Bebiana Rocha
A Criação Digital de Produto foi um dos temas em destaque no evento “Entre Linhas e Dados”, promovido pelo Texp@ct, que decorreu na semana passada no auditório do CITEVE. O debate, conduzido por Maria João Neves, do CITEVE, reuniu também Pedro Silva, da Tintex, e Nuno Sousa, da Impetus, numa conversa sobre os desafios e oportunidades da digitalização no setor têxtil e vestuário.
Logo na abertura, Maria João Neves, responsável pela área de criação digital de produto dentro do departamento de transição digital do CITEVE, contextualizou a evolução dos softwares CAD até à atualidade, onde a democratização da prototipagem 3D permite uma representação extremamente realista das peças, simulando luz, textura e medidas personalizadas. “Os softwares 3D são hoje uma verdadeira costura digital – interoperável, rápida e sustentável”, referiu, destacando o potencial de redução de desperdício que o digital traz a uma indústria historicamente dependente das amostras físicas.
A especialista sublinhou ainda que o designer digital deve dominar não apenas as ferramentas de modelação, mas também compreender a exequibilidade produtiva das peças criadas, garantindo que o virtual é transformável em realidade.
Por sua vez, Pedro Silva, Head of Communication & Corporate Affairs da Tintex, abordou a digitalização como “um caminho óbvio e inevitável”. “É impossível estarmos desligados. A Tintex tem uma estratégia puramente digital há cinco anos”, afirmou, recordando que o processo começou de forma simples, com registos em Excel, e evoluiu para sistemas integrados como ERP e CRM. O responsável destacou ainda que o mindset das empresas e os procedimentos internos têm de acompanhar esta mudança.
Nuno Sousa, Designer Gráfico 3D na Impetus, partilhou a sua experiência de adaptação à tecnologia tridimensional, reconhecendo o choque inicial e a curva de aprendizagem exigente, mas também as vantagens evidentes: “mostrar uma peça em 3D antecipava o envio por correio e otimizava o processo de validação”. No entanto, admitiu que o 3D ainda não está totalmente integrado com a produção física, apontando a necessidade de maior interoperabilidade entre sistemas, como seria o caso de uma ligação direta entre o CLO e o sistema da Lectra.
Na Tintex, o uso do digital já se traduz em ganhos concretos. Pedro Silva explicou que a empresa produz 300 a 400 lab dips por dia, e que o envio físico destas amostras representava custos e tempo adicionais. A digitalização deste processo, hoje aceite por vários clientes, trouxe eficiência e sustentabilidade. Outro avanço foi a criação de uma biblioteca digital de produtos, que permite à equipa comercial responder rapidamente às solicitações dos clientes, com recurso a filtros e pesquisa direta.
O painel abriu ainda espaço para refletir sobre o impacto da Inteligência Artificial (IA) na indústria. Nuno Sousa revelou que a Impetus já está a usar modelos gerados por IA em campanhas de comunicação, enquanto Pedro Silva considerou que, embora a IA tenha um enorme potencial, ainda existem limitações nos segmentos mais tradicionais. “Há áreas em que o olho humano continua a ser determinante. A IA vai chegar lá, mas por agora ainda não substitui totalmente a capacidade humana”, referiu.
Mesmo assim, a IA já começa a marcar presença em tarefas administrativas e comunicacionais, como a leitura de emails e sugestão automática de respostas, e poderá vir a apoiar processos mais complexos, como a inspeção no processo de revista, ajudando a reduzir erros e aumentar a precisão.
O debate mostrou que a digitalização do produto têxtil é uma tendência irreversível, que alia eficiência, sustentabilidade e inovação, mas que exige também formação, integração tecnológica e uma nova cultura empresarial.