SE EU FOSSE UM DIA O TEU COMER
T37 Novembro 19
Cantinas do Serrão

Manuel Serrão

Tendo como estrela o cabrito e a vitela assada, daquela que se parte com a colher, com batatas e arroz de forno, na Cozinha do Manel não passam também despercebidas as míticas tripas à moda do Porto.

A Cozinha do Manel é um dos heróicos restaurantes da zona de Bonfim/Campanhã, Porto, ou não estivesse ele na Rua do Heroísmo. A vitelinha e as tripas são as heroínas que mais se recomendam.

Cozinho? Sim, também gosto. Mas não se deixe o leitor enganar pela sugestão do nome. Não está em causa a minha cozinha, mas sim a desse templo do Porto e arredores, que assentou arraiais na “baixa” e de lá não só, não sai… como de lá, ninguém o tira. Mas já tentaram, em tempos, com as intermináveis obras do Metro do Porto. Para estacionar o melhor é em plena Rua do Barão de Nova Sintra, que é onde qualquer portuense aterra sempre que tem problemas de águas. Municipais, bem entendido.

É Preciso Ter Calma.
Quando decidimos ir à Cozinha do Manel e lá chegamos, todos lampeiros, sem mesa reservada… é preciso ter calma.
Se fomos cautelosos, reservamos mesa e por isso nos sentamos mal chegamos, mortinhos por nos lançarmos à vitela, ou ao cabrito com umas batatinhas e um arroz de forno que nos aquece todos os sentidos convocados para este jogo, é preciso ter calma… porque as entradas não podem ser ultrapassadas. Nem pela direita alta, nem pela esquerda baixa.

Fazer Aquilo Que Ainda Não Foi Feito.
Foi o que eu pensei (mas não cantei, para conforto dos restantes convivas…) no dia em que lá entrei com um incontornável desejo de vitelinha. Daquela que se parte com uma colher, ou até com um prato, se quisermos imitar os exagerados dos aficionados do cochinillo de Àvila, quase a chegar a Madrid.
“Hoje temos umas tripinhas que estão uma delícia” disse solícito um dos colaboradores do Manel e mandei-as apresentar à entrada, que era uma coisa que ainda nunca tinha feito.

Música para os sentidos
O cabrito, as tripas e o requeijão com doce de abóbora são os andamentos desta rapsódia gastronómica

Não Posso Mais.
Como as tripas estão de comer e chorar por mais, esqueço-me de que era suposto serem só uma entrada e avanço por elas dentro, até dar de cara com a vitelinha assada, que já vem com cara de sobremesa.
É fundamental que se diga que a vitela nunca se apresenta a solo ou acústica, como alguns artistas agora fazem para tentarem contornar a crise. Neste restaurante, que é sério e à antiga portuguesa, ninguém alinha nessa moda espanhola de servir carne sem acompanhamentos que se vejam.
Com a vitela, (como com o cabrito), vêm as batatas que se deitam com ele na assadeira, mas aparece depois o arroz, de forno, uma espécie de amante fugidia, que aparece e desaparece da mesa, sem nunca sair da mão de quem o serve.
A desculpa oficial para este esconde, esconde é a vontade de o manter quente. Mas a minha verdade oficiosa é que, ficando, ele desapareceria até que na mesa já ninguém pudesse mais.

Quem Me Leva os Meus Fantasmas.
A sobremesa para mim é sempre um tempo fantasmagórico. Aqui, como nos outros restaurantes onde a generosidade do prato de resistência não se questiona, a sobremesa é para mim um momento de contemplação. Em que me satisfaço a ver o que os outros pediram ou até só a ver o que a casa oferece.
De tudo o que nos dão na Cozinha do Manel costumo ceder ao requeijão com doce de abóbora. Sem arrependimento registado.

Pode o Céu Ser Tão Longe?
E aqui tão perto…? O melhor é perguntar ao Pedro Abrunhosa, que ele por lá anda há muito mais tempo do que eu.

RESTAURANTE
A cozinha do Manel

Rua do Heroísmo, 215
4300-259 Porto

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