voltou e Fátima nunca mais saiu.

 

Quando se trabalha com marcas como a Carré Blanc, Lacoste, Ralph Lauren, Missoni, Galerias Lafayette ou a Calvin Klein é natural que se queiram manter esses clientes…”, diz Fátima Antunes, explicando porque razão a Lasa vai continuar a fazer private label.

Há mais de 30 anos que trabalha na Lasa. Este é o melhor momento que o grupo está a viver?
Já vivemos momentos muito melhores. Era bem mais fácil trabalhar quando recebíamos grandes encomendas e não tínhamos uma concorrência tão feroz. A crise obrigou-nos a um grande ajustamento e a flexibilizar a nossa estrutura para produzirmos quantidades mais pequenas.

Como aguentaram o embate da adesão dos asiáticos à OMC?
Entramos num sistema permanente de ajustamento a uma realidade concorrencial muito diferente e bem mais agressiva. A flexibilização da estrutura produtiva foi apenas uma das componentes da nossa estratégia.

O que fizeram mais?
Criamos a Lasa Internacional, o braço logístico da LASA, e apostamos em marcas próprias e numa relação directa com o retalho, o que nos obrigou a apresentar duas colecções/ano e a fazer um grande investimento em stocks permanentes para podermos fornecer quaisquer quantidades directamente em qualquer ponto da Europa, num prazo de 48 horas.

Quando se fornece directamente o retalho, o preço deixa de ser o factor determinante?
Nesse segmento de negócio, a nossa vantagem competitiva assenta essencialmente no design, na qualidade e no serviço, ou seja, na capacidade de dar uma resposta rápida, que garantimos por termos 130 mil referências em stock.

O que aprenderam com a crise?
Aprendemos que para continuarmos a ser competitivos num mundo em permanente mudança não podemos parar de investir e de inovar nos recursos humanos, design e produtos diferenciadores.

Fátima Antunes
"O respeito pelo ambiente passou a ser uma vantagem competitiva valiosa"

É essa a chave do sucesso?
O segredo é ter os clientes satisfeitos e a busca constante da excelência. Temos de estar sempre a melhorar o controlo de qualidade e os prazos de entrega enquanto reduzimos custos para sermos mais competitivos. Precisamos de estar sempre a aumentar os nossos níveis de eficiência. A melhoria constante do sistema e do processo são o centro da nossa filosofia de trabalho.

Estão satisfeitos com a geografia das vossas exportações?
Exportamos cerca de 80% da produção. A Europa é o principal destino. O mercado mais importante é a França, logo seguido da Espanha e da Alemanha. Estamos a apostar no aumento das vendas para mercados extracomunitários, onde já temos posições interessantes, como os EUA, Canadá, México, Brasil, Colômbia e Japão.

No mercado interno as vendas estão estáveis?
Têm andado no patamar dos 20%, o que é para manter. A única mudança está na deslocação do consumo do pequeno retalho, que tem vindo a cair, para as grandes superfícies, que colocam encomendas cada vez maiores.

"O respeito pelo ambiente passou a ser uma vantagem competitiva valiosa"

Porque é que estão a voltar a Portugal clientes que fugiram para a Ásia em busca de preço?
Por não se sentirem confortáveis com as quantidades exigidas, os prazos de entrega e a própria qualidade. E ainda devido à insegurança. Veja-se o caso da Turquia que tem sofrido por causa da turbulência política.

Por causa da crise apostaram em marcas próprias. Quanto pesam na vossa facturação?
A Lasa Home e as nossas outras marcas – como a Lasarito (segmento kids), La Granja (têxteis para cozinha) – valem cerca de 1/3 do nosso volume de negócios. O objectivo é aumentar o seu peso até aos 45%, um crescimento à custa da diminuição das marcas que produzimos sob licença, um segmento de negócio menos rentável.

O private label compensa?
Quando se trabalha com marcas como a Carré Blanc, Lacoste, Ralph Lauren, Missoni, Galerias Lafayette ou a Calvin Klein – só para citar meia dúzia de uma lista enorme -, é natural que se queiram manter esses clientes.

A que correspondeu a abertura de lojas próprias?
A cadeia LARSHOP, um conceito outlet, correspondeu à necessidade de escoar produto numa aproximação directa ao consumidor final. A aposta no online internacional vai no sentido de complementar com o B2C o B2B, onde somos fortes e temos muita experiência.

Como estão as vendas online?
Começamos há pouco mais de um ano. Ainda estamos a aprender, dado que fazemos tudo internamente. Vendemos através do nosso site e duas grandes plataformas de e.commerce. Trata-se de um processo algo demorado, em que para impor a marca Lasa Home é preciso fazer uma grande aposta em webmarketing. Para começar, focamo-nos apenas no mercado alemão.

Porquê?
Cada mercado tem o seu gosto e as suas medidas. Os alemães, por exemplo, gostam de padrões muito coloridos, de uma explosão de cores. Mas o que funciona em França já é um produto completamente diferente, muito mais sóbrio e clássico. Por isso decidimos adequar a nossa oferta online às idiossincrasias de cada país.

