04 agosto 25
Sustentabilidade

Bebiana Rocha
Imagem: Burel Factory

Encerramento do último lavadouro de lã ameaça fileira laneira em Portugal

Vai ser entregue no Parlamento uma petição que defende a valorização da fileira da lã, na sequência do anúncio do encerramento do último lavadouro do país. A iniciativa, lançada pela Ovibeira – Associação de Produtos Agro-Pecuários, reunia esta manhã 5.459 assinaturas.

“A lã não pode ser transformada, não pode ser tratada, se não for primeiramente lavada. O encerramento do último lavadouro é dramático a esse nível”, alerta Ricardo Estrela, presidente da Ovibeira, citado pelo jornal Público, sublinhando que está em causa a autonomia de Portugal no tratamento da lã. Acrescenta ainda que esta situação implica o aumento dos custos de transporte e do preço final dos produtos desenvolvidos por empresas nacionais que continuam a utilizar esta matéria-prima.

Nos últimos dez anos, o lavadouro da Têxtil Manuel Rodrigues Tavares assumiu protagonismo absoluto nesta atividade. O tratamento dos efluentes era feito com recurso a um pequeno sistema de tratamento interno e também com o apoio da Câmara através de um acordo, que não foi continuado. Para continuar a laborar segundo as normas ambientais teria de fazer um dos seguintes investimentos: instalar um sistema de tratamento de águas de maior capacidade ou recorrer ao tratamento municipal, com custos considerados incomportáveis pelo administrador. Atualmente, a empresa encontra-se em situação de inoperância e necessita de apoio para desbloquear o processo.

João Carvalho, CEO da Fitecom, que lava neste lavadouro mais de 300 toneladas de lã por ano, confirma a importância crítica desta infraestrutura. “Quando a lã estava em alta lavava lá perto de 600 toneladas”, recorda, sublinhando que deve ser um dos maiores clientes desta unidade na Guarda. “Para nós é uma infraestrutura muito importante, é um dos lavadouros mais avançados da Europa, com tecnologia nova, investiram”, reconhece.

Segundo o gestor, o que tem valido ao negócio da Fitecom é ter sempre stock, mas admite que se a situação não se resolver até ao final do ano vai começar a “causar problemas”. A Fitecom foi uma das signatárias de um apelo enviado em fevereiro ao Conselho de Administração das Águas do Tejo para evitar a paralisação da atividade, mas João Carvalho diz não ter recebido qualquer feedback.

Sobre a reativação do acordo de exportação de lã não lavada para a China, o empresário considera que é uma forma de escoamento, mas limitada: “A China está a comprar a lã mais barata do que eu consigo comprar. O problema que o mundo tem é que a lã está fora de moda, erradamente, em detrimento do lixo, do plástico. Como vamos competir com as gigantes que toda a gente gosta? O mercado da lã está parado em comparação com o que era há 20 anos atrás. Há excesso, os criadores de ovelhas querem dar a lã e mesmo assim ninguém quer.”

Como solução, João Carvalho aponta para a certificação: “Tem de se criar uma certificação para a lã portuguesa dentro dos critérios do RWS [Responsible Wool Standard]. Tenho calcorreado o Alentejo para certificar uma centena de produtores e o feedback é nulo porque dá trabalho. Tenho importado lã da Argentina e do Uruguai porque os meus clientes querem tecidos de lã certificada. Portugal é um mercado pequeno, temos de criar uma certificação para o mundo, que tenha impacto e seja reconhecida a nível internacional”, conclui.

O impacto do fecho do lavadouro é direto para o setor têxtil e vestuário nacional. Portugal mantém uma indústria laneira viva, resiliente e competitiva, concentrada na Covilhã e na Serra da Estrela, que depende da lã nacional e rastreável. Embora os pastores possam exportar lã não lavada, o país perde valor acrescentado ao exportar matéria-prima sem transformação local.

A petição a entregar no Parlamento solicita a criação e implementação de uma estratégia nacional para a valorização da lã, envolvendo os ministérios da Agricultura, Economia, Cultura, Ambiente e Turismo. Defende ainda a criação de incentivos específicos para a transformação local da lã, através do apoio à instalação de pequenas unidades de lavagem, fiação e fabrico de produtos, bem como a criação urgente de um lavadouro em território nacional, assegurando o primeiro passo essencial para qualquer cadeia de transformação.

O documento pede também a valorização da lã como produto ecológico e biodegradável, reconhecendo o seu papel na economia circular e nos objetivos de sustentabilidade; a inclusão da lã nos apoios à agricultura e às atividades tradicionais; o apoio à promoção e comercialização da lã portuguesa; a integração deste produto em programas educativos, turísticos e culturais; e, por fim, a criação de uma certificação de lã portuguesa.

Para que uma petição seja discutida em plenário na Assembleia da República, são necessárias mais de 7.500 assinaturas. No entanto, mesmo não atingindo esse número mínimo, estas iniciativas podem ser analisadas pelas comissões parlamentares competentes, que avaliam o seu conteúdo e podem emitir recomendações.

Recorde-se que, em outubro de 2024, foi assinado um protocolo entre Portugal e a China que reabriu as exportações de lã não lavada. No entanto, numa altura em que se fala de reindustrialização, soberania nacional, valorização da identidade e sustentabilidade, os agentes do setor encaram o encerramento do lavadouro como um retrocesso e um desincentivo à continuidade da fileira laneira em Portugal.

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