T71 - Março/Abril 2022

“Que impactos vão ter os custos da energia e a guerra nas exportações?”

O cenário que todos temiam tornou-se realidade. A guerra regressou mesmo ao solo europeu, juntando-se à escalada descontrolada dos custos da energia numa séria ameaça à actividade industrial numa altura em que se preparava para respirar fundo – sem máscara – e dar início à tão esperada recuperação pós-pandemia.

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Os empresários têxteis portugueses não têm dúvidas: as exportações vão-se retrair e a energia pode ser a estocada final para muitas das empresas do setor. Sem um pacote de apoios à manutenção da actividade o setor pode colapsar, mas o remédio tarda em demasia e para muitos pode já nem chegar a tempo.  

Não bastava já o aumento exponencial dos custos da electricidade e do gás e o surgimento da guerra com a invasão da Ucrânia veio complicar ainda mais o quadro já de si sombrio para o evoluir das exportações. “Em clima de instabilidade, os comportamentos de compra retraem-se sempre” e por isso o CEO da Adalberto, Mário Jorge Machado, não tem dúvidas de que a guerra vai afetar – e muito – as exportações têxteis. 

“Paralelamente, os custos da energia subiram muito mais na Europa do que em outros mercados nossos concorrentes. Sabemos já de casos em que as encomendas estão a ser desviadas para países como a Turquia, que conseguem manter os preços mais baixos por não terem sofrido este agravamento dos preços da energia”, expõe o também presidente da ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, explicando que durante as primeiras semanas de conflito as vendas das várias cadeiras de produção caíram na ordem dos 25% em comparação com as semanas anteriores. 

Há um risco grande da Europa, caso estes custos se mantenham por um período mais alargado, perder os seus clientes que poderão deslocalizar as suas produções para a Ásia, para países como a Índia ou o Paquistão com um custo irreversível para toda a indústria europeia” previne o Diretor Executivo da TMG, Manuel Gonçalves. Da mesma forma Vitor Abreu, CEO da Endutex, diz que “é preciso compreender que não estamos sozinhos no mercado há concorrência de fora da UE que tem outras condições que nós não temos. Estamos num problema em que a única solução são apoios que cubram este aumento de preços da energia”, conclui.

António Cunha, Sales Manager e Market Director na Orfama, não tem dúvidas de que o aumento dos custos energéticos combinado com a incerteza trazida pelo conflito militar é a receita perfeita para que os clientes retraiam as suas compras. “A curto e médio prazo, as empresas não vão ficar imunes a todos estes aumentos dos custos e vão também começar a sofrer o impacto de um abrandamento da economia mundial, particularmente a europeia. E a junção destes dois factores vai afetar no futuro as exportações. Só mais à frente iremos saber quanto!”, antevê sem, no entanto, deixar de acreditar que para o setor têxtil o sucesso é sempre possível.

Vítor Abreu, Endutex
“A única solução são apoios que cubram estes aumentos de preços da energia”

“Continuo a ter grande otimismo em relação à capacidade de resiliência e inovação do setor. Precisamos ter em mente que a perspetiva de crescimento poderá ainda ser possível neste contexto, embora menos forte do que prevíamos no início do ano”, acredita António Cunha, na esperança de que os anunciados apoios do Estado possam ser o bálsamo que as empresas precisam. 

Por isso, Mário Jorge Machado fala em aproveitar ao máximo as ajudas anunciadas pelo governo e estâncias europeias e esperar ansiosamente pelo fim do conflito. “Foi já aprovado pela UE um apoio aos estados membros, que deverá ser canalizado para as empresas que mais estão a ser impactadas por estas subidas. Não resolve o aumento global sentido nas empresas, nem lá perto, mas é uma ajuda. Precisamos também de encontrar uma alternativa à Rússia, que foi quem nos pôs nesta situação dramática, como a grande fornecedora de gás da Europa”, completa.

