André Relvas
“Apostamos muito na costumização”
T39 - Janeiro 19

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Se numa reunião com um cliente o nosso argumento for o preço há alguma coisa que está muito mal: ou somos nós que não fizemos o trabalho de casa ou então estamos no cliente errado - explica André Relvas, administrador da Sorema.

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oi com a chegada da terceira geração que a Sorema deu o grande salto em frente?

Não se pode pôr a questão nesses termos. Quando esta nova geração foi embarcando, encontrou uma empresa muito bem alicerçada tecnológica e financeiramente, apoiada por uma equipa de trabalho com uma excecional cultura perfeccionista em termos produtivos. O trabalho mais difícil e arrojado já tinha sido preparado pelo nosso pai e avô.

O vosso pai continua no activo?

Aos 69 anos ele continua ligado à parte produtiva. É a grande mais valia e referência da Sorema, e um privilégio para nós podermos continuar a contar com o seu apoio, com uma liderança que se impõe pelo seu conhecimento, fruto de uma vida ligada a este sector.

Ao longo destes 44 anos, o caminho não tem sido sempre em linha reta…

Começou logo atribulado quando, dois meses antes do 25 de Abril, a empresa foi criada com o objectivo de fornecer indústria automóvel. Só que alarmados com a instabilidade pós Revolução, os potenciais clientes deslocalizaram a produção, Os tapetes para casa de banho foram a alternativa, pois utilizavam uma tecnologia similar à dos revestimentos para carros.

Quando é que deixaram de ser monoproduto?

A primeira diversificação foi nos anos 80, o meu pai entendeu ser imprescindível iniciar alguma complementaridade de produto e iniciou uma confecção de cortinas para banho.

Nessa altura viviam só do mercado doméstico?

Embora existisse já alguma exportação para a Europa, designadamente Espanha, Alemanha e Noruega, o essencial das vendas concentrava-se em Portugal. O início da aposta nas exportações só veio mais tarde nos anos 90.

Foi nessa altura que alargaram a vossa oferta a toda a linha de banho?

Identificamos a necessidade de ter uma coleção estruturada com toda a gama têxtil para o segmento banho quando começamos a participar em feiras, como a Textil Hogar, em Valência, ou a Casa Têxtil, na Exponor. E essa necessidade acentuou-se à medida que fomos criando as marcas …

Qualidade é o cunho
"Temos uma cultura focada na satisfação do cliente, que nos foi abrindo portas nos segmentos altos do mercado"

Quando aconteceu isso?

Começamos a expor em feiras em meados dos anos 90. A nossa primeira Heimtextil foi em 1998 e nessa altura o conceito de coordenados já era para nós muito claro – e sabíamos que para sustentar as marcas tínhamos de complementar os tapetes com toalhas e outros acessórios para banho.

Nos primeiros anos deste século, sofreram muito com o choque da concorrência asiática?

Não muito. Nessa altura estávamos com uma forte dinâmica de crescimento, uma coleção estruturada e uma oferta diferenciadora. E em 2005 criamos a marca Graccioza. Temos uma cultura perfeccionista, focada no serviço e satisfação do cliente, que nos foi abrindo portas nos segmentos mais altos do mercado e preparou para fazer face à invasão de produtos asiáticos baratos.

O que é preciso para construir uma marca?

É fundamental saber-se o que se quer – para não andar perdido, a desperdiçar recursos e energia – e ter sobretudo muito espírito de sacrifício e persistência. É como correr uma maratona. Trata-se de um trabalho apaixonante, mas penoso.

"O Villa Joya e o Ritz de Madrid usam os nossos tapetes e toalhas de banho"

Qual é o peso das marcas próprias nas vossas vendas? 

Representam um pouco mais de metade das nossas vendas. A Graccioza é a marca que mais tem crescido – é na que identificamos maior potencial e onde temos investido mais.

Qual é a meta?

