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Se fosse ministro da Economia, mudava o Ministério para o Porto - afirma Duarte Nuno Pinto, CEO da P&R Têxteis, a empresa de Barcelos que equipou medalhados olímpicos como Usain Bolt, Nelson Évora ou Fernanda Ribeiro
s primeiros anos de vida da P&R foram muito duros…
Aguentamos 13 anos a perder dinheiro. A minha família sofreu muito para mantermos a fábrica e os 30 postos de trabalho. Durante dez anos, continuei a trabalhar em Matosinhos, em part time, para ter um salário. Três dias em Matosinhos e dois em Barcelos, depois dois lá e três cá. Enquanto a minha esposa aguentava as pontas a tempo inteiro na P&R.
Porque é que foi tão difícil?
Éramos uma empresa pequena, numa fase de aprendizagem, a lidar com as vicissitudes do mercado.
É preciso ser muito teimoso para aguentar 13 anos no vermelho…
Não foi teimosia. Foi persistência e fé. Não somos pessoas para desistir. Tínhamos excelentes colaboradores ao nosso lado, a dar o seu melhor para conseguirmos sobreviver. E acreditamos que quem porfia sempre alcança.
Como conseguiram dar a volta?
No início dos anos 90, tornou-se claro que a melhor estratégia era sairmos do casualwear e especializar-nos no desporto, um segmento com mais potencial de crescimento, oportunidade de diferenciação, produtos mais tecnológicos e matérias primas mais sofisticadas. Foi a decisão acertada. Não somos iluminados, mas a necessidade aguça o engenho e nós tínhamos de arranjar uma saída…
Os resultados dessa mudança estratégica apareceram logo?
Não. Foi um processo lento, uma mudança gradual que implicou investirmos em novos equipamentos, ganharmos experiência e know how numa área de grande tecnicidade, bem como atrairmos novos clientes. Mas o importante é que sabíamos para onde íamos. Começamos a trabalhar com a Decathlon e a Reebok, antes de chegarmos à Adidas …
Como conseguiram?
Tínhamos um cliente, a Intersport, que também vendia Adidas. Perguntamos ao nosso contacto nesta cadeia de lojas se conhecia alguém lá e ele arranjou-nos uma reunião na sede da marca, nos arredores de Nuremberga, com um responsável do sourcing.
A reunião correu bem?
Levamos umas camisolas de rugby em algodão, como amostra do que fazíamos. Ele mostrou-se interessado e prometeu visitar-nos da próxima vez que viesse a Portugal.
Cumpriu?
Não só cumpriu como nos apresentou um tremendo desafio. Disse-me que tinha um projeto para nós de uma responsabilidade enorme. Se aceitássemos e as coisas corressem bem, teríamos as portas da Adidas abertas. Se falhássemos, não só as portas ficariam fechadas para sempre, como ele seria despedido.
Qual era o desafio?
Produzir a esmagadora maioria dos equipamentos da Adidas para os Jogos Olímpicos do ano seguinte, em Atlanta. Aceitamos o desafio, as coisas correram muito bem e ficamos com as portas da Adidas abertas. De então para cá, fazem aqui a maioria dos equipamentos, para as Olimpíadas de Verão e de Inverno. No vestuário têxtil, somos o mais antigo fornecedor regular da Adidas em todo o mundo.
Foi o momento decisivo?
1995 foi o primeiro ano em que ganhamos dinheiro. Daí para cá tem sido sempre a ganhar, após 13 anos a dar prejuízo. Para nós o 13 não representa azar. A empresa foi fundada a 13 de maio. E a minha esposa nasceu a 13 de abril. Somos católicos. Na Bíblia, a travessia do deserto durou 40 anos. A nossa demorou bem menos, apenas 13 anos.
Atlanta 96 foi o grande ponto de viragem?
Atlanta foi importante porque há uma regra de ouro para ter sucesso no mundo dos negócio – People and Reputation, por coincidência as iniciais da P&R. Não se pode sobreviver e prosperar sem ter uma coisa e outra. Nós já tínhamos as pessoas, uma equipa de colaboradores talentosos e dedicados. Faltava-nos a reputação, que ganhamos nos Jogos Olímpicos de Atlanta.
