Bebiana Rocha
O evento “Entre Linhas e Dados”, que decorreu ontem no CITEVE no âmbito do projeto Texp@ct, ficou marcado por uma reflexão sobre o potencial dos têxteis inteligentes. A sessão foi conduzida por Ana Barros, do CITEVE, e contou com a participação de João Rui Pereira, CEO da Pafil Clothing, e Jorge Sousa, administrador da Viatel – duas empresas que integram o consórcio do projeto e que partilharam a sua experiência no desenvolvimento de soluções têxteis funcionais e conectadas.
Ana Barros começou por contextualizar o público, explicando que os têxteis inteligentes são materiais capazes de sentir, reagir e interagir, não só com o utilizador, mas também com o ambiente. “Não se trata de vestir tecnologia, mas de a integrar de forma funcional no dia a dia. Os têxteis inteligentes já não são o futuro, são o presente”, afirmou.
No âmbito do Texp@ct, estão a ser desenvolvidas várias soluções que pretendem ir além do protótipo, passando da fase de investigação para a industrialização e entrada no mercado. Um dos exemplos apresentados por Ana Barros foi o de um top sensorizado para avaliar o desempenho de jovens atletas, entre os 12 e os 18 anos. Mencionou também um EPI (equipamento de proteção individual) destinado à monitorização de parâmetros fisiológicos e de radiações eletromagnéticas, útil em situações onde a comunicação é difícil. “O desafio neste momento não é inventar, é industrializar de forma sólida”, sublinhou a investigadora.
Da torre de telecomunicações à confeção: inovação colaborativa
É precisamente neste contexto que surge a colaboração entre a Pafil Clothing e a Viatel, que estão a desenvolver um EPI inteligente para os trabalhadores que operam em torres de telecomunicações. O objetivo é garantir a localização e a segurança dos técnicos em zonas remotas, assegurando que não se perde a comunicação e permitindo monitorizar sinais vitais como o ritmo cardíaco.
“Já temos um protótipo, embora ainda não seja o final”, revelou João Rui Pereira ao T Jornal, acrescentando que já foram realizados testes em campo, cujos resultados levaram a ajustes no equipamento, também com base no feedback dos utilizadores.
Segundo o empresário, o maior desafio é equilibrar as exigências normativas dos EPIs com o conforto e a funcionalidade desejados pelo utilizador. A execução técnica é igualmente complexa: “coser peças com fios eletrónicos é difícil, sobretudo de forma consistente e rentável. Testámos cinco máquinas até concluirmos que a melhor era uma máquina automática, porque permite controlar a velocidade e a direção do ponto, garantindo uniformidade após a afinação”, explicou.
João Rui Pereira destacou ainda a importância de envolver investigadores, designers e equipas de produção desde o início: “Só trabalhando em conjunto é que conseguimos perceber as limitações e o potencial de certas ideias. O objetivo da indústria é sempre chegar ao mercado. As empresas têm de ter meios para aplicar as propostas dos investigadores e designers.”
Desafios da industrialização e do suporte ao cliente
Enquanto moderadora da conversa, Ana Barros questionou de seguida as empresas sobre as dificuldades em escalar a produção.
“Fazer poucos protótipos é fácil, o difícil é integrar uma nova solução na linha de montagem, sobretudo quando falamos de têxteis funcionais que exigem costuras condutoras”, explicou João Rui Pereira. “É essencial formar os colaboradores, porque não é uma costura normal: se uma costura condutora quebrar, a peça perde a função prevista.”
Já Jorge Sousa, da Viatel, destacou a importância de pensar no suporte ao cliente desde o início: “Se estamos a trabalhar com têxteis inteligentes, as empresas têm de ter um help desk preparado para dar assistência em caso de falha. São produtos que geram dados, e isso implica responsabilidade. Pensar grande desde o início é fundamental.”
Defendeu também que a validação do produto em diferentes fases é determinante: “Para ser um produto final, tem de ser intensamente testado, porque são produtos de valor elevado e de utilização prolongada. A eficiência da aplicação é o segredo da inovação.”
Certificação, confiança e tempo de mercado
A conversa prosseguiu com o tema das certificações. João Rui Pereira considerou que um produto certificado transmite mais confiança ao cliente, mas lembrou que isso impacta o tempo de chegada ao mercado: “Perceber desde o início as normas é crucial, sobretudo na escolha dos materiais. As certificações exigem um trabalho burocrático maior, mas acrescentam valor e credibilidade. O ideal seria, no futuro, certificarmos o produto como um todo – têxtil e eletrónica integrados.”
Convencer o mercado e preparar o futuro
Os intervenientes reconheceram que convencer as marcas a adotar têxteis inteligentes ainda é um desafio, dada a sua complexidade e custo inicial. Para a Pafil, o argumento deve centrar-se no conforto, na ergonomia e na segurança: “Hoje, por exemplo, nos fatos de ski já temos sistemas de resgate integrados – em caso de avalanche, facilitam o resgate porque indicam a localização da pessoa. Quando falamos de segurança, o preço não é tudo.”
Jorge Sousa completou, sublinhando o dever moral das empresas de assegurar o melhor aos seus colaboradores: “A monitorização técnica é essencial e, no futuro, o quadro regulatório vai certamente acelerar este processo. A competitividade e a vontade de fazer melhor também o farão.” Concluiu reforçando a importância dos dados gerados pelos têxteis inteligentes: “Estes materiais são o melhor meio de ler o corpo – afinal, estão em contacto direto com ele.”