T48 - Novembro 19

Voltou a valer a pena fabricar fios em Portugal?

A indústria da fiação em Portugal vive um novo fôlego. Longe vão os tempos em que eram os fios básicos e as encomendas em grande volume que faziam vibrar as fábricas. Agora são os artigos técnicos e sustentáveis, cada vez mais procurados pelos mercados europeus, que abrem uma nova oportunidade no horizonte. Com um know-how acumulado por décadas de trabalho, as empresas portuguesas destacam-se pelas soluções inovadoras, de valor acrescentado, e já não se limitam a fornecer o sector da moda e têxteis-lar. Também indústrias de ponta, como o sector automóvel, aeronáutica, a área médica ou forças de segurança

António Moreira Gonçalves

Terá sido um dos sectores mais fustigados pela entrada da China na Organização Mundial de Comércio em 2001. A consequente liberalização dos mercados e a concorrência directa com a indústria asiática – com custos de produção mais baixos e preços impossíveis de competir – condenou muitas fiações da à falência ou, pelo menos, a uma mudança profunda na sua estratégia.

Com o desvio para Oriente do mercado de fios básicos – os chamados commodities, por serem uma matéria-prima com características uniformes e sem valor acrescentado – a indústria portuguesa viu desparecerem as vendas em grande volume. “Durante muitos anos trabalhamos com fios mais básicos. Grandes produções e grandes quantidades. Mas nessa área já não vale a pena produzir cá, tornou-se mais barato importar de países asiáticos”, explica António Alexandre Falcão, administrador da Fitexar e a terceira geração no negócio familiar fundado em 1957.

Em resposta à crise, que em 2009 levou as exportações têxteis a mínimos históricos, as empresas do sector remodelaram a sua estratégia e subiram na cadeia de valor. “A nossa indústria diferencia-se hoje por produzir fios que não existem em mais lado nenhum. Estamos a falar de fios mais técnicos, mais especializados e com uma qualidade superior. Esses sim, vale a pena produzir cá porque temos um know-how muito forte e uma boa capacidade de resposta, mesmo a problemas complexos”, afirma o responsável da empresa de Barcelos.

Nesta equação, tecnicidade e sustentabilidade andam normalmente lado a lado, com o mercado a procurar artigos com propriedades tecnológicas, mas com uma pegada ambiental cada vez mais reduzida. Antecipando as tendências, a Fitexar está a lançar no mercado um fio biodegradável PLA, produzido a partir de grãos de milho, que poderá ser utilizado como base para materiais inteligentes.

Rui Martins, CEO da Inovafil, vê também nos fios técnicos e sustentáveis o único caminho possível para os desígnios da indústria nacional. “Os fios básicos são produzidos na Ásia com um mínimo de qualidade e a preços que não justificam a produção em Portugal. Não é previsível que essa realidade venha a mudar a curto prazo”, garante.

Mas apesar dessa porta se ter fechado às exportações nacionais, Rui Martins destaca o surgimento de novos segmentos que vêm beneficiar a indústria portuguesa. “O que estamos a assistir é uma mutação do mercado muito rápida e a procura por fios sustentáveis abre uma nova janela de oportunidade para as empresas portuguesas.

António A. Falcão
“A nossa indústria diferencia-se por produzir fios que não existem em mais lado nenhum”
Todas as grandes marcas de moda querem criar uma imagem amiga do ambiente e o consumidor tem mais dificuldade em ver um produto sustentável se souber que ele é produzido na Ásia”, salienta o líder da fiação do grupo Mundifios.

Com os mercados europeus como principal destino das suas exportações – que representam mais de 30% da faturação da empresa – a Inovafil vê também compensada a sua aposta em artigos técnicos, como fios termoreguladores ou com retardância à chama, que vão sendo cada vez mais procurados para workwear ou para forças de segurança.

“Portugal apenas é competitivo se estiver focado em artigos técnicos e sustentáveis” concorda Maria Belém Machado, principal acionista de duas fiações: a SMBM, do pai Sérgio Machado; e a Tearfil, adquirida ao grupo MoreTextile no passado mês de julho.