Estão preparados para dar resposta à tendência para a procura crescente de produto cada vez mais personalizado e costumizado?
Fabricarmos equipamentos para os atletas olímpicos – da Adidas, mas não só, também fornecemos a Puma nos jogos de Pequim e Londres – dotou-nos de competências muito fortes no feito por medida e personalizado. No Tour de France de há dois anos tivemos de fazer em 24 horas um novo fato para o Froome correr o contra-relógio, porque nas etapas dos Alpes tinha perdido cinco quilos.
Essa competência é uma enorme vantagem competitiva…
Que está consolidada na nossa empresa e de que temos tirado partido. Fazemos, para várias marcas, produto costumizado e por medida, com uma quantidade mínima de cinco peças, para uma grande variedade de modalidades – corrida, ciclismo, rugby, triatlo. O cliente encomenda na Internet, nós produzimos e enviamos, num prazo de tempo muito reduzido.
É de atletas!
Estar nesta vertente do negócio costumizado obriga-nos a ter uma estrutura produtiva muito flexível, escorreita e rápida, baseada no trabalho em células, em métodos de gestão industrial muito avançados e em colaboradores competentes e motivados.
Flexibilidade é a palavra chave?
Somos flexíveis não só a nível industrial mas também na enorme quantidade de modalidades desportivas que fornecemos. Tivemos cá um diretor do Corte Inglès, que exclamou: “Carai!, vosotros solo no fabricais trajes de toreros!”
Os investimentos têm sido nesse sentido?
Nos últimos três anos investimos cinco milhões de euros em instalações e equipamentos na fábrica de S. Veríssimo. Estávamos acanhadíssimos. Duplicámos a área industrial e passamos a estar desafogados em todas as secções produtivas nucleares, e nas áreas sociais (cantina, etc). Com esta modernização, aumentamos qualidade e rapidez, tornando-nos assim ainda mais competitivos.
O que faz a vossa fábrica de Esposende?
Era uma unidade subcontratada situada na freguesia de S. Bartolomeu do Mar que adquirimos. É uma confecção de excelente qualidade, que faz produtos muito específicos como polos, onde toda gente trabalha com um grande amor à camisola, vai almoçar a casa e tem tempo para tratar dos filhos. Sustentabilidade não é só reciclar matérias primas …
Então o que é?
É muito cómodo para as marcas resumirem a sustentabilidade a terem umas peças feitas com matérias primas recicladas e assim desviarem a atenção do que é verdadeiramente grave. A nossa primeira preocupação é respeitar os direitos dos trabalhadores, garantir-lhes assistência na doença, não lhes pagar salários miseráveis, nem impor-lhes horários de trabalho desumanos.
Reciclar não é importante?
É. E estamos a caminhar para um uso cada vez maior do poliester reciclado, que é mais caro. Mas eu tenho uma dúvida metódica. Será que o poliester que nos vendem como reciclado é mesmo reciclado? Não estaremos a comprar gato por lebre? A moda da reciclagem não pode desviar a atenção da responsabilidade social das empresas e dos grandes operadores têxteis, marcas e cadeias de retalho.
O que quer dizer com isso?
As empresas têm de ser factores de criação de riqueza e isso não se esgota no crescimento do EBITDA e vendas. Têm de se inserir nas comunidades, redistribuir parte do lucro que geram. Uma percentagem das nossas receitas é partilhada com bombeiros, voluntariado, deficientes, organizações desportivas, etc. E não só a nível local. Há mais de 20 anos que pagamos estudos e o lanche a 13 crianças moçambicanas através de uma ONG de Barcelinhos-Sopro.
O discurso da sustentabilidade pode ser enganador?
