T40 - Fevereiro 19

Os têxteis técnicos vão estar mesmo em toda a parte?

Os têxteis técnicos, fruto de uma ligação virtuosa entre a academia e as empresas, assumem racionalidade de negócio, lugar de destaque ao nível da inovação e capacidade para solidificar a perceção do exterior face à indústria têxtil e do vestuário nacional. Nesse quadro, importa saber quais são as espectativas de futuro de uma área que, numa mistura entre ficção e realidade, vasculha os limites da imaginação e abre portas ao admirável mundo novo dos negócios.

António Freitas de Sousa

Os têxteis técnicos assumem, no contexto da indústria têxtil e da moda nacional, uma importância cada vez mais incontornável: são a prova de que a academia e a indústria criaram uma ponte de alicerces duradouros que durante décadas não passava de um projeto mal desenhado, passando a fazer parte do ADN que a comunidade internacional reconhece ao têxtil português.

Por outro lado, são também uma fonte de receita que a indústria já consolidou – desde logo porque o valor-acrescentado que alavancam é um poderoso indutor de lucros – e um fator de geração de emprego altamente qualificado, que contribui para estancar a drenagem de cérebros para fora das fronteiras nacionais.

Sendo uma atividade de topo da investigação e desenvolvimento, é por definição um segmento que tem de ser alimentado constantemente, sob pena de perder a fluidez que atingiu e de colocar em perigo o seu casamento virtuoso com a indústria.

Importa por isso perceber para onde vai um setor que, ao menos para os leigos, confunde realidade e ficção e atinge patamares que antes eram apenas uma impossibilidade vagamente criativa.

“Incorporação de ‘inteligência’ para monitorização, controlo, atuação, ou seja, o futuro dos têxteis técnicos são os têxteis ‘smart’, os têxteis multifuncionais, com múltiplas aplicações, de que destaco as áreas médica (próteses, ligamentos, artérias), automóvel (revestimento interior, airbags), de proteção (equipamentos de proteção individual, coletes à prova de bala…)”, refere Ana Maria Rocha, Centro de Ciência e Tecnologia Têxtil (2C2T).

Ou, como resume Braz Costa, “o céu é o limite”. Para o diretor geral do CITEVE, “quando estamos a falar de têxteis técnicos, estamos a falar de ciência e tecnologia de materiais que se debate nos têxteis como em qualquer outro setor – com a particularidade que são materiais que algures hão-de passar por uma fase em que são fibras”.

“Não há grande limitação à imaginação sobre aquilo que a evolução dos materiais têxteis de aplicação técnica vão ter”, resume. Para recordar que, já neste momento, “os aviões da nova geração incorporam entre 55% a 60% de materiais têxteis ou de base têxtil, nomeadamente, por exemplo, as pás dos reatores”.

É aqui que se situa um dos grandes desafios dos têxteis técnicos: “a mobilidade elétrica”, diz Braz Costa.

Ana Maria Rocha
"O futuro dos têxteis técnicos são os têxteis ‘smart’, multifuncionais, com múltiplas aplicações"
“Mas a atribuição de funcionalidades aos materiais é também um caminho, para a cosmética, para a medicina, e também já agora para a moda”.

Para Miguel Pacheco, responsável pela Heliotextil – uma das empresas de maior destaque no segmento – “os têxteis técnicos têm sempre de responder a necessidades de uso, na defesa pessoal (como os bombeiros), no desporto. Mas há também o uso tecnológico, que integra têxtil e microeletrónica e que permite criar uma série de funcionalidades. É uma área de futuro porque permite integrar as funcionalidades com plataformas digitais tipo APP, que permitem gerir processos e criar interatividade”. “A aplicação destas tecnologias resulta disto mesmo: da necessidade e da imaginação”, refere, para concluir que “a integração do mundo digital com o setor têxtil já é uma realidade”, e não apenas uma ficção.

Alexandre Marques, quadro do poderoso grupo ZF, de origem alemã (componentes automóveis), corrobora: “os têxteis técnicos jogam um papel importantíssimo naquilo a que se chama os têxteis inteligentes; há aí uma evolução prevista dos têxteis em relação a outros materiais, pela sua flexibilidade, pela sua massa e pela sua capacidade de acomodação”. “A ligação entre o têxtil, as tecnologias de informação e a internet das coisas” é o caminho a seguir.

Alexandre Marques quis ainda salientar que “o esforço que o Estado tem feito ao longo dos últimos oito anos, alavancado pelos fundos comunitários, tem sido muito importante para a ligação entre a academia e a indústria, o que é muito atrativo para as multinacionais – cativando o investimento estrangeiro”. Mais: “em Portugal está a criar-se uma conjuntura muito favorável, que cria um triângulo entre as indústrias, a academia e os fundos, que tem sido fundamental”.

Ana Maria Rocha, que está num daqueles três pilares sem deixar de estar nos outros, sintetiza: vamos usar os têxteis como plataformas ou interfaces para a comunicação, desde sinais vitais, por exemplo, para identificação; depois temos a área dos materiais propriamente ditos, que tem a ver com a investigação de novos materiais, em larga medida ligados à física, à química, à eletrónica”. “Plantas e escamas de peixe”, são apenas dois materiais que estão em cima da ‘mesa de observação’.

o céu é o limite
"Não há grande limitação à imaginação quanto à evolução que os têxteis técnicos vão ter”, garante Braz Costa

Mas, nestas áreas, Ana Maria Rocha recorda que a investigação pura não pode ser deixada para trás. Isto é, há uma área de ligação entre a academia e a indústria, e há outra onde a indústria não entra: “também tem de haver investigação fundamental,    que não está ligada à indústria, sob pena de não se avançar, em áreas que não são diretamente aplicáveis”.

Por seu turno, Paulo Vaz, diretor geral da ATP, estabelece a ligação intrínseca que deve presidir ao engajamento entre a academia e a indústria – no sentido em que a investigação caminha bem com o racional de negócio. “Os têxteis técnicos têm um futuro brilhante porque é um setor que, já não sendo emergente, tem um potencial de crescimento muito grande, está fortemente alavancado em vários setores – saúde, construção, automóvel, aeronáutica. Há quem diga que 75% dos têxteis ainda estão por inventar”, refere.

Do lado do negócio, as mesmas perspetivas de continuidade: “não é por acaso que muitas empresas, nos últimos dez ou vinte anos, passaram do têxtil mais convencional para as áreas mais técnicas. Há grande potencial de desenvolvimento numa área que é uma diversificação ou uma alternativa aos segmentos mais tradicionais”.

Mas Paulo Vaz não quis deixar de salientar outro aspeto fundamental: o da perceção dos mercados externos em relação ao envolvimento entre a academia e a indústria nacionais. “Temos uma fortíssima reputação, alcançada essencialmente na última década muito à custa da transferência de conhecimento que quer a academia quer os centros tecnológicos conseguiram passar para as empresas, numa lógica muito adequada: não por simples exercício intelectual, mas porque as empresas assim o exigiram, pare resolver problemas concretos mas sobretudo porque era negócio. Isso teve um enorme efeito multiplicador na expansão, mas também na consolidação da imagem externa. O mundo olha para Portugal como um dos países que está na vanguarda da inovação tecnológica”, resume. “Foi também trabalho da ATP e da Selectiva Moda, que levaram estas soluções para feiras internacionais de uma forma pioneira”, recorda.

Resumidamente, os têxteis técnicos portugueses têm o céu como limite mas os pés bem assentes na terra.

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