04 agosto 25
Empresas

Bebiana Rocha

Memória industrial renasce no centenário da Fábrica Oliva

Cem anos depois da sua fundação, voltou a sentir-se o pulsar da antiga fábrica da Oliva em São João da Madeira. Na semana passada, foi assinalado o centenário da empresa com a apresentação do livro ‘Oliva: A História por Contar’, da autoria da historiadora Catarina Moreira, com o mecenato de João Brandão, Chairman do grupo ERT, e uma homenagem aos antigos trabalhadores.

Este reencontro de gerações e resgate de uma história industrial com uma profunda vertente humana contou com a presença do Ministro da Economia e da Coesão Territorial, Castro Almeida, que elogiou o “contributo valioso para o património nacional” e sublinhou a relevância de manter viva a memória industrial como fator de coesão territorial e cultural.

Entre os participantes estiveram dois antigos funcionários que representaram gerações distintas: Abel Simão, que trabalhou na Oliva dos anos 1960 aos anos 1990, e Alice Moreira, que integrou a empresa já na fase final, em período de declínio. Também marcou presença a neta do fundador, Áurea Mota Torres, que afirmou: “Durante 100 anos a Oliva foi mais do que um local de trabalho. Ainda hoje é recordada e respeitada. Tem uma história rica e agradeço ao João Brandão pelo investimento e por ter dado continuidade a esta jornada.”

oliva centenario

Catarina Moreira iniciou a pesquisa sobre o património da Oliva há dez anos e contou ao T Jornal que “os dois primeiros anos foram difíceis”, mas sempre sentiu que a empresa “foi mais do que máquinas”. Para a historiadora, existia “um lado profundamente humano” que lhe deu “vontade de descobrir mais e contar essa história”.

Ela recorda que “aquilo que hoje atribuímos como benefícios já se praticava nos anos 40”, referindo-se, por exemplo, às caixas de providência criadas para garantir pensões aos mais velhos numa época em que não existia sistema de reformas. Mestre em História e Património, Catarina explica que a pesquisa começou pela recolha do que permanecia nas instalações da Oliva: “Os primeiros dois anos foram de recolha de acervo documental, realização de inventário, remoção de elementos que pudessem danificar os documentos…”, diz, recordando que parte das instalações estavam vandalizadas.

No final, conseguiu reunir cerca de oito mil documentos, entre os quais se incluem documentação administrativa, plantas e documentos técnicos. Entre eles, destaca os Estatutos do Fundo de Oliveira Júnior, que comprovam as preocupações sociais do fundador. Mais tarde, surgiu a ideia de alargar a pesquisa às bibliotecas e arquivos, para construir um levantamento completo. Foram consultados mais de 5.500 periódicos locais e nacionais até obter uma linha cronológica coesa e bem alicerçada em fontes.

“O maior desafio foi perceber o que fazer com toda aquela informação”, conta a autora, que assim chegou à ideia do livro. A obra está estruturada em duas partes: a primeira dedicada à fase de expansão da empresa, e a segunda ao período de declínio, marcado pela venda da Oliva a um grupo americano no final dos anos 1960.

Durante décadas, a Oliva foi hegemónica no mercado nacional de máquinas de costura e, a nível internacional, concorrente direta da Singer. Após sair das mãos da família, este segmento foi encerrado e a empresa reconvertida para a produção de torneiras nos anos 1970. Catarina Moreira sublinha que a Oliva operou em pleno Estado Novo, num período de política de autarcia, recebendo o exclusivo para abastecer o território no seu segmento. A empresa destacou-se também pelas campanhas de publicidade ousadas para a época, com outdoors, concursos e programas de rádio.

Mas, como refere a historiadora, “a história da Oliva não se esgota aqui”. Ao todo, foram impressos 200 exemplares do livro, distribuídos pelos antigos trabalhadores, e alguns ficarão disponíveis para consulta na Torre da Oliva e no Centro de Arte de São João da Madeira.

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