Sim, se o reciclar esconder o fechar os olhos ao dumping social e a manutenção de práticas de fast fashion. O caminho certo para respeitar o ambiente e os recursos do planeta é consumir menos, produzir menos e reutilizar mais. E este caminho não é mau para a nossa ITV, que produz roupa durável de boa qualidade, que compensa manter e reparar – em vez de usar e deitar fora…
É um céptico relativamente à questão da sustentabilidade?
Não sou céptico relativamente à importância da sustentabilidade – além da ISO 9001, temos certificações como a SA 8000 ou a NP 4457 que falam por nós – mas sim ao aproveitamento que alguns fazem dessa questão.
Por que é que lançaram marcas próprias?
Sempre privilegiamos o desenvolvimento de produto para as marcas dos nossos clientes. Só criamos a Onda porque identificamos a lacuna de num país à beira mar plantado não existir uma marca nacional de surf – e também porque esse lançamento não colidia com os interesses de nenhum dos nossos clientes.
No entretanto alargaram o âmbito da Onda ao triatlo …
Criamos um spin off, a CMD, que se encarrega da comercialização das nossas marcas desportivas. No caso do surf, a marca está a ser relançada associada à Praia da Nazaré. E no triatlo fornecemos a federação portuguesa da modalidade.
… e criaram a Flynx para o ciclismo …
No caso do ciclismo, não temos coleção, só fornecemos clubes, marcas e instituições. Em Portugal, patrocinamos a equipa da Rádio Popular/Boavista e a Federação Portuguesa do Ciclismo. Na última edição do Tour de France, além de fazermos as camisolas amarela, verde, branca, etc, para a Coq Sportif, também equipamos a Education First.
Faz parte dos vossos planos estar com marca própria noutras modalidades?
As marcas próprias representam apenas 15% dos 15 milhões de euros do volume de negócios da P&R. O nosso negócio essencial é trabalhar para marcas globais, que têm vários tipos de desportos ou são especialistas em apenas um tipo de modalidade.
Crescer nas marcas próprias não é estratégico para a P&R?
O nosso objetivo é que a P&R se mantenha rentável e sustentável, prosseguindo uma abordagem centrada nos clientes e apoiada em fortes parcerias com eles, para o desenvolvimento conjunto de produtos e negócios, assente num processo de melhoramento tecnológico continuo.
Porquê?
Como economista, sempre me dediquei a estudar a relação entre indústria e marcas. Não há marca que se consiga impor globalmente sem primeiro ser forte no seu mercado doméstico. Ora Portugal é um mercado demasiado estreito e geograficamente marginal para servir como rampa de lançamento de uma marca.
O online não veio modificar isso?
O fenómeno do crescimento exponencial do ecommerce a nível internacional poderá alterar esse paradigma e facilitar a afirmação global de marcas oriundas de países periféricos. Vamos a ver.
Como é que estão nessa frente?
Este ano já investimos 100 mil euros numa nova plataforma de venda online da Onda. Estamos a gastar dinheiro em marketing e contratamos recursos humanos especializados, com competência para esta nova vertente do negócio.
A inovação é a alma do vosso negócio…
Sabe o que dizemos aos nossos clientes? Se for muito difícil fazemos. Se for impossível, dêem-nos mais um dia 🙂
Quantas pessoas têm afetas à i&d?
Temos um departamento com uma dúzia de pessoas, mas, como costumo dizer, na P&R a inovação é um desporto coletivo, praticado por todos os nossos 220 colaboradores.
O sportswear vai estar em grande destaque na PV. A moda quer incorporar cada vez mais as inovações do desporto. Há aqui uma oportunidade?
Somos uma empresa altamente tecnológica, vocacionada e especializada no desenvolvimento e produção de vestuário muito técnico para desporto. E não só não estamos a pensar sair daqui, como não temos capacidade produtiva interna para isso. A que temos, está toda tomada.
A nossa ITV sintonizada com a indústria 4.0?
É uma revolução que já está em curso e a ser vivida pela generalidade das empresas do setor. É só espreitar as atuais salas de corte e fazer um esforço para nos lembrarmos como eram há dez anos. Tradicionalmente a indústria portuguesa sempre se adaptou bem às novidades tecnológicas. Não é aí que está o problema.
