Bebiana Rocha
A Silsa Confecções deu um passo decisivo na digitalização do grupo ao lançar, em parceria com o IPCA, uma plataforma pioneira de Passaporte Digital de Produto, apresentada em outubro. Em entrevista ao T Jornal, Filipe Gonçalves, diretor de inovação e sustentabilidade da empresa, explica que, fruto de um ano de desenvolvimento, o sistema permite aos clientes acederem, em tempo real, à rastreabilidade completa das suas peças e ao respetivo impacto ambiental, com base em dados reais e não estimativas. A iniciativa, bem recebida pelo mercado, representa uma aposta estratégica na transparência, sustentabilidade e inovação tecnológica, posicionando a empresa na vanguarda da transformação digital na indústria têxtil.
Como surgiu a parceria com o IPCA? Que balanço faz deste trabalho conjunto?
A parceria com o IPCA resultou da necessidade de desenvolver e trabalhar no front-end. Esta área do desenvolvimento da plataforma é crucial, pois envolve a criação da interface e da experiência dos utilizadores com a plataforma. Contudo, grande parte do trabalho de back-end foi desenvolvida entre os Departamentos de TI das empresas do Grupo SILSA.
A cooperação do IPCA neste projeto foi e continua a ser excelente. De facto, temos um polo de excelência na área do desenvolvimento de software e tecnologias digitais em Barcelos e estamos muito satisfeitos com esta parceria.
Quanto tempo demoraram a desenvolver esta plataforma?
Foi um projeto que teve a duração de 12 meses, que resultou no primeiro semestre na estruturação e comunicação dos dados a serem rececionados pela API da SILSA, e no 2º semestre, resultou, em parceria com o IPCA, no desenvolvimento da plataforma DPP.
Em termos práticos, como funciona a plataforma? Pelo que percebi no vídeo, só acede quem tiver um login próprio…
A plataforma contém 2 tipos de visualizações diferentes. Um acesso interno da SILSA, onde todos os colaboradores conseguem aceder a todos os passaportes de todas as encomendas da empresa, e segundo, um acesso externo, onde cada cliente da SILSA possui um login próprio para aceder à informação apenas das suas próprias encomendas. Assim, os clientes da SILSA conseguem aceder à informação sobre a rastreabilidade e o impacto ambiental das suas encomendas/modelos.
Houve a necessidade de adaptar processos internos para medir todos aqueles campos?
Sim, maioritariamente nas compras. É fundamental, e estando nós ainda para mais no fim da cadeia têxtil, que na compra de matéria-prima ou de serviços seja solicitada e rececionada toda a informação necessária para o passaporte digital. Contudo, para isto acontecer, é muito importante a cooperação de todos os fornecedores da cadeia, desde a fiação até à confeção.
Foi fácil envolver todos os intervenientes da cadeia de fornecimento?
Estando a SILSA inserida num grupo de empresas, evidentemente que este projeto se tornou mais acessível do que se fosse em empresas fora do grupo. Para além disso, sendo estas empresas muito representativas no negócio da SILSA, é muito provável encontrar um passaporte completo, desde a fibra até à peça final, do que incompleto. Felizmente, a Casa da Malha, Acatel e a Silsa têm investido consideravelmente em TI nos últimos anos e possuem pessoal técnico qualificado nesta área que, sem isto, seria muito difícil de desenvolver internamente. Posto isto, se a malha acabada for adquirida à Casa da Malha/Acatel, temos o passaporte completo com dados da fibra até a peça final. Se a malha acabada for adquirida a outro fornecedor, não temos dados da fibra e dos fios, mas temos das restantes etapas da cadeia têxtil.
Quais foram os principais desafios técnicos e operacionais durante o desenvolvimento?
Sem dúvida alguma o trabalho de back-end, pois trata-se de uma quantidade gigantesca de informação a ser partilhada constantemente entre as empresas do grupo. Neste momento, todas as encomendas da SILSA possuem automaticamente um passaporte digital, e isto só acontece porque houve um trabalho prévio de estruturação e encaminhamento de dados para a nossa API. Em primeiro lugar é fundamental criar uma estrutura dos dados que são necessários serem rececionados, e num segundo plano, desenvolver as pontes de comunicação entre as API das empresas.
Que investimentos foram necessários?
