Encarado como uma boa iniciativa para proteger a indústria têxtil europeia, o caminho até ao Passaporte Digital de Produto está já a ser trilhado por grande parte das empresas têxteis. Na prática, muitas empresas já estão a operar ao nível da rastreabilidade dos produtos. O importante agora é perceber como vai esta informação ser transmitida ao consumidor final para que não se entre numa “luta de etiquetas sem valor acrescentado”.
T
Tido como um elemento identificador da produção, o Passaporte Digital é bem mais que isso: é um instrumento de regulação que, entre outras finalidades, pretende estabelecer uma fronteira musculada entre os princípios que (cada vez mais) lideram a indústria europeia e o caos (ou no mínimo o desconhecimento) do que entra no espaço do bloco dos 27 debaixo de uma identidade nebulosa.
Neste contexto, o Passaporte Digital é também um mecanismo de precisão que transferir capacidade concorrencial à indústria europeia. O perigo, evidentemente, é o excesso de uniformização no largo espaço comum. Mas não é um selo que vai impedir as empresas portuguesas de continuarem a apostar na diferenciação pela qualidade, inovação, sustentabilidade e destreza logística.
Para Paulo Melo, CEO da Somelos, “em termos teóricos o Passaporte Digital de Produto é uma boa iniciativa de proteção da indústria europeia e de valorização dos produtos. Em termos práticos é preciso compreender como vai a Euratex e as demais entidades competentes garantir que este esforço dos empresários europeus não vai ser contaminado por produtos não sustentáveis vindos de outras partes do mundo e que podem contaminar o nosso ciclo, que se quer limpo. Como vai ser feito esse controlo?”, questiona.
Na realidade, a Somelos já faz esse trabalho de rastreabilidade: “passamos a informação aos nossos clientes desde onde é plantado o algodão até ao processo de confeção; por isso, o exercício agora é apenas o de verter essa informação para o Passaporte Digital. Mas é importante que haja transparência e rigor neste processo para efetivamente comunicarmos e entrarmos na mente dos consumidores, ao invés de se entrar numa luta de etiquetas sem valor acrescentado”, conclui.
Por seu turno, Ricardo Silva, CEO da Tintex, considera que o passaporte digital “é uma excelente iniciativa de proteção da indústria e do consumidor e que, se pensarmos, é hoje já feita com grande sucesso na área dos eletrodomésticos.
Mas são precisos cuidados, explica: “naturalmente, é preciso perceber como se vai processar este Passaporte Digital. Por um lado, as empresas têm de estar ligadas entre si e, por outro, têm de, internamente, recolher os próprios dados”. E exemplifica: “na Tintex, estamos já a fazê-lo, desde toda a informação na composição do fio até aos dados energéticos, hídricos e químicos na tinturaria. Depois será preciso perceber como se vai uniformizar os dados a nível europeu. Em Portugal temos projetos a decorrer de uma determinada forma, será preciso uniformizar esses dados com os outros países da Europa…“
“Em todo o caso, as empresas da área das tecnologias de informação estão dentro do processo, os empresários estão cientes e empenhados, as marcas verdadeiramente interessadas e, acredito piamente, também o consumidor estará cada vez mais comprometido com estas questões ambientais e de bem-estar”.
Para Alfredo Moreira, administrador da Baby Gi, “ainda nos estamos a preparar e a tentar compreender com mais rigor como se vai processar este Passaporte Digital, mas como nos vamos candidatar a um novo projeto no âmbito da indústria 4.0 e da sustentabilidade, vamos com certeza aproveitar para nos debruçarmos sobre essa questão”.
De qualquer modo, afirma, “a nossa marca produz peças 100% com algodão e, seja de fornecedores nacionais ou internacionais, trabalhamos apenas com produtos certificados. Para além disso, uma vez que utilizamos apenas tons suaves (azul celeste, rosa bebé, cru, branco pérola) o impacto na tinturaria e, portanto, nos recursos hídricos, é à partida baixo.
Já para Susana Serrano, CEO da Acatel, o projeto de passaporte digital “é uma questão fundamental para a empresa, que já no ano passado começou a investir num projeto de descarbonização. Podemos dizer que ainda não estamos a 100% no que à rastreabilidade de cada encomenda diz respeito, mas estamos já muito perto disso”. Mas o comprometimento da empresa que dirige não fica por aqui: “para além da área dos serviços, somos hoje também uma empresa vertical e aí já temos projetos a decorrer onde é possível acompanhar uma peça desde o momento exato em que o algodão foi colhido na Austrália até à peça final, tendo a informação sobre os consumos de água, os custos energéticos e outros fatores por forma a obtermos a pegada carbónica de cada produto”.
Exemplo disto é o projeto desenvolvido com a Good Earth Cotton, “um programa moderno de agricultura regenerativa que apoia métodos de cultivo de algodão que respeitam o ambiente, sendo que através da utilização da tecnologia Fibretrace – que combina o rastreamento físico e digital – é possível seguir o algodão proveniente das quintas onde é cultivado até ao seu destino final. Mas há mais projetos a decorrer, estamos empenhados nesta fundamental mudança de paradigma”, confessa a CEO da Acatel.
Para José Manuel Vilas Boas Ferreira, CEO do grupo Valérius, “o Passaporte Digital é fundamentalmente uma forma de nos ajudar face à concorrência desleal que nos chega dos países da Ásia”. Só desta forma, armando defesas em torno do sector, é que “a reindustrialização da Europa e o desenvolvimento da indústria que existe no nosso país pode ser uma realidade”. Sem a qual, adverte Vilas Boas Ferreira.