T91 - Março/Abril 24
Entrevista

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“O poliéster até aos últimos cinco minutos de vida é provavelmente a fibra mais sustentável”

Carlos Oliveira dirige a sucursal da Indorama Ventures desde 2017, a maior produtora de polietileno tereflalato reciclado do mundo. A multinacional produz cerca de 750 mil toneladas e tenciona duplicar a sua capacidade. Em entrevista ao T Jornal, o general manager fala da sua visão sobre a sustentabilidade e os esforços que a empresa que lidera tem empreendido no sentido de chegar a um poliéster biodegradável. 

Qual é a atividade da Indorama e o público-alvo?

É uma multinacional, neste momento está nas maiores empresas do mundo. Tem atividades em muitas áreas, na nossa em particular fazemos uma ligação aquilo que a Trevira era no passado, por isso, a Indorama está na área dos poliésteres, através de fibras e polímeros. A área de atividade vai desde o sector higiénico, sector têxtil, sector automóvel…Hoje em dia praticamente todas as áreas que nos rodeiam têm consumos de poliéster nas mais diversas formas. 

Há quantos anos tem a filial em Portugal?

Fui convidado para abrir a sucursal em 2005. A mudança da Trevira para a Indorama foi à cerca de seis/sete anos atrás. Agora é que está a ser feita toda a reestruturação, onde as várias empresas adquiridas pela Indorama foram unificadas de modo a não haver concorrência entre elas.

Que novidades têm de momento?

Na parte das fibras, sobretudo no sector laneiro, utilizamos uma nova geração de fibras sustentáveis. A maior parte dos poliésteres agora é tudo à base de reciclados. Além dos reciclados pré consumo. Nós hoje usamos 95% dos desperdícios que geramos e utilizamo-los nesta geração de novas fibras. Já estava em desenvolvimento há muitos anos, mas agora de forma mais cimentada criamos também um conjunto de fibras biodegradáveis para o sector laneiro. Usa uma nova tecnologia, tudo devidamente certificado. Temos uma panóplia de fibras pré e pós consumo, algumas com modificações moleculares, que nos permitem estar a dirigir o futuro do mercado. 

Têm parceria já com algumas empresas do sector têxtil, algumas delas de grande dimensão. Nomeadamente a Paulo de Oliveira e Riopele, certo?

Trabalhamos muito com a Paulo de Oliveira, que está super avançada em termos deste tipo de fibras. A Fiação da Graça que mudou a sua produção para tudo à base de fibras sustentáveis é outra, assim como a Riopele e Antero Brancal. No sector laneiro toda a gente está na vanguarda da sustentabilidade. 

Querem expandir a vossa atividade neste sector? Quais são os objetivos para o futuro?

No sector de fibras, já não há muitos produtores na europa, há um ou dois, e normalmente as empresas promotoras de poliéster estão mais no sector dos não tecidos do que o sector têxtil. 

Porquê?

O consumo de poliéster no sector de não tecidos é dez vezes superior. No sector de não tecidos, por exemplo o sector higiénico é fortíssimo, cada vez se consome mais, assim como o sector hospitalar e há aqui uma situação engraçada: no sector têxtil existe uma certa retração relativamente ao uso de fibras químicas e os sectores delicados apreciam cada vez mais o poliéster e o sector do vestuário cada vez menos. O que não faz sentido – o poliéster até aos últimos cinco minutos de vida é provavelmente a fibra mais sustentável. 

Pode explicar essa afirmação?

Qual é o bem mais precioso que temos no nosso planeta? Água – o poliéster não gasta quase nenhuma na produção. A energia é mínima. Em termos de produtos secundários não tem quase nada. O único problema é a biodegradação, mas o poliéster é fácil de reciclar. A biodegradação é uma situação cultural, se as pessoas colocarem nos sítios corretos pode haver grandes reaproveitamentos. A fibra natural não é sinonima de sustentabilidade, se gastar muita água, se na produção se usarem químicos… Não podemos olhar para o produto final, deve olhar-se para o LCA, o produto pode ter uma produção extremamente nociva.

Numa entrevista mencionou que o consumidor tem de fazer uma avaliação da sustentabilidade dos produtos. Continua a acreditar que a mudança vem do consumidor e da escolha que este faz no momento de compra? 

É uma pergunta de resposta complexa, implica vários pontos de vista. Vamos ser realistas, 90% dos consumidores quando entram numa loja não estão preocupados se o produto é sustentável, compram pelo preço e design. É a realidade dos factos. O comércio online tem vindo a aumentar. Cá a um produtor europeu é-lhe solicitado mil um certificados e cuidados ambientais, o que resulta numa camisa final que cumpre todos os requisitos ecológicos, mas depois essa mesma camisa está a competir no online, em espaço europeu, com outras peças que não se sabe de onde vêm ou como são produzidas. Não há controlo. É injusto para a nossa indústria, penalizante, ter de competir com estas situações. Hoje em dia temos uma carga burocrática tão grande em termos de certificados, registos que nos são exigidos…e outros nem sequer são questionados. 

A questão do Passaporte Digital de Produto vai afetar a vossa empresa? Vão ter de fazer ajustes para responder às novas diretivas europeias?

Somos fornecedores de matérias primas de base por isso não diretamente, mas os nossos clientes são afetados. Mas não consigo vender se não certificado, o sector automóvel é exigente nesse nível. Há mais certificados de algodão orgânico do que propriamente a quantidade de algodão orgânico produzido no mundo. Quando começamos a falar da sustentabilidade ambiental havia um compromisso, uma preocupação hoje em dia é um negócio, movido pelo marketing. 

Mas agora também já há uma penalização do greenwashing.

O mercado vai-nos pedir determinado tipo de artigos, querem um produto sustentável ao mesmo preço e isso não é possível. A reciclagem das peças faz todo o sentido, mas tem de se mentalizar que em termos qualitativos não é possível fazer construções iguais às dos produtos virgens. Hoje vemos uma geração de jovens que tem essa preocupação, mas quantos é que dão forma a essa preocupação no momento de aquisição dos produtos. 

Para fechar, como foi o ano de 2023?

O ano 2023 não foi mau, no último trimestre já começaram a cair as vendas, reajustaram, porque os anos de 2021 e 2022 foram bastante bons. 2024 está a ser bastante penalizante. 

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