Com um investimento de 3,5 milhões de euros planeado para a Tearfil, a empresária de Moreira de Cónegos vê apenas uma alternativa para o futuro da indústria portuguesa: “temos de trabalhar para a moda de alta qualidade e para marcas de excelência”.

Uma ideia reforçada por Paulo Melo, administrador da Somelos. “Sempre valeu a pena produzir fios em Portugal, mas hoje em dia temos de estar focados nos fios diferenciados, com muito valor acrescentado, know-how, e inovação permanente”, afirma, dando conta de uma política que já terá protegido a Somelos de maiores impactos no passado. “Desde 95 que apresentamos consecutivamente novas colecções e é por isso que exportamos atualmente 70% dos nossos fios, especialmente para mercados muito exigentes”, destaca o líder da histórica empresa de Ronfe, Guimarães.

“É sabido que as quantidades nas encomendas são cada vez menores, com prazos de entrega mais apertados e diversificadas, pelo que temos que estar preparados essencialmente ao nível da flexibilidade e de um acompanhamento de proximidade aos clientes”, explica Fátima Antunes, administradora da Lasa, que aponta a fórmula essencial para o sucesso no sector: “Uma fiação em Portugal apenas poderá ser competitiva se concentrar todos os seus esforços em 4 pilares fundamentais: qualidade de produto, serviço, eficiência e inovação”.

Por seu turno, Jorge Pereira, CEO da Lipaco, coloca a tónica na procura de sectores totalmente novos, que tornem a fiação portuguesa mais impermeável às variações da moda.

Maria Belém Machado
“Portugal é um país estável, o que permite à nossa indústria estar mais protegida e ser mais proactiva”
“Portugal consegue ser competitivo se se direcionar para áreas mais técnicas. Não podemos depender do sector moda que, para além de sazonal, está bastante saturado. Devemos diversificar para áreas mais especializadas, como o sector automóvel, a aeronáutica, as forças de segurança ou a área médica”, defende o líder da empresa de Esposende.

Habituada a trabalhar para sectores como o vestuário de trabalho ou de protecção, a Lipaco tem registado um aumento na procura dos fios mais técnicos, como os reflectores ou os de elasticidade acima da média. “Os clientes são cada vez mais exigentes, querem novidades, às vezes mesmo sem ter bem a certeza do que procuram. Vão batendo às portas até encontrarem a melhor solução e muitas vezes surpreendem-nos com as aplicações que pedem”, conta o administrador da empresa.

Mas nesta corrida pela procura constante de I&D, a palavra-chave que todos os empresários destacam é “persistência”. Num caminho que nunca está completo, a concorrência esforça-se por nos seguir os passos. “A indústria espanhola e italiana acompanham este percurso, e na Turquia registam-se também vários desenvolvimentos”, afirma António Alexandre Falcão.

“A principal ameaça vem de países como a Turquia, que são fortemente apoiados pela UE, e que às diversas vantagens face a Portugal – como o fato de terem o seu próprio algodão, ou os custos de trabalho ou energia bastante mais baratos – juntam ainda a componente cambial para desvirtuarem as regras de concorrência”, afirma Fátima Antunes. “As marcas que procuram uma componente de sustentabilidade e tecnicidade, mas têm critérios de preço, já encontram algumas soluções na Turquia”, reforça Rui Martins, da Inovafil.

Para Paulo Melo, depende muito do sector em que nos focarmos. “Na fiação algodoeira, não há mais nenhum país a fazer o que nós fazemos; na fiação laneira, a indústria italiana sempre foi muito forte”, resume o administrador da Somelos.

Já Maria Belém Machado, apesar de reconhecer as ameaças externas, nomeadamente a turca, prefere sublinhar as vantagens do nosso país: “Apesar de tudo, Portugal tem sempre uma grande estabilidade política, social e económica, que permite à nossa indústria estar mais protegida e ser mais proactiva na procura de novas soluções”.

Partilhar