Bebiana Rocha
A TecMinho organizou, na passada quarta-feira, um webinar dedicado a refletir sobre como a sustentabilidade pode e deve ser encarada como uma verdadeira vantagem competitiva. A sessão, realizada no Dia Mundial da Sustentabilidade, contou com a participação de Luís Cristino, cofundador da OMA e consultor especializado em sustentabilidade, e Ricardo Silva, CEO da Tintex, num diálogo que cruzou visões e experiências sobre a forma como o setor têxtil tem vindo a integrar a sustentabilidade no centro da sua estratégia.
Logo no arranque, Luís Cristino defendeu que “a sustentabilidade deixou de ser um apêndice para se tornar num modelo de criação de valor”. Para o consultor, o conceito é muito mais do que uma métrica: “A sustentabilidade é o que se faz quando ninguém está a olhar”, sublinhou, reforçando que deve estar intrinsecamente ligada ao modelo de negócio, desde a escolha das matérias-primas e processos até à gestão do fim de vida dos produtos. Esta abordagem, acrescentou, permite às empresas identificarem o seu “calcanhar de Aquiles” e atuarem sobre os pontos de maior fragilidade, reduzindo riscos e reforçando a resiliência num contexto económico cada vez mais volátil.
Numa perspetiva complementar, Ricardo Silva destacou que sustentabilidade é, antes de mais, sinónimo de eficiência. “Há dez anos, a sustentabilidade era encontrar novas fibras. Foi por aí que começámos, era o mais fácil e notável. Hoje, está totalmente integrada na estratégia de negócio, muito focada na redução de custos e de desperdício. As empresas querem produzir com menos recursos e ser mais eficientes”, afirmou. Exemplificando com uma t-shirt de algodão, o gestor revelou que hoje pode ser produzida com metade dos custos de há dez anos, recorrendo a menos água e químicos. “O custo de usar bons materiais está hoje mais baixo”, acrescentou, enfatizando que o verdadeiro foco deve estar na eliminação do desperdício.
Ambos os oradores concordaram que o termo “sustentabilidade” se banalizou e precisa de ser traduzido em ações concretas. “A palavra sustentabilidade é redundante, está mastigada. Temos de trabalhar em comunicações mais assertivas, e os relatórios ajudam, porque mais do que a palavra importa as ações”, observou Ricardo Silva. Para Luís Cristino, a integração da sustentabilidade no ADN empresarial é o que distingue quem apenas segue tendências de quem constrói valor duradouro.
Nesse sentido, Ricardo Silva reforçou que ser sustentável não passa por usar fibras extravagantes, mas sim por adotar boas práticas em todas as dimensões da empresa: “Está na forma como abrimos a empresa, na limpeza do chão de fábrica, no reporte de dados – sejam eles bons ou não”. Defende também que as auditorias e certificações devem ser encaradas não como meras bandeiras, mas como instrumentos de melhoria contínua. “Pelo caminho, é preciso fazer escolhas”, admitiu, referindo que a Tintex optou por deixar de tingir lã e poliamida para se concentrar nas áreas onde gera mais impacto positivo.
O tema do desperdício foi ponto de convergência entre ambos. Luís Cristino sublinhou que “o desperdício pode ser um negócio” e que a economia circular deve ser vista como um verdadeiro acelerador de competitividade. Ricardo Silva concordou, lembrando que “hoje é praticamente impossível trabalhar sozinho” e que o sucesso passa pela colaboração entre fornecedores e parceiros.
A propósito, revelou que uma das decisões mais marcantes da Tintex foi eliminar as misturas de fibras: “O vidro é vidro e é por isso que é reciclado há tantos anos. A principal ação que podemos fazer é dizer que não fazemos misturas. Só vejo vantagens desde que o fizemos: o negócio é mais fácil, há menos desperdício e é mais barato.” Para o gestor, o conceito de misturar algodão com poliéster acarreta custos acrescidos e inviabiliza a reciclagem normal.
A discussão evoluiu depois para o enquadramento regulamentar, tema introduzido por Filipe Soutinho, consultor na área da gestão de inovação e moderador do webinar. Luís Cristino foi perentório ao afirmar que o “Omnibus é um autocarro descontrolado sem travões”, defendendo que as empresas devem olhar para a regulação europeia como uma linha orientadora e não como um travão. “Não podemos esperar pela regulamentação para avançar, devemos preparar-nos para o que o mercado vai exigir”, defendeu, sublinhando ainda que o Estado devia ter um papel mais catalisador do que restritivo.
Ricardo Silva prosseguiu a reflexão com uma analogia curiosa: “As certificações são os piscas dos carros, as multas um auxiliar de performance, e a regulamentação funciona como um semáforo.” Reconheceu, no entanto, que a legislação nem sempre acompanha o ritmo das empresas, comparando-a aos limites de velocidade nas autoestradas: “Temos um limite de 120 km/h, que acaba por ser restritivo, porque hoje há condições para ir mais depressa. É sempre preciso encontrar um equilíbrio entre a segurança da sociedade e a velocidade das empresas.” O gestor salientou ainda a importância de medir tudo o que é possível – dos consumos químicos à durabilidade dos produtos – para promover uma melhoria contínua, embora admita que definir o consumo energético por lote continue a ser um desafio em processos contínuos.
O último ponto em debate foi a formação e o papel das pessoas na transformação sustentável. Para Ricardo Silva, as empresas estão hoje muito mais conscientes das mudanças e os trabalhadores compreendem as medidas que aplicam diariamente – litros, quilos, kWh -, o que lhes dá maior perceção do impacto e do desperdício. Luís Cristino concordou, reforçando que os trabalhadores são os principais embaixadores da indústria e agentes essenciais da mudança. “O importante é manter as equipas motivadas e envolvidas, porque a transformação muitas vezes não é tecnologia, é mentalidade, é pensar o negócio”, destacou.
A encerrar, Ricardo Silva sublinhou que o grande desafio das empresas passa por mapearem onde ganham e onde perdem dinheiro, ajustando processos para potenciar resultados. Luís Cristino concluiu com uma nota de otimismo: “Estamos num ponto de viragem em que toda a pressão deve ser transformada em propósito.”