Alexandra Araújo
“Temos de
entender o que o cliente quer”
T32 Maio 2018

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“Temos de convencer os clientes que não podem ter a qualidade portuguesa a preços asiáticos”, explica Alexandra Araújo, 37 anos, administradora da LMA, uma empresa cada vez mais verde, à medida que vai ficando mais madura. “Pensar no futuro reaproveitamento de uma peça passou a ser obrigatório sempre que estamos a construir um novo produto”, afirma.

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ano está a correr bem?

Está a ser bastante trabalhoso, o que nos deixou a todos muito cansados. Ainda não chegamos a meio do ano e até parece que é Dezembro :-). Os primeiros meses têm sido muito intensos. Temos trabalhado aos sábados e mesmo ao fim de semana, é corrente trocarmos mails durante a noite.

Ter muito trabalho é bom sinal. A que se deve todo esse frenesim?

O mercado global mudou muito e rapidamente. E nós temos que nos adaptar a essa evolução. As pessoas começam a tomar consciência de que sustentabilidade e reciclagem não são apenas palavras da moda – mas necessidades urgentes, pois se o nível atual de consumo se mantiver, os recursos naturais esgotam até 2050.

Isso não é novidade…

A novidade é que em visitas a clientes nórdicos, que têm marcas de referência, deparamos com uma nova exigência. Já não querem malhas com misturas de fibras, por exemplo de poliester com elastano, porque isso inviabiliza a reciclagem.

Faz sentido?

Todo o sentido. É como meter no vidrão uma garrafa com a cápsula de alumínio. Não é possível reciclar uma t-shirt com três fibras. O que significa que quando estamos a fazer uma malha temos de pensar como é que ela poderá ser reciclada.

É uma tendência que veio para ficar? 

Não tenho dúvidas. Noutro dia, quando um comercial nosso se preparava para mostrar toda a nossa coleção a um cliente sueco muito importante, ele interrompeu-o e pediu-lhe que mostrasse apenas materiais unifibra, pois a sua marca já só vende peças que sejam 100% recicláveis.

Estão todos a pedir o mesmo?   

Ainda não. Há clientes que ainda são capaz de mandar para trás uma encomenda se a cor não estiver exatamente no tom pretendido. Mas há outros que já não o fazem porque sabem o custo para o planeta, em milhares de litros de água e gasóleo, do reprocessamento das peças.

O segredo é a equipa
Para Alexandra Araújo, a equipa é o segredo por detrás do sucesso internacional da LMA

A maioria já têm consciência ecológica?

É uma preocupação crescente. Um cliente do Norte da Europa, que confeccionava as nossas malhas no Leste, pediu-nos que lhe indicássemos uma confecção em Portugal. Comentamos que ele assim poupava o dinheiro nos transportes. Ele respondeu logo que a questão não era a o dinheiro mas a pegada ecológica.

A LMA está preparada para responder às novas preocupações ambientais dos consumidores?

Já há muito que a sustentabilidade faz parte da nossa prática diária. Temos as certificações GOTS, Bluesign, Reach e Oeko-Tex 100. E para alguns clientes só trabalhamos com parceiros fornecedores de fio e ultimação que cumpram as regras Reach e Oekotex.

Quanto mais madura está, mais verde a LMA fica 🙂

A economia circular é um imperativo! Pensar no futuro reaproveitamento de uma peça passou a ser obrigatório sempre que estamos a construir um novo produto. Mas a nossa preocupação com a sustentabilidade não se esgota na produção – também já chegou ao social.

"A nossa ITV trabalha bem e rápido. E sabe comunicar com os clientes."

O que é que isso quer dizer?

Para reduzir as emissões, estimulamos o car sharing dos nossos colaboradores. E como o primeiro trimestre foi realmente extenuante – nem paramos no Carnaval -, no final de abril, aproveitando os feriados e fins de semana, descansamos dez dias seguidos. São as férias da Primavera.

O que está a mudar mais?

Já não há só uma coleção. Para surpreender os clientes, temos de estar sempre a oferecer-lhes novidades, cada vez mais produtos  e mais cores, em menores quantidades. O ano passado, criamos mil referências novas. Temos de entender o que o cliente quer.

O que nem sempre é fácil …

Para andarmos sempre à frente, a primeira coisa que temos de perceber é que eles têm culturas diferentes. Não nos podemos sentar da mesma maneira com um cliente chinês, um italiano ou um norte-americano. Eles não raciocinam da mesma maneira e querem coisas diversas.

Qual é a chave para entender essa diversidade?

Somos proativos. Acabo de dar uma volta por lojas nas duas costas dos Estados Unidos e venho com a cabeça lavada. A Califórnia marca a tendência para o resto do mundo. Estão 20 passos à frente do resto.

O que aprendeu?

Muitas coisas. Uma é a tendência 100% ecológica. Não se vê uma cor flúor, que acarreta gastos suplementares de química e água. É tudo o mais natural possível. Outra coisa foi a confirmação do que o meu pai disse a vida inteira. Metade das coleções das grandes marcas são made in USA. Os EUA têm muitas confecções.