Mas há já quem não tenha dúvidas de que o setor dependente da chegada de apoios. “A situação é absolutamente insuportável. Neste momento as empresas estão em estado de emergência e muito rapidamente, se nada for feito, podemos passar a um estado de calamidade”, avisa o CEO da Inarbel, José Armindo Ferraz, certo de que apenas a ação governamental pode ajudar a aliviar este fardo pesadíssimo. 

“O governo tem de por mão nisto e baixar os impostos cobrados, tanto às empresas como aos produtos petrolíferos, ao gás e à energia. E os milhões do PRR, que estão mesmo aí à porta, devem ser usados para apoiar as empresas, com percentagens de fundo perdido muito superiores àquelas que estão a ser propostas, que são entre 25% e 35%. Isso é muito pouco. Afinal queremos reindustrializar o país e a Europa ou queremos acabar com a indústria?”, questiona Ferraz, reclamando que estes apoios deveriam estar perto dos 100%. 

“Esse dinheiro devia ser usado na colocação de painéis solares, na compra de máquinas para a criação de vapor, como termoacumuladores para as caldeiras, e assim reduzir os custos com a energia. Seria uma ajuda preciosa porque neste momento, após vários anos de pandemia extremamente difíceis, as empresas não conseguem fazer esse investimento sozinhas. Só assim podemos ser competitivos”, garante o empresário. 

“Já é notório um recuo nas encomendas”, diz, por seu lado, Paulo Faria, diretor comercial da têxtil Paula Borges, que considera “inevitável o abrandamento nas exportações” enquanto não se encontrar uma solução para o conflito. “Depois da pandemia, esta pode ser uma machadada final, da qual dificilmente nos levantaremos… E aí, aliada a uma crise laboral, teremos uma crise social a escalas nunca vistas, não haja ilusões”.

Rui Machado, BeStitch
“Por este caminho daqui a meio ano não há empresas, é mais vantajoso parar”
Por isso, diz, “cabe ao governo português avançar o mais rapidamente possível com soluções e apoios imediatos para a indústria, caso contrário as falências vão ser em massa”. 

Nuno Silva, CEO da NGS Malhas, considera igualmente que está nas mãos do governo ajudar as empresas. “O Estado não se pode esquecer que é o nosso maior sócio. Se nada for feito a nível governamental, será a morte anunciada do setor têxtil nacional”, sentencia o empresário, antevendo um futuro bastante negro para o setor caso as empresas sejam deixadas à sua sorte.

Paulo Melo, diretor do Grupo Somelos, entende que a par dos apoios e das linhas de crédito o Governo tem também que diminuir IRC e outras tributações e aplicar o lay-off simplificado. “É vital que as fábricas possam encerrar um ou dois dias por semana se virem que isso é mais vantajoso. Foi o que aconteceu na pandemia e este período que estamos a atravessar vai ser muito pior para o setor do que a pandemia alguma vez foi”. 

Já quanto às exportações portuguesas, acredita que o conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia poderá não ter um impacto direto. “Quem sofrerá mais serão as empresas dedicadas à mass fashion e não os produtores de valor acrescentado, que representam a maioria do setor têxtil nacional”. O segredo, garante, está em não ter medo de cobrar o justo pela qualidade do made in Portugal. 

“Mesmo que não tivesse eclodido a guerra na Ucrânia, os preços iriam forçosamente subir devido à inflação. Claro que o conflito vem agravar esta subida, mas as empresas, se querem sobreviver, têm de fazer refletir essa subida no preço dos seus produtos”, diz, explicando que “o que não pode ser feito em momento algum é diminuir o lucro das empresas. Não podemos ter medo de subir os preços”.

Mas essa não é, no entanto, uma solução fácil. “Fizemos uma revisão de preço em novembro e outra em janeiro e o que estamos a entregar agora deveria ter um aumento de 40%. Ninguém aceita aumentos de 40%”, exclama Rui Machado CEO da BeStitch. “O lucro não existe, desapareceu, não há. Já perdi clientes e foi para a Turquia”, complementa a CEO da Acatel, Susana Serrano. É por isso Rui Machado pede uma urgente intervenção do Governo: “Por este caminho, daqui a meio ano não há empresas, é mais vantajoso parar”.

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