As perspectivas já não eram as mais animadoras para o quarto trimestre de 2023, mas a crise política que se instalou em Portugal, culminando na demissão do primeiro-ministro António Costa e na convocação de eleições antecipadas para 10 de março de 2024, só vem agravar o cenário para a ITV nacional. Com receio que a atual instabilidade política se traduza em mais atrasos na execução do PRR, os empresários ouvidos pelo T Jornal admitem que em causa pode estar a reputação internacional do país e o cumprimento das metas para a sustentabilidade ambiental do sector. E se a possibilidade de o Orçamento de Estado para 2024 não ser aprovado está ultrapassada, é praticamente impossível que o próximo governo não venha a produzir um orçamento retificativo – mudando novamente pelo menos alguns dos pressupostos do que está em vigor. Para todos os efeitos, é um ano dividido em duas partes, não necessariamente coincidentes.
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A juntar a uma crise económica e social já instalada no país, soma-se agora um abanão político sem precedentes em Portugal que não permite antever boas perspetivas nem para a economia nacional como um todo, nem para o sector têxtil em particular.
Mário Jorge Machado, presidente da ATP, considera que “estamos numa fase de transição entre quadros comunitários que precisavam de já estar em funcionamento e já estão atrasados. O receio é que tudo venha a ficar ainda mais atrasado”, numa altura em que é fundamental que as empresas se encontrem preparadas para o ano claramente desafiante de 2024.
Esta é, de alguma forma, a opinião dos players do sector, para quem, nas palavras de Hélder Rosendo, da TMG, a crise política “não pode seguramente trazer nada de positivo”. Entre os obstáculos que se preveem, o consultor refere expectáveis “atrasos na execução do PRR [que] “aumenta consequentemente a probabilidade de uma nova queda no PIB”. Por isso, considera ser fundamental “avaliar os efeitos desta crise na confiança do investimento estrangeiro e na reputação internacional de Portugal” lembrando, no entanto, que a economia “já tinha sofrido uma forte queda no terceiro trimestre e o quarto não parece indicar uma viragem significativa”. Ou seja, no entender de Hélder Rosendo, “mesmo antes da crise israelo-palestiniana e da demissão do primeiro-ministro” o cenário já não era muito animador.
Para José Robalo, presidente da ANIL, “é mau para as empresas porque vão ficar sem capacidade de decisão externa”. “Há neste momento investimentos importantes a serem feitos, nomeadamente ao nível do PRR, que podem atrasar e que pressupõem um alto nível de compromisso por parte das empresas”. “A economia não se compadece com mais um ano parado”, “estamos num processo complexo, num grande esforço de cumprimentos de padrões sustentáveis, nomeadamente da descarbonização da indústria, que requerem uma monitorização muito frequente”.
Segundo André Rodrigues, administrador do Grupo Impetus, “as empresas já enfrentam hoje o desafio de gerir a instabilidade externa e o impacto que isso traz na projeção do seu volume de exportação. A instabilidade política é sempre indesejável, muito mais numa altura de crise económica e social – porque é claro o problema de acesso ao crédito pelas empresas e famílias, a redução de poder de compra pelo aumento de custos e a carga fiscal. Num momento como este, seria de desejar um governo de maioria estável, a aplicar medidas estruturais e fiscais que permitissem uma melhor gestão da situação atual e potenciar oportunidades para o país no futuro”. “A aplicação de fundos europeus e o PRR com sucesso e atempadamente está também relacionada com a estabilidade de governo e da governação. Existem programas, agendas e fundos europeus com investimentos previstos que não devem ser alterados na sua execução devido a mudanças politicas pois só iria piorar ainda mais o panorama nacional”.
Já para Manuel Gonçalves, CEO do Grupo TMG, as coisas passam-se de forma diferente: “O OE24 não tem matérias que possam materialmente afetar a continuidade e o desenvolvimento das empresas em Portugal, mas também não traz grandes novidades ou incentivos para as mesmas. Existem, no entanto, alguns aspetos que poderiam ajudar em algumas dimensões. Na retenção e captação de talento: a não atualização dos montantes e limites de isenção de IRS jovem; a incerteza quanto ao regime dos residentes não habituais; a não entrada em vigor da isenção de IRS para os montantes atribuídos aos trabalhadores a título de participação nos lucros das empresas; a não atualização do regime de ganho derivados de planos de ações: Já na tributação ao nível das empresas: a não aplicação das taxas de tributação autónoma nos veículos movidos a gás e gasolina; a não aplicação da redução do período de amortização do Goodwill; a não depreciação acelerada dos imóveis detidos, construídos, adquiridos ou reconvertidos; a não majoração em 20% dos encargos com energia; e a não majoração das taxas do regime fiscal de incentivo à capitalização das empresas”.
Paulo Melo, CEO da Somelos, teme que, “o Banco de Fomento e as linhas de apoio para a indústria” sejam afetadas. Mas não só: “quem perde é o país e envergonha todos os exportadores que andam a promover os produtos produzidos em Portugal”. Porque, sentencia, “não tenhamos dúvidas que nos olham agora de forma diferente” face “à falta de responsabilidade dos políticos a todos os níveis”.
Finalmente, para Susana Serrano, CEO da Acatel, o ano que se aproxima vai ter vários impactos, desde logo o do “aumento dos salários”, o que “na conjuntura que temos hoje, é algo que tem de ser muito bem trabalhado. Há desde logo “uma insegurança” que tem impacto: “quem vai comprar, sente-se mais inseguro a fazê-lo. O consumo vai retrair-se”, o que terá evidentemente impacto negativo na indústria. Se o OE24 não for mexido, “menos mal”, mas se o próximo governo fizer um novo orçamento, vão ser vários meses de espera, primeiro pelas eleições de março, depois pelo retificativo e o país pára”.
As perspetivas são, por isso, sombrias e ninguém parece ter dúvidas que pelo menos o consumo, o ‘parente rico’ do OE24, recorde-se, vai sofrer as consequências de mais um momento de crise – este, desta vez, evitável.