T10 Junho 16

Como resolver o problema do custo da energia?

Em Portugal, a energia é cara para todos. Mas no caso da indústria, em particular da têxtil, o caso assume proporções dramáticas porque significa perda de competitividade pois os nossos concorrentes beneficiam de custos energéticos inferiores. Por que é que isto acontece? João Peres Guimarães fala numa espécie de sovietização da nossa economia. E o FMI já identificou a redução dos custos da energia como uma das reformas estruturais urgentes que o país deve promover

Isabel Cristina Costa

A ITV tem sistematicamente reclamado junto do poder político a falta de apoio e de soluções para o problema do custo da energia, que não afeta as empresas têxteis de igual forma. Os consumos energéticos são diferentes e os custos também dependem do número de turnos trabalhados. Regra geral, é nas fiações que o consumo de energia elétrica é mais intenso. Uma fiação moderna pode ser praticamente robotizada, ocupando os custos em energia elétrica o terceiro lugar depois da matéria-prima e CAPEX (gastos de capital).

Já a indústria de vestuário é aquela que menos energia consome, mas é também aquela que mais caro paga o KWh de eletricidade. Isto porque geralmente trabalha apenas um turno, coincidente com as horas de ponta e frequentemente não tem consumos que justifiquem receber a energia em média tensão pelo que fica no nível de abastecimento mais penalizado pelos Custos de Interesse Económico Geral do Sistema (CIEGS) e de distribuição.

Pelo meio da cadeia industrial têxtil fica o enobrecimento (tinturaria, acabamento, estamparia, indução), o subsetor que mais energia consome, sobretudo sob a forma de gás ou nafta. É onde se justifica a instalação de unidades de cogeração, uma vez que o consumo de vapor e água quente é, do ponto de vista energético, muito superior ao consumo de energia elétrica.

“Digam o que disserem os responsáveis do setor da energia, em termos de competitividade em função dos custos energéticos, Portugal está mal, quer na eletricidade quer no gás”, afirma João Peres Guimarães, consultor da ATP para a área da Energia e Ambiente, membro do Conselho Consultivo da ATP e seu representante no Board da Euratex (European Apparel and Textile Confederation).

“Em países desenvolvidos a matéria-prima é comprada em bolsa e portanto as nossas empresas estão, neste caso, em igualdade competitiva em comparação com países como a Alemanha ou a França.

João Peres Guimarães
"Pode parecer estranho, mas de facto, uma fiação tem melhores condições em França do que em Portugal"
O custo de capital é um pouco mais caro em Portugal do que nestes dois países e o custo da energia elétrica é muito mais barato em França do que em Portugal ou Alemanha. Para quem não está familiarizado com o setor pode parecer estranho, mas de facto,  uma fiação tem melhores condições em França do que em Portugal. Não é por acaso que a maioria das fiações portuguesas fechou nos dois primeiros lustros (10 anos) deste século”, atira João Peres Guimarães.

A pesar no custo da energia está a dívida tarifária do setor elétrico, que rondará os cinco mil milhões de euros. Quer isto dizer que mesmo liberalizado, o mercado energético português continua preso aos custos do passado. Além de que o argumento do mercado liberalizado cai por terra quando não está acessível a todos, mas antes predestinado aos grandes consumidores.

“O custo da energia é um escândalo, é caríssimo, rouba muita competitividade às empresas. O Governo devia preocupar-se com esta questão antes de reivindicar salários maiores. Concorremos num mundo global, com países em que a energia é muito mais barata e nalguns casos até subsidiada. Se verificarmos a fatura energética, damos conta de que estamos a pagar os investimentos da EDP, o famoso défice tarifário. Não chega falar só de reindustrialização, é preciso criar meios para que esta seja possível”, dispara António Amorim, presidente do Citeve.

Quem acredita que há margem para baixar os custos da energia em Portugal é o presidente da Riopele, José Alexandre Oliveira: “Há margem, agora essa é uma decisão política. No entanto, não acredito que baixem a médio prazo porque não há vontade política para o fazer. O certo é que enquanto nada muda, as empresas portuguesas vão continuar a ter a concorrência do Vietname e da Índia, por exemplo, e a perder competitividade”.

José Alexandre Oliveira
"Há margem para baixar os custos da energia, há é falta de vontade política para o fazer"

Uma das vozes que se tem insurgido contra o preço da energia é a de João Costa, presidente da ATP. O problema é reconhecido por todos e a solução? “O país precisa de criar um mix: renováveis/tradicionais, que impeça a energia de continuar a ser um fator de perda de competitividade”, responde.

Vítor Abreu, presidente do conselho de administração da Endutex Revestimentos, encara o problema como uma questão política, mais do que técnica. No seu caso, realizou investimentos na cogeração e fotovoltaicas. “Vendemos quase toda a energia à rede, exceto a energia térmica que usamos no nosso processo produtivo. Para nós, a cogeração é mais uma área de negócio”, refere.

No passado, algumas empresas do setor têxtil português recorreram à cogeração enquanto garante de auto-suficiência e também negócio, vendendo energia. António Amorim lembra que ao tratar-se de investimentos pesados, só estavam ao alcance das empresas de maior dimensão. “Temos de ter em consideração que o tecido empresarial têxtil é constituído maioritariamente por pequenas e médias empresas”, adverte.

O presidente do Citeve garante que as empresas têm racionalizado a sua produção com sistemas mais eficientes e menos pesados em termos de consumo de energia. “Há uma preocupação constante no sentido de diminuir o consumo e a eficiência energética”, diz. Para concluir que “o setor tem uma grande resistência a todas as adversidades, está demonstrado, tem conseguido vencer as dificuldades e até crescido. Mas quando se reivindica mais feriados, mais férias, mais aumentos salariais, é preciso ter consciência de que se não houver uma diminuição de custos noutras componentes do custo de fabricação, é o caso da energia, as empresas perdem competitividade”.

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