T64 - Julho/Agosto

A escassez de mão-de-obra pode comprometer a retoma?

Após um início de ano complicado e já com a tão esperada – e necessária – retoma aí ao virar da esquina, outra ameaça parece estar a ganhar força: a escassez de mão-de-obra e sem a qual as encomendas não passam do papel. Da redução da carga fiscal aos apoios para a subida dos salários, passando pela deslocalização ou o recurso à contratação e imigrantes, as empresas avançam com várias soluções. O essencial, no entanto, parece ser dignificar e qualificar o emprego têxtil e criar consciência de que trabalhar na ITV é estar num dos sectores que mais riqueza dá ao país.

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O problema não é novo, mas agrava-se à medida que o têxtil português ganha protagonismo e é mais procurado. A falta de mão-de-obra é já um grave obstáculo e está a por em causa o futuro e a vitalidade do setor. Até porque sem chão de fábrica as empresas ficam sem chão…

“O pior ainda está para vir, porque se não se fizer nada quando esta geração for para a reforma, ficaremos apenas com ateliês, com o design”, alerta o CEO da Anjos&Lourenço, José Lourenço, que a braços com a dificuldade crescente não tem dúvidas que a falta de mão-de-obra vai em muito prejudicar a retoma. A solução, avança, está nos aumentos salariais, num esforço conjunto do Estado e da iniciativa privada. “Deveria haver um incentivo nos impostos para as empresas poderem pagar mais aos funcionários e, assim, cativar os mais novos. Não se pode ignorar o facto de que os jovens, na sua maioria com formação superior, não querem um emprego como costureira, a ganhar o salário mínimo. Por outro lado, deveriam criar uma linha de apoio à imigração para o setor, salvaguardando o bem-estar de quem vem, com acesso ao Serviço Nacional de Saúde, à educação, etc…”, defende José Lourenço.

Igualmente convicto de que os incentivos fiscais são essenciais está José Armindo Ferraz, CEO da Inarbel, que cansado de ver a entrega de encomendas comprometida por esta questão, pede medidas ao Governo para enfrentar o problema que diz estar a estrangular a competitividade da indústria. “Vou ao centro de emprego pedir 30 ou 40 trabalhadores e só consigo contratar quatro ou cinco. Os restantes não estão interessados porque não lhes compensa trabalhar com o que têm de pagar de impostos e para a segurança social. Esta carga fiscal fortíssima que o Estado impõe às empresas e trabalhadores torna mais vantajoso parar a produção do que continuar a laborar”, explica o empresário. 

“Tenho encomendas que não consigo entregar porque me faltam trabalhadores para as executar. Agora o estado diz que vai continuar com os apoios às empresas, com o lay-off, mas isso a mim não me interessa porque já tenho as matérias-primas compradas e quero é trabalhar. Tenho os produtos em marcha e não os vou conseguir entregar a tempo”, sumariza.

Com dificuldade em contratar trabalhadores sobretudo para as áreas mais técnicas, como a operação de maquinaria, Paulo Melo, administrador do grupo Somelos, considera que a aposta numa formação mais descomplicada e em estreita colaboração com as empresas pode ser a solução. “O ensino devia ser mais expedito e em contexto laboral para que a formação fosse adequada às necessidades atuais das empresas e para que o trabalhador saísse já com as competências necessárias para começar a trabalhar de imediato.

José Armindo Ferraz
“Esta carga fiscal fortíssima sobre as empresas e trabalhadores torna mais vantajoso parar a produção"
Era isso que acontecia antigamente nas escolas industriais mas que atualmente não está a ser feito”. 

Outra das soluções apresentadas por Paulo Melo pode estar dentro das próprias empresas. “A Somelos é e sempre foi uma universidade. Quem vem para cá trabalhar sai sempre com muito mais competências do que as com que entrou. E isso é um excelente atrativo”, destaca o empresário, que considera que estar na vanguarda e envolvido em projetos inovadores pode ajudar também a tornar o sector mais apelativo. “O paradigma mudou bastante e hoje em dia os jovens procuram trabalhos que os estimulem, que tenham valor a acrescentar. As empresas têm de criar esse valor para que quem está à procura de emprego queira lá trabalhar”, reforça o empresário. 