Como se pode ser bem sucedido neste mundo tão competitivo?

Nós estamos muito focados nas malhas técnicas para desporto e no vestuário de proteção. Nesses segmentos fazemos tudo quanto o cliente quiser. E somos muito flexíveis. A LMA foi pioneira juntar no mesmo edifício a trabalhar as quatro tecnologias: ketans, tecidos, circular e raschel.

A flexibilidade é um trunfo …  

A nossa indústria aprendeu a trabalhar rápido e bem. E também a  saber comunicar com os clientes. Noutro dia, a propósito do caso em que um fornecedor chinês lhe pôs um bolso com botão em vez do fecho eclair que ele tinha pedido, um cliente nosso desabafava que o ideal era ter a qualidade de Portugal a preços asiáticos :-).

As grandes marcas, como a Adidas, estão a voltar da Ásia?

Estão. Mas de vez em quanto têm recaídas :-). O ano passado, uma grande marca mudou de CFO e o novo financeiro decidiu poupar uns dinheiros levando para a Ásia alguns projectos que estava a fazer connosco. Não demorou seis meses a voltar. Concluíram que afinal, pela qualidade e serviço, valia a pena pagarem os nossos preços.

Os asiáticos já são só competitivos nas grandes quantidades?

Há fornecedores asiáticos muito capazes, que trabalham muito bem. Mas nós somos alfaiates. Somos imbatíveis em tailoring technology num conceito novo que estamos a desenvolver. O único problema a resolver é convencer todos os clientes que não podem ter a qualidade portuguesa a preços asiáticos …

Está a ser difícil?

Vamos conseguindo. Há bem pouco tempo, um cliente confessou-nos que a nossa qualidade era tão boa que ia tentar poupar no resto o que estava a pagar-nos a mais, levando, por exemplo, a confecção para onde ela é mais barata.

Começam todos a perceber que compensa?

Há cada vez mais clientes e perceberem que o que gastam a mais cá, comprando a um preço ligeiramente superior, é compensado pelo que ganham em qualidade e confiança.

A vossa aposta inicial nas malhas para desporto foi um tiro certeiro…

Em 1995, quando criou a LMA, o meu pai detetou um nicho por preencher – um segmento de negócio com menos oferta e concorrência –  e teve a visão de antecipar a tendência que viria a ficar conhecida por athleisure.

Após um período inicial em que viveram do mercado interno, passaram a fornecer a Nike, Adidas, Champions … Estavam no céu!

Foi um período muito bom. Fizemos todas as malhas para futebol da Nike. 22 das 32 seleções que estiveram no Mundial da Coreia/Japão vestiam malhas made in  LMA. A Nike era muito exigente com certificações de qualidade. Ajudou-nos a crescer e ensinou-nos a trabalhar.

Mas em 2005 abandonaram-nos e foram para a China. Perderam metade das vendas. Temeram não aguentar o golpe?

Foi uma pancada muito grande. A empresa estava a crescer e de repente ficou sem os clientes que eram os maiores do mundo no nosso segmento. Conseguimos encaixar o golpe porque tínhamos reservas, poupadas do bons tempos, e uma estratégia certa para sair do buraco.

Qual foi a estratégia?

Diversificar. E fugir de tudo o que o mercado já oferecia. Oferecer todo o tipo possível de tricotagem. Apostar nos tecidos técnicos. Ampliar o mais possível a carteira de clientes, para reduzir riscos. E começar a trabalhar para novos segmentos, como as costas dos abrasivos para a industria automóvel ou o vestuário de protecção.

Vestuário de segurança e proteção que se tornou uma área importante …

Mas onde foi muito duro entrar. Não imagina o que nos custou convencer a policia portuguesa de que uma t shirt com fibras sintéticas era muito mais confortável, tecnológica e durável do que uma em algodão.

Mas fizeram o vosso caminho e agora estão no projeto AuxDefense …

É um projecto fantástico, em que somos parceiros da U MInho, TechMinho, Fibrenamics, Força Aérea, Exército, Fibrauto, IDT Consulting, Latino Group e Sciencentris. Estamos a finalizar o desenvolvimento de coletes antibala, capacete e joelheiras mais leves, ergonómicos, aerodinâmicos e com novas funcionalidades.

Por que é que apostam tanto nas parcerias?

Porque elas são essenciais para quem, como nós, pretende estar sempre a inovar e a criar coisas novas. Não só parcerias com os centros de saber, como universidades e centros tecnológico, mas também com outras empresas.  Estamos sempre a aprender, a ensinar, a evoluir, a andar para a frente, construindo o futuro.

São estradas com dois sentidos, em que toda gente ganha?

Temos parcerias com dezenas de fiações, nacionais e estrangeiras. Mas também com confecções. As fiações precisam de mostrar em malhas as potencialidades dos seus fios. E nós precisamos de mostrar peças confeccionadas para demonstrar o que é possível fazer com as nossas malhas.

