Bebiana Rocha
A circularidade deixou de ser apenas uma condição para trabalhar com certos clientes e tornou-se uma obrigatoriedade para as empresas. Consciente desta mudança, a ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal conduziu ontem, no âmbito do projeto RESOTEX, um webinar dedicado ao tema ‘A Economia Circular na Indústria Têxtil e Vestuário’, onde foram apresentados bons exemplos da fileira.
O primeiro painel contou com Cristina Castro, da Tearfil, para representar a fiação; Andreia Carvalho, da Casa da Malha, na tricotagem; Sandrina Pinto, da Endutex, na ultimação; e Márcia Leite, da Becri, na confeção.
Na abertura da sessão, Ana Dinis, diretora-geral da ATP, sublinhou a importância de reunir todos os elos da cadeia de valor naquela tarde, lembrando que a transição de um modelo linear para um modelo circular e regenerativo exige uma “transformação em rede” e a “colaboração de todos”.
“É preciso repensar todo um novo modelo de negócio, a forma como gerimos os resíduos e os subprodutos, e como mantemos a competitividade, a inovação e o respeito pelos requisitos regulamentares. A Europa está a colocar sobre nós novos requisitos, nomeadamente a responsabilidade alargada do produtor. É preciso estarmos preparados para assumir a dianteira e ganhar quota de mercado”, afirmou.
Ana Dinis reforçou ainda que o objetivo do projeto RESOTEX passa por antecipar as exigências que a União Europeia trará às empresas e apoiá-las na capacitação e transição, tirando partido de um mercado transfronteiriço.
O webinar foi pensado como uma sessão prática, com diferentes visões e foco na transparência. “Só faz sentido se chegarmos ao fim com empresas mais competitivas”, concluiu.
O painel ‘Da fiação à confeção: boas práticas circulares’ começou com a intervenção de Cristina Castro, diretora de qualidade e inovação da Tearfil, que demonstrou plena consciência dos desafios e do papel da fiação enquanto elo inicial da cadeia. “Estamos empenhados em construir uma indústria mais honesta”, afirmou.
Depois de contextualizar os presentes sobre os marcos da empresa, fundada em 1973, apresentou os serviços que presta – nas áreas militar, saúde e automóvel à moda -, bem como as suas unidades industriais: ring colored melanges, ring ecrublends, open end, vortex spinning e laboratory spinning mill.
A capacidade produtiva atual da Tearfil é de cerca de 4 000 toneladas por ano.
“Há mais de 20 anos que trabalhamos a economia circular”, continuou. Seguiram-se exemplos concretos de como a Tearfil aplica este modelo na fiação: transformação de resíduos têxteis em novos fios, integração de fibras recicladas, redução de desperdícios no processo produtivo, desenvolvimento de programas de retorno com parceiros, criação de fios monomateriais e conceção de fios sustentáveis exclusivos.
Entre as medidas de transparência e rastreabilidade que a empresa já implementa, Cristina Castro destacou a digitalização e tecnologias de informação (como blockchain e IoT), o passaporte digital de produto (PDP), LCA digital e ERP, um amplo conjunto de certificações (ISO 9001, FSC, GRS, GOTS, OCS, BCI, REGENAGRI, FAIRTRADE), auditorias e relatórios de sustentabilidade, ecodesign e logística reversa.
A responsável apresentou ainda dois projetos de inovação em curso. O primeiro é dedicado à avaliação do potencial da fibra de cardo na indústria têxtil. Segundo explicou, “uma análise preliminar revelou fibras com diâmetro médio de 35 dtex e comprimento entre 32 e 42 mm. Apesar de a Tearfil trabalhar sobretudo fibras curtas, fibras longas foram também extraídas com sucesso das folhas do cardo através de raspagem mecânica”. Esta caracterização fornece informações valiosas sobre o potencial competitivo e de alta qualidade da fibra para aplicações têxteis, apontou.
O segundo projeto é o test bed Advanced Textile Material, já numa fase final, cujo propósito é “acelerar a produtização, industrialização e comercialização”, com forte integração digital, e encurtar os tempos de desenvolvimento de novos materiais têxteis avançados, concebidos de forma inovadora e alinhados com a lógica da economia circular, seja num espaço físico ou num ambiente virtual.
Neste caminho da sustentabilidade, a Tearfil criou cinco marcas próprias: 1. MoreColorGreen, gama de fios desenvolvidos a partir de resíduos de linho e poliéster reciclado, com certificação GRS; 2. Tearfil Up, programa de recolha que transforma resíduos de produção dos clientes em novos fios; 3. Eco Heather, que recupera resíduos da fiação para criar coleções exclusivas de fios mesclados, contribuindo para a poupança de água (GRS); 4. Rainbow, que mistura resíduos ricos em linho com poliéster reciclado pós-consumo, através de um processo de fiação mais eficiente e certificado pela GOTS; e 5. Infini, que resulta de uma nova tecnologia que combina fibras de base biológica com materiais biodegradáveis para criar soluções 100% biodegradáveis.