T82 - Abril 23

A agenda do trabalho digna vai ser benéfica para as empresas?

As empresas e associações empresariais convergem na opinião segundo a qual qualquer alteração das Leis do Trabalho que insista na rigidez ou na diminuição da flexibilidade da componente do trabalho no conjunto da economia acabam por ter os efeitos contrários ao que pretende implementar. Uma ‘guerrilha’ antiga entre empresas e partidos – ou mais propriamente entre associações empresariais e os ministérios governamentais que têm impacto nas Leis do Trabalho, a começar pelo Ministério das Finanças.

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O desentendimento face à Agenda Para o Trabalho Digno, já em vigor, começa no que pode observar-se como um axioma: quanto mais rígidas são as leis do trabalho, menor apetência têm as empresas para contratar – o que induz pressão sobre a taxa de desemprego e acaba por influenciar negativamente, a prazo, a sustentabilidade da Segurança Social. As associações e as empresas ouvidas pelo T Jornal são claras sobre esta matéria.

Mário Jorge Machado, presidente da ATP, lembra uma ‘curiosidade’: “Mário Centeno, atual governador do Banco de Portugal, é especialista na área: tem trabalho publicado em que mostra que regimes mais flexíveis e menos rígidos são criadores de mais emprego e melhor emprego. A rigidez tem consequências muito negativas para a economia”, refere. Como diz, “infelizmente, quem faz as leis são pessoas que não têm nenhuma experiência empresarial. Como tal, fazem leis que dificultam o empreendedorismo. E ao dificultá-lo, acabam por dificultar a criação de empregos e principalmente empregos de mais valor. A nova lei vai exatamente na direção oposta daquilo que devia ser feito”. 

Portanto, o axioma não é verdadeiro para todos: “é a mesma coisa que tentar explicar a algumas pessoas que a terra não é plana. É lutar contra um dogma. Aparentemente, dar mais garantias de emprego parece uma excelente ideia. Esquecem-se que os negócios são dinâmicos: é preciso contratar, é preciso avaliar e há alturas em que é preciso emagrecer”, refere Mário Jorge Machado.

E dá um exemplo prático que só a fraca memória geral já fez desaparecer: “as pessoas esquecem-se que antes da Troika, os valores do desemprego andavam nos 8% a 10% – e só caíram para valores da ordem dos 7% graças à alteração da legislação laboral que o PS assinou com a Troika – no sentido de alguma flexibilização”, conclui o presidente da ATP.

Do mesmo modo, José Alberto Robalo, presidente da Associação Nacional dos Industriais de Lanifícios (ANIL) afirma que “tenho a impressão que tudo o que é legislação sobre o trabalho é feita um bocado em cima do joelho. Nunca é uma agenda onde as empresas tenham uma palavra a dizer. Parece-me um pouco ao sabor do que é politicamente correto em certas alturas, às vezes sem critérios económicos, sem critérios sociais”.

Agenda de Trabalho Digno
As associações e as empresas ouvidas pelo T Jornal são claras sobre esta matéria

E também vai ao passado: “continuam a considerar as empresas – atrevia-me a dizer quase desde o 25 de Abril de 1974 – como inimigas dos trabalhadores. Na prática devia haver leis laborais que pusessem todos num plano de igualdade, que preservassem a economia. E ter leis do trabalho que permitissem o desenvolvimento rápido”. “Acho sobretudo que houve uma grande falta de diálogo com as associações patronais no sentido de todo este pacote laboral servir para ajudar a economia e não para causar mais entraves. Sempre numa perspetiva que as empresas estão contra os trabalhadores e que o que é bom para as empresas e mau para os trabalhadores. Nesse confronto, não me parece que a nova legislação vá ajudar o país”, conclui José Alberto Robalo. 