O objectivo que temos traçado é alcançar 75% da faturação com as nossas marcas, mas sem perder obviamente volume. Ou seja, mantendo o atual nível de vendas em regime de private label.

Qual foi o período mais difícil da Sorema? 

A indefinição, nos últimos dois anos em que estivemos associados ao grupo Welspun, que só se resolveu em finais de 2012 quando acordamos a recompra dos 76% que lhes tínhamos anteriormente vendido. Os dois anos seguintes foram igualmente difíceis, pela necessidade de reorganização e alteração da estratégia da empresa.

O que vos atraiu na Welspun?

À partida parecia uma excelente oportunidade para as duas partes, começando pela complementaridade dos produtos. Na altura, a voz corrente era de que a indústria têxtil não tinha futuro em Portugal, pelo que o estabelecimento de uma parceria com um grupo da região para onde a produção ia ser deslocalizada trazia-nos uma segurança acrescida.

Um negócio win win…

Nós esperávamos beneficiar da associação a um parceiro de referência, com uma dimensão equivalente a todo o setor português de têxtil lar.  Eles precisavam de uma porta de entrada na Europa e do nosso know how para uma fábrica de tapetes de banho, de segmento médio-baixo, que planeavam construir na Índia.

Quais foram os termos do acordo?

Nós ficamos com 24% do capital e, por exigência deles, mantivemos a gestão da Sorema. Fizemos, em parceria, um grande investimento em estruturas comerciais e logísticas, já que iríamos ser a plataforma de distribuição para toda a Europa dos artigos da Welspun.

Quais foram os primeiros sinais de alarme?

A conjuntura económica não era nada favorável e contrastava amplamente com a estratégia de crescimento traçada. E não demorou muito tempo até nos começarmos a aperceber que havia uma grande divergência a nível de posicionamento. Eles estavam muito focados no mercado americano, na venda de grandes volumes, uma estratégia que não era adequada à Europa.

Porquê?

O mercado europeu está muito mais dividido e segmentado que o norte-americano. Além de que é mais exigente. Percebemos que a nossa identidade, construída com base na criatividade, flexibilidade e serviço, era incompatível com a visão e estratégia dos indianos.

As coisas começaram a correr mal… 

O investimento na distribuição começava a não ter retorno e originou uma significativa degradação dos resultados. As divergências agravaram-se quando mudou o nosso interlocutor no grupo. Os maus resultados fora da Índia, precipitaram igualmente uma intenção apressada de concentrar lá toda a fabricação. Isso era incompatível, com a qualidade, flexibilidade e serviço que se impunham para a manutenção do negócio.

O divórcio foi fácil?

Bastante simples, mas também inevitável. Eles são pragmáticos, e muito bem preparados ao nível das chefias de topo. Acertámos tudo numa tarde em Londres, no outono de 2012.

Como estão a correr as coisas nos Estados Unidos onde há dois anos têm parceria inédita com a Bovi?

O trabalho de construção de uma marca é sempre demorado, as coisas estão a correr conforme o planeado e apresentar um crescimento continuado.

O individualismo é um dos principais defeitos apontados aos nossos empresários. Como ultrapassaram a desconfiança?

Sempre tivemos uma mente bastante aberta, já o tínhamos demonstrado no passado. Neste caso, existe a complementaridade de produto, um posicionamento no mercado similar e, igualmente importante, uma partilha de valores enquanto empresas.

Como é que a parceria funciona? 

Partilhámos a estrutura comercial e de marketing no mercado. Esta parceria é restringida ao mercado norte-americano e para a distribuição das marcas, não abrangendo o private label.

Pode ser replicada noutros mercados?

Contanto que se verifiquem os mesmos pressupostos. Estamos muito contentes com a nossa relação com a Bovi. Falamos entre nós de uma forma bastante aberta, partilhamos também pontualmente informação sobre outros mercados.