Na SILSA, os investimentos incidiram sobretudo em recursos humanos, uma vez que foi necessário dedicar grande parte do tempo dos colaboradores envolvidos neste projeto. Nos restantes parceiros do projeto, para além deste recurso, foi necessário investir em contadores e tecnologias IOT.
Está ao alcance de uma PME? Consideram replicável noutras empresas?
Sim e não. Pode estar ao alcance de outras empresas, mas o facto de ser replicável depende de alguns fatores. É necessário que disponham de competências técnicas na área das tecnologias de informação, o que nem sempre acontece, ou que, evidentemente, invistam pela via da consultoria externa. Muitas PME não têm recursos humanos especializados em TI nem utilizam softwares de gestão operacional. Por isso, não podemos assumir que todas têm os investimentos e a infraestrutura necessários para implementar algo semelhante. Outro pormenor, como referi anteriormente, tem a ver com a estrutura dos dados. A dificuldade estará quando uma empresa define uma estrutura de dados diferente à concorrência, e isto torna-se disruptivo para a restante cadeia de fornecedores que têm que facultar os dados para múltiplas API de clientes como a SILSA. Ou seja, havendo uma estrutura definida e igual para todos, torna-se mais fácil a cadeia tratar e facultar os dados para o passaporte, caso contrário, será muito difícil.
Que vantagens traz esta plataforma para a SILSA?
Este projeto centra-se num dos pilares da Estratégia de Inovação da SILSA, que é oferecer uma solução na rastreabilidade e transparência de informação das encomendas aos nossos clientes. O que torna estre projeto único face às plataformas existentes no mercado, que inclusivamente alguns dos nossos clientes utilizam, é que para além de termos os dados rastreáveis desde a fibra à peça final, os valores dos consumos energéticos, químicos e de água do processo de tricotagem da Casa da Malha e tingimento da Acatel são reais e específicos para aquela partida associada à encomenda. Ou seja, não se trata de consumos médios anuais, mas sim de dados reais, o que torna a informação contida no passaporte ainda mais rigorosa. O facto de a SILSA estar no fim da cadeia têxtil tem a responsabilidade de recolher e enviar toda a informação dos materiais e técnicas dos seus produtos aos clientes, e uma das vantagens é que o tempo de recolha e tratamento destes dados reduziu drasticamente.
Qual tem sido o primeiro feedback dos clientes e como é que as marcas tencionam passar esta informação ao consumidor final? Já demonstraram interesse em divulgá-la?
Ao apresentarmos esta plataforma aos nossos clientes, muitos ficaram impressionados com o que viram e a recetividade foi extremamente positiva. O facto de cada cliente simplesmente colocar a referência do modelo e surgir automaticamente o seu passaporte digital preenchido na plataforma vai efetivamente ao encontro dos seus objetivos de sustentabilidade, que é de ter os seus produtos e cadeia rastreáveis.
Quais são os próximos passos na plataforma? Há otimizações pensadas?
Uma das otimizações que fizemos no último mês foi introduzir os TC de produtos GOTS na plataforma. A partir deste momento, os clientes da SILSA podem descarregar os seus respetivos TCs de vestuário na plataforma sem necessidade de solicitar via email. Temos também outras otimizações pensadas que resultam em fornecer a possibilidade aos nossos clientes de realizar o tratamento de dados dos seus passaportes e de introduzir novos fornecedores na API da SILSA.
Que mensagem gostariam de transmitir à indústria sobre o futuro da digitalização e rastreabilidade?
A digitalização e a rastreabilidade são temas atuais e cada vez mais fortes na indústria têxtil e de vestuário português, sendo por isso 2 dos objetivos da Estratégia de Inovação da SILSA. Estando nós num cluster têxtil tão robusto, certamente em pouco tempo irão surgir mais empresas portuguesas a oferecer uma ferramenta como esta e que sejamos por isso uma referência nesta matéria a nível europeu.
Com todas as encomendas já integradas automaticamente neste sistema, a Silsa destaca-se como referência na rastreabilidade avançada, demonstrando que a digitalização é viável para empresas com estrutura de dados sólida e competências técnicas. Filipe Gonçalves acredita que, num contexto industrial cada vez mais exigente e digital, outras empresas portuguesas seguirão este caminho, permitindo reforçar a competitividade do cluster têxtil nacional e projetando Portugal como exemplo europeu na implementação de soluções tecnológicas sustentáveis.