É precisamente essa a estratégia da Adalberto, cuja maior dificuldade é arranjar mão-de-obra qualificada. A empresa está, por isso, a apostar na educação dentro de portas, com formadores internos qualificados naquilo a que a empresa chama de “cultura Adalberto”. “É necessário formar nas empresas e não basta formação teórica: é preciso perceber o funcionamento das empresas, as necessidades internas e do mercado, e formar uma cultura empresarial que colmate as lacunas existentes”, explica a CEO, Susana Serrano. 

A estamparia está também a aceitar estágios universitários, uma iniciativa que surge no seguimento dos vários projetos que a empresa desenvolve em parceria com as instituições de ensino superior e que, para além de tentar atrair a massa jovem tão necessária, se apresenta como uma oportunidade para unir o know-how académico com a prática empresarial nas áreas de inovação e desenvolvimento.

“Neste momento é extremamente importante garantir competências para sermos mais eficazes e eficientes. É essencial para garantir o sucesso dos projetos e, consequentemente, para uma retoma mais rápida”, completa a CEO.

José Villas Boas Ferreira, CEO da Valerius, já perdeu as esperanças de que algum dia a falta de mão-de-obra no setor têxtil nacional seja um problema do passado e por isso mesmo é defensor de uma política mais radical: o outsourcing de produção por parte das empresas portuguesas. “Num futuro muito próximo, vamos ter encomendas a mais e pessoas as menos para as realizar. Para ser capaz de resistir, o têxtil português vai ter de fazer como Itália, que criou um braço armado na Tunísia para se apoiar.

Susana Serrano
"É necessário formar nas empresas e não basta formação teórica. É preciso perceber as necessidades do mercado"
Nós teremos de fazer o mesmo com Marrocos”, sentencia o empresário. 

Especialmente, garante o empresário, para respnder à crescente procura externa que Portugal está a registar desde o início da crise pandémica, motivada pelas inegáveis vantagens da proximidade das cadeias de produção, pela necessidade em diminuir a dependência do mercado chinês e pelo know-how, capacidade técnica e qualidade da produção made in Portugal. “A exigência dos novos clientes é muito grande, o que implica que a mão-de-obra necessária tenha de ser altamente qualificada e especializada e isso não é o que acontece”, regista Vilas Boas Ferreira. 

Para o CEO, as empresas portuguesas cresceram muito em estruturas comerciais, em desenvolvimento, inovação, e em serviço ao cliente, mas a formação da mão-de-obra produtiva não acompanha esses investimentos. “Para tentar resolver o problema, muitas empresas dão formação aos funcionários que já estão nos quadros, mas tendo em conta que a faixa etária média da mão-de-obra do setor têxtil em Portugal anda à volta dos 48 anos, daqui a 15 anos, esses funcionários reformam-se e voltamos à estaca zero, porque não há gente nova a entrar”, avisa. 

Em jeito de resumo o presidente da ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, Mário Jorge Machado, não tem dúvidas em afirmar que a excessiva rigidez das leis que regem o mercado de trabalho é o último prego no caixão da problemática da falta de mão-de-obra. Há uma grande necessidade por parte de algumas empresas em ajustar a dimensão dos quadros para um menor número de funcionários, mas a dificuldade e os custos desse ajuste são demasiado elevados, o que leva a que a decisão seja adiada e assim se diminua a flexibilidade da oferta e da procura. 

“Aumentos elevados no salário mínimo provocam a falência das empresas em dificuldades e libertam mão-de-obra para empresas com maior potencial de criação de riqueza. No entanto, o que acontece em Portugal é que a mão-de-obra é disponibilizada no mercado não pelo ajuste por despedimentos mas sim pelo aumento de insolvências, o tem vários inconvenientes graves, sendo o primeiro o fazer desaparecer empresas que se tivessem reduzido os colaboradores ainda poderiam criar riqueza”. Outro problema grave, é que “as insolvências são mais lentas e conduzem a um desfasamento temporal grande entre o aumento da procura e a disponibilidade de mão-de-obra”, completa o presidente da ATP. 

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