Entretanto, por cá estão a preparar-se para mudar de casa …  

Mudar de casa não, planeamos aumentar um pouco as instalações. Ao longo destes 44 anos de crescimento faseado, o lay out ficou um bocado confuso e sentimos a necessidade de mais espaço. A logística está já concentrada num armazém dedicado e externo à fabricação desde 2008. Precisamos agora de reorganizar um pouco melhor o processo produtivo.

Em que fase está o processo?

Já temos a localização definida, aqui em Silvalde, o projeto e orçamentação estão em curso. Planeamos um investimento próximo de dois milhões de euros na construção do edifício e em alguns equipamentos. Gostávamos de ter este processo terminado até 2021.

Vão aumentar a capacidade instalada?

O principal objetivo não é de todo esse. Os ganhos fundamentais vão ser ao nível da eficiência industrial, permitindo ainda libertar espaço nas instalações actuais para pequenos projectos, bem como alguma diversificação de equipamentos para alcançar uma maior capacidade ao nível do design.

O design é importante mesmo quando se está a falar de tapetes de banho? 

Design e criatividade são fundamentos da proposta de valor que apresentamos ao cliente, para além do serviço. Temos um gabinete próprio, actualmente com três designers. A administração está também bastante envolvida nestas áreas, bem como na inovação.

O que há de novo relativamente a inovação?

A última grande inovação são os tapetes My cotton cloud que têm um recheio almofadado de espuma que se pode tirar, o que faz com que sejam laváveis. Mas estamos sempre a procurar introduzir pequenas inovações, que nos permitam alavancar o valor perceptível dos nossos produtos.

Esse esforço compensa?

Compensa, e é imperativo no segmento em que nos posicionamos. Investimos muito nas nossas coleções e no desenvolvimento de produto, porque é aí que vamos buscar os nossos argumentos. Se estou numa reunião e o nosso argumento for reduzido a preço, há alguma coisa que está muito mal: ou não fizemos o nosso trabalho de casa, ou então estamos no cliente errado…

Em que baseiam a vossa competitividade? 

A nossa maior força é a nossa equipa, com um know how acumulado de 40 anos de trabalho e uma cultura perfeccionista que potencia a qualidade dos nossos produtos. Por outro lado, o investimento em criatividade, serviço e flexibilidade que se impõe neste negócio de pequenos volumes.

Como é que vão conseguir manter uma oferta diferenciada e continuar a subir na cadeia de valor?

As empresas industriais têm cada vez mais uma forte componente de serviços, particularmente importante nas marcas. Apostamos muito na customização: as novas oportunidades passam por aí. Temos diferentes soluções de personalização das peças, que vão do monograma até aos bordados, fabricação por medida, passando por uma maior variedade de cores e dimensões na oferta.

Não é uma tarefa fácil construir uma marca a partir de Portugal e nos têxteis lar…

É sobretudo um caminho moroso, mas que há muito traçamos. Trabalhamos para um segmento de mercado diminuto, em que a notoriedade é difícil de alcançar. Dificilmente alguém chega ao ponto de ir a uma loja pedir um tapete Graccioza. A estratégia que seguimos é muito de sementeira de marca, baseada no design, criatividade e posicionamento em alguns lugares de destaque.

Um trabalho ingrato …

A notoriedade que precisamos de ganhar, é mais junto dos nossos clientes profissionais do que no consumidor final. Além de que fazemos um produto de luxo que não se pode exibir como um automóvel, uma mala ou fato. O que vendemos são tapetes e toalhas que vão para a casa de banho lá de casa, a que muito pouca gente tem acesso.

Como está a correr a vossa aposta na hotelaria?

Organizámos o que tínhamos internamente de forma a apresentarmos uma colecção para a hotelaria. Não é propriamente uma nova aposta. É um segmento que de momento apenas vale 3% a 4% do nosso negócio. Não competimos em volumes nem em preço. Temos uma coleção dirigida a hotéis boutique e de luxo que está, por exemplo, no Villa Joya e no Ritz de Madrid.