Está aonde?
É bem mais difícil a nossa adaptação à evolução dos mercados, aos novos hábitos de consumo, bem como às novas formas de negociar e comunicar.
É isso que o preocupa?
O que é preocupante é saber que recursos humanos vamos ter daqui a uns anos para trabalhar nesta indústria e como o sector têxtil se vai manter atrativo para captar os jovens.
Como se resolve isso?
Dando melhores condições laborais, de conforto e remuneratórias. Na P&R pagamos acima da média. Mas isso não chega. Os políticos europeus não podem ignorar que competimos com países que não respeitam direitos humanos e pagam salários miseráveis.
Um problema da globalização …
Subscrevo as palavras de Karol Wojtyla – um dos homens do séc. XX que eu admiro, que foi guarda redes como eu. Sou a favor da globalização, desde que haja justiça social. E não há justiça social quando um operário têxtil no Myanmar ganha 80 dólares por mês e trabalha 60 horas por semana. E poderia dar outros exemplos…
64 anos, filho único de Georgette e António – dois professores primários de Braga colocados em Barcelos -, foi fabricado em S. Veríssimo, onde está o centro de gravidade da P&R Têxteis. Concluído o secundário no liceu Sá de Miranda, mudou-se para o Porto, onde se licenciou em Economia. Casado com Maria da Ascensão, uma ex-professora primária que se tornou empresária, têm três filhos: Daniela, 37 anos, médica radiologista no Hospital S. João, Mariana, 33 anos, licenciada em Gestão (Católica) que trabalha numa multinacional, e Nuno, 28 anos, licenciado em Economia (FEP) e com mestrado em Marketing e Gestão, que está na P&R
Que custos de contexto mais afectam a competitividade da P&R?
O peso da carga fiscal nos salários dos trabalhadores. É urgente reduzir o abismo entre o montante dos encargos salariais que uma empresa tem com um trabalhador e o dinheiro que lhe chega efectivamente ao bolso no fim do mês. Já defendi junto do ministro da Economia que a remuneração das horas extraordinárias devia ser fiscalmente despenalizada a 100%.
Qual é a receita do sucesso da P&R?
Não me revejo nessa expressão. Ao longo da vida, tenho tido fracassos e sucessos. E face a um fracasso, a atitude certa é adotar a humildade do guarda redes que depois de sofrer um golo vai buscar a bola ao fundo da baliza, levanta a cabeça e continua a competir.
Se fosse primeiro ministro, que medida adotaria para melhorar a competitividade da indústria?
Não tenho a veleidade de me imaginar primeiro ministro. Mas se fosse ministro da Economia, a primeira coisa que faria era mudar o Ministério para o Porto. Era uma medida simbólica. Mas dar sinais é importante.
O que é mais desafiante? Ganhar medalhas com os vinhos da Quinta do Montinho ou com os têxteis desenvolvidos pela P&R para os Jogos Olímpicos?
Já ganhamos várias medalhas com esse vinho, produzido na nossa quinta em Vila Verde. O vinho é um hobby, que tenho a veleidade de desenvolver como negócio e me lembra as férias grandes, que, quando era miúdo, passava com os meus avós e ajudava às vindimas. Sabem-me muito bem as duas – as medalhas nos concursos vinícolas, mas também as ganhas por Fernanda Ribeiro, Nelson Évora ou Usain Bolt, com equipamento desenvolvidos e fabricados por nós.
Como diz o ditado popular, o segredo é a alma do negócio. Já passou o segredo ao seu filho Nuno?
Nas famílias e nas empresas o segredo é muito simples – é pelo exemplo do trabalho. Uma vez, numa conferência na AIMInho, o ilustre economista e ex-ministro das Finanças Ernâni Lopes disse que o segredo para ter sucesso nos negócios era o somatório de sete ingredientes: estudar, estudar, estudar, trabalhar, trabalhar, trabalhar e trabalhar.