António Amorim, presidente do CITEVE, toca numa questão essencial: a da capacitação do fator trabalho como forma de aumentar a produtividade. “O que é importante neste momento é criar condições para que os jovens tenham formação suficiente para acompanharem o desenvolvimento tecnológico. No CITEVE e no CeNTI estamos a admitir muita gente jovem a sair das universidades, tentando captar talentos, o que vai ser crucial. Estamos a viver uma revolução enorme em termos de desenvolvimento tecnológico. Vai ser tudo muito diferente da realidade de um passado muito recente. É preciso formar essas pessoas”, refere.

Sem esquecer o outro lado: “também é preciso dar condições para que os empresários e os empregadores tenham ferramentas para que possam reter essas pessoas. Já não falo no aspeto dos ordenados, porque têm vindo a subir – mas é preciso ter condições para que essas pessoas fiquem. Sem dúvida que os salários deviam estar mais indexados à produtividade que às leis. Para pagarmos, temos de ter produtividade e valor acrescentado. Ou através do conhecimento ou do trabalho, é preciso que as pessoas acrescentem valor. Não é por decreto que vamos resolver o problema dos salários baixos. Não é com proteção do trabalho que se vão resolver os problemas”, afirmou António Amorim.

Para Ana Vaz Pinheiro, administradora da Mundotêxtil (580 trabalhadores) nem tudo o que é o novo quadro legal é negativo para as empresas. “Dentro das cerca de 70 medidas, haverá algumas que serão contraproducentes.

As empresas e associações empresariais
Convergem na opinião segundo a qual qualquer alteração das Leis do Trabalho que insista na rigidez ou na diminuição da flexibilidade da componente do trabalho no conjunto da economia acabam por ter os efeitos contrários ao que pretende implementar
Há outras que devem ser implementadas. Tenho muitas dúvidas quanto à bondade de algumas medidas”, refere. E dá um exemplo claro: “algumas medidas serão contraproducentes, nomeadamente no que tem a ver com os estágios profissionais: acho que os estágios profissionais vão diminuir tendo em conta que passam a ser remunerados com um mínimo de 80% do salário mínimo nacional. Entendo que há essa necessidade até porque é um estágio ministrado numa idade em que já se está a entrar no mercado de trabalho – como acontecia até agora, integrando-os com uma contrapartida, estava a funcionar”. As consequências são, para Ana Vaz Pinheiro, que “em vez de termos 20 ou 30 estagiários, se calhar só vamos ter cinco ou seis”.

“Tudo o que seja licença gestacional, falecimento pelo cônjuge, os cuidadores informais, acho muito bem. A questão da igualdade entre homens e mulheres nomeadamente no que respeita às mesas funções, acho que é importante. A maior parte destas medidas já estão incorporadas nas contratações” do grupo Mundotêxtil”. E conclui afirmando que “acho que, claro que sim, é importante combater a precariedade principalmente no trabalho jovem. Mas reduzir para quatro o número de contratações por trabalho temporário, acho que vai dissuasor na contratação de jovens”.

O CEO da Somelos (730 trabalhadores), Paulo Melo confirma que, com este tipo de rijidificação das Leis do Trabalho, “cada vez é mais complicado trabalhar em Portugal. Tem de haver algumas contrapartidas, tem de haver maior liberalização do mercado laboral porque se o ritmo que vemos atualmente continua – embora a taxa de desemprego seja pequena – não sei se no futuro irá ser melhor. Irá ser muito maior. Neste timing, não havia necessidade nenhuma de estas alterações estarem a ser introduzidas”. 

Finalmente João Almeida, administrador da JF Almeida (805 trabalhadores), considera que “com leis menos flexíveis vai contratar-se menos, não havendo criação de postos de trabalho. Este tipo de leis só fazem com que coloquemos o pé no travão. Se há menos flexibilidade, não somos nós que vamos correr o risco, com estas oscilações do mercado, de contratar. Se houver mais falta de flexibilidade, vamos novamente para as contratações com empresas de trabalho temporário. Vai crescer outra vez a precariedade”.

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