Para onde vão a seguir?
Para o Reino Unido, um mercado completamente diferente do alemão. A escolha tem a ver com o facto de ser o país europeu onde se consome mais online.

E como é que estão a correr as vendas online na Alemanha?
Partimos do zero, mas todos os meses verificamos aumentos interessantes, atendendo a que se trata de uma marca nova. Estamos numa curva claramente ascendente.

A Lasa iniciou a verticalização com a criação de uma fiação…
A Filasa nasceu com uma dupla actividade de produção e trading para garantir o abastecimento de fios ao grupo, em qualidade e quantidade. No entretanto foi crescendo, evoluindo e ganhando vida própria, sendo hoje a segunda maior fiação na UE.

Já exportam directamente?
Como parte do grupo LASA, a Filasa tem no ADN esse espírito de ir além fronteiras e começamos a exportar desde muito cedo. Vamos duas vezes por ano à Première Vision, onde apresentamos sempre novidades. Temos investido muito não só em equipamento, mas também em inovação, desenvolvimento e sustentabilidade. Fomos a primeira fiação portuguesa a receber a certificação BCI- Better Cotton Initiative.

Como é que a Filasa sobreviveu à hecatombe que vitimou muitas fiações em Portugal?
A fiação é um sector onde há três factores cruciais: capital intensivo em que é necessário um investimento constante, decisão nas compras das matérias-primas – que são cotadas em bolsa -, e controlo do peso dos custos energéticos na produção. A capacidade de gerir esses segmentos é essencial. Mas um factor determinante da sobrevivência da Filasa passou pela instalação de uma tinturaria de fio, com máquinas de 3 a 840 kilos e uma capacidade de produção de 10 mil kilos/dia.

A compra da Luzmont2 foi o segundo grande passo na verticalização da Lasa…
Permitiu-nos complementar a oferta de felpos para banho com artigos de mesa e cama – lençóis, cobertores, edredons, mantas e colchas. Com a Luzmont2 fechamos a oferta de têxteis para a casa. Sermos verticais é sinónimo de sermos mais competitivos, para além de que nos permite uma maior rapidez na resposta às encomendas dos clientes.

Qual o objectivo do investimento na Kroma?
A ideia foi diversificar a nossa oferta, dar mais qualquer coisa ao cliente para além dos produtos lisos e jacquards. E investindo agora, não faria qualquer sentido ir para a estamparia de quadros, mas sim para a digital onde é possível fazer tudo o que os clientes querem.

Há cada vez mais moda nos têxteis-lar?
Sim. E acompanha a moda do vestuário, o que obriga o nosso departamento de design a estar muito atento a tudo para acompanhar as tendências e se possível antecipá-las. É uma área a que o meu pai dedica especial carinho.

O que está agora a dar?
O ambiente friendly é uma tendência que atravessa horizontalmente todos os mercados. Os consumidores preferem tudo quanto é natural e orgânico, o 100% algodão. E muitos clientes questionam a origem do algodão – ainda recentemente tivemos de garantir por certificação que os nossos produtos não usavam algodão do Uzbequistão, onde empregam trabalho infantil na recolha das ramas.

A sustentabilidade compensa?
O respeito pelo ambiente passou a ser uma vantagem competitiva valiosa. Nós percebemos isso e o grupo tem diversas certificações na área da qualidade do produto, serviços e ambiente.

A etiqueta made in Portugal ajuda a vender no estrangeiro?
Sim. A imagem internacional dos nossos têxteis-lar é muito boa. Está ao nível do made in Italy e do que melhor se oferece no mundo. Infelizmente, em Itália, mas também em França e Espanha, está a assistir-se a um fenómeno de desindustrialização que espero não atinja o nosso país. A etiqueta Made in Portugal é já desejada por todos os clientes, pois para além de europeia, cria diferenciação. Até mesmo no Japão, o nosso distribuidor quer que utilizemos a etiqueta Made in Portugal.

Que custos de contexto afectam a vossa competitividade?
Os custos energéticos são uma grande fatia das nossas despesas. É incompreensível o aumento da electricidade a que temos vindo a assistir todos os anos – e estamos a falar de incrementos de dois dígitos, o que nos dificulta ainda mais a vida face à concorrência internacional. Tivemos de fazer investimentos em centrais de cogeração, mas mesmo essas têm vindo a perder apoios.

É fácil contratar mão-de-obra especializada?
Infelizmente, não. Há grandes problemas. A escassez de recursos humanos é um dos grande males que aflige o nosso sector. É muito difícil arranjar um bom tecelão, uma pessoa com formação em química para trabalhar com as máquinas de tinturaria ou um especialista em design. Estamos sempre a dar formação internamente para tentar contornar esse problema, uma vez que o nosso ensino de cariz técnico deixou de dar resposta.

