T52 - Abril 20

Covid-19: a ameaça pode virar oportunidade para a nossa ITV?

Com as tradicionais cadeias de fornecimento interrompidas, a indústria têxtil e de vestuário deu provas, mais uma vez, da sua capacidade de adaptação, iniciativa e inovação, e muitas empresas estão agora focadas na produção de máscaras e outros equipamentos de protecção individual. Num ápice, o sector mostrou que é capaz de suprir as necessidades internas mas logo se avançou para a ideia de um cluster para a saúde e o propósito de abastecer toda a Europa. Já há know-how e nenhum outro país do velho continente mantém a nossa capacidade industrial.

António Moreira Gonçalves

A travagem brusca da economia causada pelo Coronavírus encontrou na indústria têxtil uma criativa inquietude na procura por soluções. Ainda o primeiro impacto da epidemia se começava a fazer sentir, e já havia pequenas, médias e grandes empresas a readaptarem as suas linhas de produção para fabricar novos produtos, como batas, máscaras ou outros equipamentos de proteção individual.

Capacidade, iniciativa e força de vontade são algumas das expressões mais utilizadas pelos próprios empresários para descrever o caminho que a ITV portuguesa tem percorrido nas últimas semanas. O jornal francês Le Figaro já destacou “uma poderosa indústria têxtil que pensa em exportar” e que no espaço de um mês criou um sistema que se propõe a fornecer toda a Europa, com produtos certificados, capazes de aliar a proteção à sustentabilidade e ao design de moda.

E mesmo que, por enquanto, apenas um quarto das empresas encare produção de equipamentos de protecção como alternativa de futuro – de acordo com o último inquérito da ATP – esta readaptação tem-se revelado vital para manter alguma actividade no sector num contexto de crise generalizada. Uma capacidade de iniciativa para o presidente da ATP “éum grande orgulho” mas que está longe e ser a panaceia para as consequências da pandemia. “Não chega a tanto, este tipo de produção é uma gota no oceano que é o têxtil”, diz Mário Jorge Machado.

Com muitas empresas por ora concentradas na produção de máscaras sociais e outros equipamentos de protecção, o sector começa a falar também na possibilidade do nascimento de um cluster têxtil vocacionado para a saúde e na capacidade de acorrer às necessidades dos mais de 500 milhões de europeus. E as perspectivas começam a ser animadoras com as abordagens com vista a encomendas que não param de chegar dos grandes grupos da moda e distribuição, agora que o caminho da China foi posto em questão.

Será que a reação da nossa ITV à presente ameaça da Covid-19 pode tornar-se numa nova oportunidade para o setor? As opiniões dividem-se, mas pelo menos num ponto são convergentes: o vírus está a colocar à prova a capacidade de inovação e de certificação da ITV portuguesa, e qualquer que seja o cenário por trás da cortina o sector estará mais preparado para enfrentar o futuro.

Susana Serrano
“Vemos as máscaras como uma nova área de negócio, mas não será o futuro da Adalberto”

“É uma oportunidade que não substitui o negócio das empresas, mas há um valor e um conhecimento que se cria que vai para além dos artigos que são produzidos”, afirma Artur Soutinho, CEO do grupo Moretextile. Com o mercado dos têxteis-lar em stand-by, a empresa tem apostado na concepção de novos modelos de máscaras, uma nova aposta pensada sobretudo a curto-prazo. “Mesmo que as máscaras não se vendam para sempre, há um know-how e uma engenharia de produto que ficam e que serão uma vantagem em qualquer ocasião”, acrescenta.

Também Miguel Mendes, administrador da A. Sampaio, diferencia os efeitos a curto e a longo-prazo. “Neste momento as empresas estão à procura do que é vendável. A necessidade obrigou a uma adaptação e a têxtil tem mostrado uma brutal resiliência que faz parte da sua natureza”, comenta o gestor da empresa de Santo Tirso que certificou junto do CITEVE várias malhas para o fabrico de máscaras comunitárias. No entanto, mesmo reconhecendo que as marcas de moda vão também explorar esta oportunidade, Miguel Mendes acredita que será apenas temporário. “Duvido que as máscaras se tornem algo cultural. Há um conhecimento e uma aprendizagem que se acumula, mas de certa forma o que esperamos é que esta alternativa não seja necessária por muito tempo”, salienta.

Uma opinião partilhada por Miguel Pedrosa Rodrigues. “É uma oportunidade, mas provavelmente apenas temporária. As máscaras sociais talvez atinjam uma produção elevada, com números interessantes e até várias abordagens de moda, mas assim que os efeitos psicológicos da epidemia passarem, a utilização da máscara diminuirá”, antevê o administrador da têxtil Pedrosa & Rodrigues, que também conta já com modelos de vestuário certificados para a utilização no contexto da pandemia. “Depois da crise vão manter-se algumas empresas especializadas, mas o grosso do sector voltará para as áreas que melhor conhece”, acrescenta.

“É uma nova área, mas não substitui os canais de negócios normais”, concorda Susana Serrano, CEO da Adalberto. A empresa de Santo Tirso realizou uma parceria com a Sonae e desenvolveu um novo modelo de máscara social reutilizável.

Artur Soutinho
“É uma oportunidade que não substitui o negócio das empresas, mas há um valor que se cria”
Está a produzir 50 mil unidades por dia mas o objetivo é chegar às 100 mil, para vender em Portugal e nos mercados externos de onde não param de chegar solicitações. “Estamos a trabalhar sobretudo numa lógica de responsabilidade social, porque não queremos colocar as pessoas em casa. Vemos as máscaras como uma nova área de negócio, mas não será o futuro da Adalberto”, explica a responsável pela empresa.

Ricardo Silva, Head of Operations da Tintex – empresa que também fabrica malhas certificadas para a produção de máscaras – descreve o atual processo como um ““É uma oportunidade para as empresas polivalentes e que mantêm uma constante aposta em novas soluções. Em Portugal temos o conhecimento têxtil e a inovação humana, bastam alguns contactos em termos de maquinaria e matérias-primas para termos a cadeia produtiva optimizada”, Em Portugal temos o conhecimento têxtil e a inovação humana, bastam alguns contactos em termos de maquinaria e matérias-primas para termos a cadeia produtiva optimizada”, afirma o responsável da empresa de Vila Nova de Cerveira.

A troca de conhecimentos e contactos é também um dos valores destacados por Alexandra Araújo, administradora da LMA. “É sem dúvida uma oportunidade. Não acho que se tenha formado um cluster porque neste momento os players englobam empresas de áreas muito distintas, dos têxteis ao calçado. Mas é uma oportunidade para o nosso país, os portugueses têm de perceber que são bons e que em certas áreas estão à frente”. No entanto, a líder da empresa de Santo Tirso, que também já conta com artigos certificados, defende que a oportunidade só será aproveitada com uma maior proximidade entre empresas e universidades. “Temos muito know-how que tem de ser explorado, é necessário estabelecer canais de comunicação entre a indústria e os centros de conhecimento”, sublinha.

Mas há que contar também com o comportamento dos consumidores. “Entendo que as máscaras podem tornar-se um acessório de moda, tal como os óculos de Sol. No oriente isso já acontece e a epidemia pode criar esse efeito na Europa”, lança Filipe Prata, Diretor-Geral da Daily Day, marca do grupo LaGrofa, que teve uma das primeiras máscaras certificadas.

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