Quais são as grandes preocupações que tem de momento?

Estar muito atentos a tudo quanto se passa ao nível de sustentabilidade, economia circular e digitalização, de modo a tirar o máximo partido dessas tendências – e não perder esses comboios.

Têm projectos em curso nessas áreas?

Vamos reforçar a nossa presença no online. Até agora estávamos só no B2B. A partir do início deste ano estaremos também no B2C, a vender os nossos produtos da marca Graciozza, directamente aos consumidores finais de todo o mundo.

Perfil

André Relvas, 44 anos, nasceu em 1974, o ano do 25 de Abril e em que os seus avô Ramiro, pai Duarte e um amigo (Henrique Soares), desembraiaram o projeto Sorema, primitivamente pensado para fornecer a indústria automóvel e que apenas engrenou dois anos volvidos a fabricar tapetes de casa de banho. Cresceu em Paços de Brandão e até ao 12º ano estudou no Colégio dos Carvalhos, onde conheceu a rapariga com quem casou (Ana Palmira) e jogou na equipa de voleibol, evidenciando o gosto pelo desporto que mantém – andou pelo squash, presentemente limita-se à corrida, apesar de já ter algumas maratonas no curriculum. Licenciado em Gestão (UMinho), tem dois filhos: André, 18 anos, que começou a estudar Medicina, e Beatriz, oito anos, que quando for grande “quer fazer o que o pai faz”

As perguntas de
Ricardo Relvas
Irmão e administrador da Sorema responsável pela marca Graccioza

O que melhor nos descreve enquanto empresa?
A nossa maior força é a equipa que conseguimos reunir, bem como a cultura e o conhecimento que acumularam. Podemos sempre substituir um ou outro elemento, mas nunca o conjunto. A nossa principal preocupação deverá ser sempre potenciar o seu melhor desempenho, investindo na sua formação e acrescentando novos talentos e experiências.
O que nos vai permitir continuar a diferenciar?
A base do sucesso será sempre a resiliência e capacidade de adaptação do nosso capital humano. O nosso posicionamento será continuadamente uma tarefa por terminar. Temos de estar permanentemente a ajustar-nos à evolução do mercado e da concorrência. Temos de procurar o nosso pequeno espaço diferenciador a cada momento, apostando na inovação de produtos e serviços, na sustentabilidade e customização. Ao nível das marcas temos de manter a sua identidade, incrementando a notoriedade pelo rigor e seriedade com que trabalhamos ao nível da qualidade e criatividade, proporcionando um elevado valor intrínseco do produto, percetível e gerador de confiança aos nossos clientes.

Ana Maria Rocha
Diretora adjunta 2C2T UMinho

Portugal ocupa um lugar de relevo na área dos têxteis-lar a nível internacional. Qual é a estratégia da Sorema para garantir este posicionamento no futuro?
Num contexto de globalização crescente ao nível do conhecimento e know-how, a necessidade de diferenciação será ainda mais notória. Os desafios da economia digital vão criar novas necessidades de serviços, que associados a uma tendência de customização de produto, irão potenciar oportunidades por proximidade geográfica que devemos explorar. A sustentabilidade será também um caminho de passagem obrigatória, ao nível da empresa e dos seus produtos.

Qual é a importância da colaboração com entidades do Sistema Cientifico e Tecnológico no processo de I&d?
A Sorema está atenta a esta realidade. No âmbito de uma programada certificação na área da Inovação pela NP 4457, criamos uma matriz de interfaces com diversos interlocutores do SCT ajudando a alcançar os seus objectivos de inovação. A norma baseia-se num modelo de inovação, suportado por interfaces e interacções entre o conhecimento científico e tecnológico, o conhecimento sobre a organização e o seu funcionamento, o mercado ou a sociedade em geral.

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