Bebiana Rocha
O CITEVE organizou, na passada semana, um evento dedicado à digitalização na indústria têxtil e vestuário portuguesa, no âmbito do projeto Texp@ct. Entre os temas em destaque, a Robótica e Automação mereceram especial atenção, num encontro que reuniu empresas e outras entidades para discutir o presente e o futuro da fábrica inteligente.
A sessão foi aberta por Nelson Rodrigues, coordenador de Inovação e Projetos do CITEVE, que apresentou os desenvolvimentos em curso no domínio dos armazéns integrados e o potencial da digitalização para criar armazéns automatizados. Foram mostrados exemplos concretos de soluções testadas no âmbito do projeto em empresas como a Riopele e a Pedrosa & Rodrigues, envolvendo o transporte automatizado de materiais e a gestão de cavaletes até 1300 kg.
Estas tecnologias, destacou Nelson Rodrigues, “reduzem os riscos de lesão dos trabalhadores e libertam-nos para outras tarefas de maior valor acrescentado”.
Outro avanço relevante na área da intralogística é a rastreabilidade inteligente, com destaque para o Smartex Loop, cuja etiqueta RFID permite armazenar toda a informação associada ao artigo.
Ainda no campo da automação, foram reveladas soluções para automatizar a recolha de excedentes de corte, novamente com o exemplo da Pedrosa & Rodrigues. Na apresentação, a atenção centrou-se na célula de recolha de peças cortadas e na célula de costura automática para execução de bainhas laterais de t-shirts. Esta última integra quatro módulos principais: alinhamento das peças cortadas, costura das laterais e ombros, inversão da peça, e execução do fundo da t-shirt.
“A automação já começou. A questão é até onde a queremos levar”, lançou Nelson Rodrigues, introduzindo o painel “O potencial da fábrica automatizada”, que contou com Marcelo Alves, diretor de Inovação e Desenvolvimento da Infos, e Lara Silva, projetista mecânica da ESI Robotics.
Questionada sobre o maior desafio da robótica aplicada a materiais têxteis, Lara Silva destacou a dificuldade inerente à flexibilidade e deformabilidade dos tecidos: “Trocamos de tecido e ficamos novamente sem tapete.”
Sublinhou ainda que os robôs continuam a carecer das “características humanas”, os pequenos gestos que as costureiras executam de forma quase impercetível. “O caminho é longo até igualar esses resultados”, reconheceu, defendendo, contudo, uma simbiose entre humano e robô como modelo de futuro.
Marcelo Alves reforçou a importância dos sistemas de controlo e da fiabilidade dos dados: “Com a entrada da IA no ecossistema, os dados tornaram-se ainda mais necessários. São eles que alimentam todo o sistema.” O responsável alertou, contudo, que os sistemas de integração de dados ainda têm de evoluir para responder plenamente às necessidades do setor.
O retorno do investimento foi outro dos tópicos debatidos. Lara Silva reconheceu que os empresários portugueses “têm sido cautelosos”, compreensivelmente, dado que “as pequenas séries prolongam o tempo de retorno”. Já em áreas como a logística e o corte automatizado, nota-se uma mudança de mentalidade mais rápida.
Marcelo Alves acrescentou que “é importante investir agora para o futuro. Não se deve pensar apenas no retorno imediato – estamos perante uma mudança de paradigma em que o mindset deve ser de investimento a longo prazo”.
Seguiu-se a reflexão sobre como evoluir de uma célula isolada para uma linha colaborativa, rumo à verdadeira fábrica inteligente. Para Lara Silva, a base está na “utilização de protocolos abertos, sistemas EMS e equipas multidisciplinares, bem como nas fábricas gémeas digitais”.
Marcelo Alves acrescentou que a partilha e interoperabilidade de dados são essenciais: “As células têm de ser capazes de enviar dados e de aprender com instruções.”
Sobre o desafio de criar robôs capazes de se adaptar a diferentes peças sem necessidade de reconfiguração constante, ambos concordaram que a solução passa por dotar os robôs de inteligência e sensores, capazes de ajustar automaticamente parâmetros como a velocidade de avanço, e por dispor de vários tipos de grippers para adaptação a diferentes tecidos e peças.
As ferramentas digitais também podem contribuir para reduzir o desperdício, como exemplificaram com o uso do digital twin, que permite visualizar virtualmente a peça antes da execução física.
Na reta final do debate, os oradores abordaram as competências do futuro. “Vamos ter de ser todos mais analistas e estar constantemente em aprendizagem”, sublinhou Lara Silva. Já Marcelo Alves defendeu que “as pessoas terão de compreender melhor a eletrónica e serão essenciais para treinar modelos de inteligência artificial”, apontando grandes oportunidades na análise de dados.
O evento encerrou com uma reflexão sobre os robôs humanoides. Lara Silva considerou que “a forma humana nem sempre é a mais eficiente para todas as tarefas”, defendendo que a robotização deve ser seletiva, aplicada onde são exigidas velocidade e consistência. Marcelo Alves concluiu destacando a importância da especialização humana, lembrando que “a inteligência artificial não serve para tudo”.