14 novembro 25
Marcas

Bebiana Rocha

VEJA defende algodão agroecológico e cadeia transparente

A VEJA, marca francesa de sapatilhas conhecida pelo foco na transparência e no comércio justo, detalhou ao T Jornal o seu modelo de produção de algodão orgânico e agroecológico no seguimento da sua participação na conferência Textile Exchange, realizada em Lisboa, no passado mês de outubro.

Em entrevista, Maria Valdenira, Coordenadora da cadeia de algodão orgânico da marca, e João Félix de Sousa, agricultor e apicultor brasileiro, explicaram como o trabalho desenvolvido com comunidades do Brasil e do Peru tem transformado práticas agrícolas, promovido autonomia financeira e elevado a qualidade da matéria-prima.

Maria Valdenira começa por sublinhar que todo o processo assenta na rastreabilidade e no respeito pelo bem-estar dos trabalhadores. O algodão agroecológico usado pela VEJA depende exclusivamente da água da chuva, reduzindo drasticamente o consumo hídrico em comparação com a agricultura convencional.

A responsável destaca ainda a certificação Regenerative Organic Certified (ROC), que reconhece o trabalho das famílias produtoras, e o papel fundamental da empresa peruana Bergman Rivera, que acompanha as comunidades na diversificação das culturas, presta assistência técnica e ajuda a definir prioridades de ação. “A nossa produção acontece a partir do que os produtores nos sinalizam: é a natureza que dita o que vai ser extraído e não a procura”, afirma.

O agricultor João Félix reforça que, dentro do algodão orgânico, existe o agroecológico, categoria que considera essencial distinguir. Enquanto o orgânico elimina agrotóxicos, o agroecológico integra práticas que equilibram o solo e aumentam a sua resiliência, como o cultivo de várias culturas em conjunto.

“Já presenciei áreas que, mesmo após sete anos de seca, continuavam a produzir. O solo permanecia vivo e fértil, o que seria impossível numa plantação convencional”, afirma. Para além da resistência, garante que há diferenças claras na qualidade da fibra: “O algodão agroecológico tem uma fibra maior, o que melhora a qualidade e valorização.” Este sistema permite ainda recuperar terras antes improdutivas.

A VEJA paga pelo algodão um valor três vezes superior ao preço de mercado e assina contratos diretamente com as associações de produtores no início de cada safra. “Definimos os valores antes do plantio, num processo participativo que proporciona maior autonomia financeira às famílias”, explica Maria Valdenira. Para João Félix, esta estabilidade é determinante: “A grande vantagem é termos um contrato garantido independentemente da plantação. Isso permite planear melhor e dá segurança económica às famílias.”

A marca investe também em tecnologia, monitorizando desde os efeitos das queimadas na Amazónia até à rastreabilidade química das matérias-primas. As emissões são acompanhadas em todas as fases de produção e, em média, uma sapatilha VEJA emite 25,8 kg de CO₂ eq.

Para Valdenira, respeitar o tempo e o processo produtivo assegura matérias-primas de melhor qualidade, o que se traduz no toque, resistência e durabilidade do produto final. As certificações, acrescenta, são fundamentais para reforçar a confiança dos consumidores e representar um compromisso sólido junto dos parceiros.

Sobre as diferenças entre Brasil e Peru, a VEJA explica que as comunidades peruanas vivem próximas dos Andes e beneficiam da humidade resultante do degelo anual, o que lhes confere uma produtividade naturalmente superior à das regiões brasileiras, marcadas por solos secos e chuvas cada vez mais irregulares. A marca recorda ainda que opera com uma política rigorosa de “zero stock, zero publicidade e zero dívidas”, que sustenta a sua independência e coerência.

Tendo o algodão um papel central na indústria têxtil e do vestuário em Portugal, o T Jornal questionou que aprendizagens deste modelo poderiam ser replicadas pelas empresas nacionais. A resposta foi clara: valorizar quem está na base da cadeia, acompanhar de perto as práticas agrícolas e garantir condições de trabalho justas. “Respeitar o processo produtivo resulta em produtos de melhor qualidade e com impacto social positivo”, afirmam.

Para João Félix, o impacto vai muito além da produção: “Hoje, graças ao projeto, todos os agricultores sabem articular vendas e encontrar novos mercados. Temos acompanhamento e capacitação.” A cooperação, acrescenta, é essencial para trazer tecnologia e investimento para o terreno, mas é o compromisso da VEJA que transforma a vida das famílias: “A segurança económica que temos hoje deve-se ao facto de sabermos que a VEJA estará lá, independentemente da colheita.”

Em síntese, o testemunho da VEJA e das comunidades agrícolas com que trabalha evidencia um conjunto de princípios que podem inspirar o setor têxtil e vestuário português: a importância de reforçar a proximidade com os produtores, compreender os ritmos da terra, promover modelos de cultivo mais resilientes como o agroecológico, garantir relações comerciais estáveis e justas e apostar na rastreabilidade e transparência como fatores de confiança.

A experiência da marca mostra que a valorização da base da cadeia não só melhora a qualidade da matéria-prima, como gera impacto social positivo e fortalece toda a estrutura produtiva – uma abordagem que pode ajudar as empresas portuguesas a consolidar competitividade, sustentabilidade e diferenciação num mercado global cada vez mais exigente.

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