Muitos industriais queixam-se do acesso e custo do dinheiro…
Não temos sentido dificuldades em financiar os nossos investimentos. Temos em curso um programa de investimento orçado em 7,5 milhões de euros, 1,5 milhões na criação da Kroma, 2,5 milhões na Filasa, em equipamento e I&D, e 3,5 milhões na Lasa, onde estamos a alterar essencialmente o processo de acabamentos e modernizar a tecelagem.

É um investimento em aumento de capacidade?
A capacidade aumenta, porque os novos equipamentos são mais rápidos e produtivos, mas o grande objectivo desta modernização é aumentar a nossa competitividade e a qualidade – os novos teares melhoram a qualidade, são mais versáteis e, ao mesmo tempo, reduzem o consumo de energia. Aumentar a eficiência e reduzir os custos são a nossa preocupação número um.

A Lasa é um grupo familiar. A passagem da primeira para a segunda geração foi fácil?
O primeira e a segunda geração convivem harmoniosamente na gestão do grupo. O meu pai continua sempre presente, cumprindo religiosamente o horário e trabalhando com a mesma paixão com que se tornou empresário há 46 anos. O meu irmão José trata da parte produtiva, enquanto a minha irmã Isabel ocupa-se mais da área do design.

Já está a ser preparada a passagem para a terceira geração?
Isso não vai acontecer tão cedo. Eu, os meus pais e os meus irmãos ainda estamos aqui para lavar e durar. Achamos aconselhável que a terceira geração aproveite este tempo para enriquecer em conhecimentos e ganhar experiência fazendo carreiras fora, antes de vir trabalhar para a Lasa.

Como vê a Lasa em 2027?
Como uma marca internacional de produtos para a casa, com uma presença industrial forte mas também recorrendo ao sourcing externo para complementar a nossa oferta nos segmentos em que não temos produção ou nas gamas mais baratas.

Perfil

Fátima Antunes, 50 anos, nasceu, cresceu e vive em Vizela, mas estudou e trabalha em Guimarães. É a mais velha dos quatro filhos de Armando da Silva Antunes, que em 1980 fundou a Lasa, no rés-do-chão da casa onde a família habitava no 1º andar. Desde miúda habituou-se a dar uma mão na fábrica – “o meu pai não gostava de nos ver sem fazer nada”. Tem dois filhos, o Miguel, 23 anos, gestor de activos financeiros no banco Best e empresário no ramo de próteses dentárias, e André, 19 anos, estudante e apaixonado pela política.

Nunca lhe passou pela cabeça fazer outra coisa na vida senão ajudar o pai a levar para a frente e fazer crescer a fábrica que este criara quando ela ainda estava a entrar na adolescência. Uma meia dúzia de anos volvidos, tinha ela 18 anos, começou a trabalhar na Lasa. O pretexto foi a substituição de uma colaboradora da área das compras que acabara de entrar em licença de parto. Mas o bebé nasceu, a ex-grávida voltou e Fátima ficou. Passou por todos os departamentos da empresa para se enfarinhar nos segredos do negócio. E pouco tempo depois, ao ver que o investimento na fiação (Filasa) exigia que alguém de confiança se especializasse na matéria, o pai mandou-a para Bakersfield, na Califórnia, fazer um curso intensivo de três meses em que aprendeu tudo sobre algodões. E o provisório tornou-se definitivo.

As perguntas de
Artur Soutinho
CEO do grupo MoreTextile

Como foi e como é hoje compatibilizar as responsabilidades de mãe as responsabilidades executivas de uma grande empresa?
Hoje essa situação não se coloca pois os meus filhos já são adultos. No passado foi difícil, sobretudo na altura em que ia para feiras e de visita a clientes. Sei por experiência própria que é mais difícil ser mulher, acumular as profissões de empresária e de mãe, com responsabilidades acrescidas na educação dos filhos e na organização da casa. Mas sempre consegui conciliar as duas responsabilidades. Com ajuda em casa, nas tarefas domésticas e da família, acrescida de algum rigor no planeamento e organização, sempre consegui arranjar tempo para tudo.

Como se poderá diferenciar e valorizar o têxtil made in Portugal?
Não é difícil, porque o que é feito em Portugal é bom, acompanha as tendências, tem qualidade e serviço e sabe vender a sua imagem.

Virgínia Abreu
CEO da Crispim Abreu

A que tipo de actividades recorre para relaxar e se libertar do stress do trabalho?
Sempre que posso gosto de ler, passear com os meus cães, estar com amigos e ir ao ginásio – tento ir duas vezes por semana, gosto de ir a aulas de pilates. Gosto também de caminhar ao fim do dia e ao fim-de-semana, no Parque da Cidade, quando tenho tempo. Todas estas coisas são uma boa terapia.

O que deixou de fazer, e o que gostaria de ter feito, por se ter dedicado tanto à empresa?
Gosto muito daquilo que faço. Não me imaginava noutra profissão. Se voltasse atrás, talvez não começasse a trabalhar tão cedo e experimentasse estudar mais, ou mesmo ir trabalhar no estrangeiro antes de vir trabalhar com o meu pai. Mas também sei que por muito que uma pessoa estude, não há nada que chegue ao saber cimentado da experiência.

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