O futuro apresenta-se mais risonho para vocês que para as confecções …

Não estou de acordo. Ainda hoje um cliente alemão ligou-nos a pedir que lhe arranjássemos uma confecção em Portugal. A confecção no nosso país é um segmento em que a procura é claramente superior à oferta.

Mas sofrem com a escassez de costureiras…

Não são os únicos. Nós também sentimos a falta de pessoal qualificado. Tentamos ultrapassar esse problema recorrendo à formação interna, mas estão sempre e vir cá roubar-nos colaboradores…

Como se resolve isso?

Seguindo o conselho do Richard Branson: “Prepara os teus colaboradores para irem para a concorrência, mas depois trata-os bem para não eles irem”. Na LMA não há ninguém a ganhar o salário mínimo e estamos sempre a melhorar as condições de trabalho. Qualquer dia vamos ter cá um bilhar e um ginásio.

A falta de mão de obra qualificada é o principal constrangimento à vossa competitividade?

O custo da energia é pior, com as implicações que tem a nível dos transportes. Bem como os impostos. Há cada vez mais empresas a deslocarem a sede para Espanha para beneficiarem de um tratamento fiscal mais favorável.

A inovação é mesmo indispensável para o sucesso?

Deixe-me dar-lhe um exemplo. Preocupado um estudo que demonstrava a redução de 50% na fertilidade de que em usa o telemóvel no bolso das calças, um cliente sueco pediu-nos um tecido que inibisse as radiações magnéticas. Nós desenvolvemos um tecido com esse efeito, comprovado por um laboratório francês.

Que outras parceria tem em curso?

Muitas. Com o CITEVE e a P&R estamos a fazer um fato desportivo em que se pode monitorizar online os ângulos que os membros fazem em esforço. E no vestuário de protecção estamos a desenvolver, desde o fio à confeção, um tecido que é flexível na execução de movimentos lentos mas duro com o impacto – ou seja numa queda.

A inovação é fundamental?

O fundamental é estar sempre a olhar para a frente e a aprender com toda a gente –  clientes, fornecedores, centros de saber, outras empresas e consumidor final.  E neste mundo em permanente mudança também é fundamental sermos capazes de nos adaptar rapidamente às novas circunstâncias.

São esses os segredos do sucesso da LMA?

Sãos dois dos segredos. O grande segredo é a nossa equipa. O departamento de investigação e desenvolvimento somos todos nós, os 50 colaboradores da LMA, uma equipa esforçada, dedicada e competente. Duvido que consiga encontrar outra equipa como a nossa…

Perfil

37 anos, é resultado da confluência de duas famílias de industriais (“Prefiro que me chamem industrial a empresária. Os industriais sempre produzem alguma coisa”, graceja): os Abreus, da Vila das Aves, e os Araújo, de Pevidém, que se juntaram por via do casamento dos seus pais, Lina (Abreu) e Leandro (Araújo), de quem é filha única – ou talvez a mais velha, se encararmos a LMA, fundada em 1995, como a sua irmã mais nova.  Xaninha (é assim que a tratam familiares e amigos) sempre foi uma Maria Rapaz e senhora do seu nariz. “Adoro ser mandona. Eu é que sei!”, confessa, meio a sério. Apaixonada pela têxtil, automóveis e cavalos, é casada e tem uma filha, a Nina, que tem 11 anos e quer ser designer têxtil.

As perguntas de
Leandro Manuel Araújo
Pai e fundador da LMA

Se pudesses voltar atrás, escolherias a mesma profissão?

Sim! Sem Dúvida. Amo o que faço! Cheguei aqui ontem.  Tenho de estar muito feliz e agradecida pelo grande presente que recebo em mãos… Uma empresa como a tua LMA. Trabalhar com esta equipa e ter um novo desafio todas as manhãs é muito motivante.

 

Se me pudesses fazer uma pergunta, o que perguntarias?

Até aos nove meses de gravidez fui rapaz… e aos nove anos já conduzia mota e carro. 37 anos depois a menina desiludiu-te?

Lina Abreu
Mãe e fundadora LMA

Sempre foste uma criança curiosa e intuitiva. Continuas assim à frente da LMA?

Deve ser genético.  A LMA nasceu da curiosidade e intuição.  Cresceu porque soube antecipar-se às tendências e necessidades. Esta capacidade de antecipação é muito importante.  Como diz Steve Jobs, “temos de transformar os produtos inovadores em necessidades de consumo”.  Foi o que fez a intuição do pai e é isso que vou seguir.

 

Tens receio do futuro?

Temos de assumir riscos para seguir em frente. O receio e a incerteza chegam a todos, mas a forma como lidamos com as situações é o que nos diferencia.

Tento concentrar-me no que é positivo. Às vezes a dificuldade é uma oportunidade de aprendermos, melhorarmos e sermos criativos para contornar os assuntos que temos para resolver. A LMA é isso… é melhoria, aprendizagem e criatividade.

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