Jorge Fiel
As exportações têxteis caem em 2023. Portugal ganha quota no mercado de têxteis europeu. Pode não parecer, à primeira vista, mas estas duas frases são verdadeiras. Sintetizam duas faces da mesma realidade. As exportações da ITV caíram 5%, mas a queda das importações têxteis da UE foi superior, atingindo os 12%. Logo a nossa quota de mercado aumentou.
Mário Jorge Machado chama a atenção para o facto de a realidade ser multifacetada, e poder ser descrita de maneiras que parecem opostas, mas não o são, depende apenas da perspetiva, do lugar onde estamos a olhá-la. O Porto está a norte, quando visto de Lisboa (onde está o governo do país), mas a sul, quando olhado a partir da Corunha (onde está o quartel general da Inditex).
“2023 foi um ano muito difícil para a grande maioria dos sectores. Tenho a esperança de que já tenhamos batido no fundo e agora comecemos a recuperar. Mas temo que no futuro se olhe para trás, para os anos 20 do século XXI, como uma década perdida de crescimento, mas que podia ter sido uma excelente década de recuperação pós Covid”, afirmou o presidente da ATP, que em conversa com os jornalistas, no decorrer da Heimtextil, em Frankfurt, passou em revista os temas candentes do momento. Vejamos o que ele pensa, em oito capítulos:
Os fundamentos são bons. Os fundamentos da nossa ITV são bons. A generalidade das empresas está a interpretar bem a mega tendência no sentido da sustentabilidade, a apostar em produtos inovadores e nas vantagens da proximidade. A prazo vamos beneficiar do inevitável nearshoring. A pandemia de Covid, a guerra na Ucrânia, e mais recentemente os problemas no mar Vermelho, demonstraram a todo o Mundo os perigos de cadeias de abastecimento demasiado longas. A poderosa indústria automóvel alemã sabe que não pode continuar dependente da China para o fornecimento de componentes para as baterias.
O preço manda, mas… O preço continua a mandar. Mas há outros valores que também têm algum peso. No ato da compra conta a razão, mas também a emoção. É por isso que se vendem iPhones e não apenas Xiaomi. Há uma importante fatia do mercado que mais do que o preço valoriza o conforto das apps mais interligadas no sistema da Apple do que no Android. Mas há outros valores que também pesam, como a sustentabilidade e o respeito pela ambiente.
O desafio. O desafio atual é conseguir fabricar produtos sustentáveis de modo a que o seu preço no consumidor seja igual, ou até menor, ao dos produzidos da forma tradicional e mais poluente. E conseguir produzir carros elétricos ao preço dos carros a combustão.
É uma caminhada, não um sprint. Para chegarmos a esse patamar há uma rampa de crescimento, todo este processo é uma caminhada, não é um sprint. E nós estamos no caminho certo. Pegando num exemplo. O novo processo de tingimento com corantes naturais permite poupanças no consumo de água na ordem dos 90%. Conseguirmos que esses corantes de origem vegetal ou animal fiquem fixos no artigo sem necessidade de lavagem posterior. O corante natural ainda é mais caro que o fornecido pela indústria petroquímica, mas no sentido contrário a poupança de água embaratece a produção.
Apostar na formação do consumidor… Em todo este processo é fundamental a formação de uma nova mentalidade do consumidor. Há uma aprendizagem a fazer para que ele seja cada vez mais informado. A atitude do consumidor tem uma influência determinante. Não foi por acaso que a Mercedes e a Volkswagen começaram a fabricar carros elétricos – foi porque repararam que a procura estar a crescer. Quem manda no mercado é o consumidor.
… e na sabedoria do legislador. É preciso apostar nos dois lados, no consumidor mas também no legislador. A União Europeia terá de ter um papel determinante neste evolução. Não tenho a menor dúvida de que daqui a dez anos vai ser obrigatório que um produto para circular na UE tenha na sua composição um mínimo de 30% de matéria-prima reciclada. Neste momento ainda não há capacidade instalada para cumprir esse objetivo. Mas vai haver. No futuro não pode haver uma Europa limpa, a produzir com recursos a energias renováveis, e um resto do mundo sujo, com a Índia e a China a usarem centrais a carvão.
Estado não sabe ajudar. A conjuntura é difícil e o Estado não está a saber ajudar as empresas. Não faz sentido, por exemplo, condicionar à contratação de mais trabalhadores a concessão de benefícios. Nós precisamos de flexibilidade para nos conseguirmos adaptar. E as leis que temos tornam o funcionamento da economia mais rígido, travando por isso o crescimento. Para nos candidatarmos a um programa de apoio não podemos despedir trabalhadores, ou seja, temos de abdicar de ajustar o nosso efetivo em função das condições de mercado. Ao contrário do que possa parecer estas regras não incentivam haver mais trabalho e a criação de emprego, porque não estimulam o crescimento económico.
É preciso deixar a ideologia. Vamos voltar a ter um crescimento económico anémico. Se não mudarmos as leis vamos continuar a caminhar para a cauda da Europa. Quem sofre com esta rigidez que tolhe os movimentos às empresas são os jovens que têm de emigrar para conseguirem ter bons salários. Temos de ser mais competitivos e para isso é preciso que o Governo se deixe de ideologias.