Bebiana Rocha
Imagem: Materia Creative Agency
O centenário da histórica empresa Oliva será celebrado amanhã, pelas 17h30, na Torre da Oliva, em São João da Madeira, com o lançamento de um livro e um momento de homenagem a antigos trabalhadores.
A publicação, coordenada editorialmente pelo grupo ERT, resulta de uma década de investigação da historiadora Catarina Moreira e conta com o mecenato de João Brandão, chairman do grupo, que em declarações exclusivas ao T Jornal sublinha o profundo compromisso com a preservação da memória da Oliva, enquanto marca e património identitário da cidade.
Fundada em 1925 por António José Pinto de Oliveira, a Oliva dedicava-se inicialmente à fundição, serralharia e carpintaria mecânica. A empresa consolidou-se ao longo das décadas e, em 1948, inaugurou uma nova área dedicada à produção de máquinas de costura — um marco que a manteria viva na memória coletiva até aos dias de hoje.
A difusão das máquinas de costura Oliva foi tal que se tornou uma concorrente direta da Singer durante cerca de quatro décadas, com inúmeros pontos de venda em todo o país e uma forte presença pública, incluindo concursos promovidos pela marca. Em 1987, a empresa ocupava já uma área de 120 mil m².
Pioneira em inovação tecnológica, qualificação de mão de obra e responsabilidade social, a Oliva destacou-se por várias iniciativas únicas. Criou uma caixa de previdência que atribuía pensões numa altura em que ainda não existiam reformas em Portugal, uma cooperativa de consumo que respondia às necessidades básicas dos trabalhadores quando ainda não havia supermercados, e um centro de cultura e recreio, que promovia o desporto e a cultura. Havia grupos desportivos em praticamente todas as modalidades imagináveis, incluindo andebol, pesca e tiro, bem como coros e colónias de férias destinadas às crianças dos colaboradores. Chegou a empregar 3346 pessoas.
A empresa entrou em falência em 2010. Desde então, parte do seu património foi transformada num espaço de exposição que celebra o seu legado, integrando também atualmente a rota do turismo industrial da região. Outra ala foi reabilitada para acolher indústrias criativas e culturais, sob a designação Oliva Creative Factory.
O chairman da ERT, João Brandão, tem um papel muito importante na preservação do património da Oliva. Em declarações exclusivas ao T Jornal, conta que a sua ligação histórica à empresa remonta a 2016, ano em que adquiriu parte do ativo imobiliário das antigas instalações, bem como a marca Oliva e todos os direitos associados.
A restante área, incluindo a Torre da Oliva e a Oliva Creative Factory, integra atualmente o património da Câmara Municipal de São João da Madeira. “Esta não é apenas uma propriedade, mas um compromisso com a história e a memória de uma empresa que moldou a identidade de São João da Madeira”, afirma.
Os sanjoanenses têm muito presente a dimensão industrial que a empresa alcançou, conta João Brandão: “os momentos de entrada e saída dos turnos, com a movimentação intensa de pessoas, são inesquecíveis, esses movimentos eram tão significativos que, para regular o trânsito nos seus arredores durante as mudanças de turno, a própria empresa instalou os primeiros semáforos em São João da Madeira. Além disso, a presença da marca era visível a nível nacional, com reclames luminosos nas principais cidades do país, como no Rossio em Lisboa ou na Avenida dos Aliados no Porto”, recorda.
Sobre a sua ação de mecenato, afirma que foi a profunda responsabilidade após a aquisição dos ativos, que estavam bastante vandalizados na altura da aquisição, que o fizeram avançar – “ao percorrer os espaços carregados de história e memórias de tantas pessoas, tornou-se evidente a necessidade de preservar ao máximo tudo o que ali se encontra. Após anos de trabalho dedicado, conseguimos inventariar mais de 8 mil documentos relacionados com a história da Oliva. Sentimos que era nosso dever registar e partilhar todos estes factos, muitos deles desconhecidos, através de um livro. Esta publicação representa o nosso contributo e o nosso legado para preservar a história de uma empresa”.
Questionado sobre as partes do livro que mais lhe chamam à atenção, o empresário destaca duas: “é crucial realçar a notável visão empreendedora do fundador, o pioneirismo na indústria metalúrgica e, acima de tudo, a sua especial preocupação social e humanitária, é um exemplo inspirador que deveria ser replicado nos dias de hoje”; e também o forte componente de mecenato artístico-cultural da Oliva — “a empresa antecipou em muito as práticas modernas de responsabilidade social empresarial, demonstrando um compromisso com a cultura e o bem-estar social que estava muito à frente do seu tempo”.
Em suma, João Brandão aponta a Oliva como um motor económico e principal empregador da região — “desempenhou um papel central na subsistência de milhares de famílias” —, criador de um microcosmos social e identidade da comunidade — “a empresa não era apenas um local de trabalho, mas também um verdadeiro microcosmo social, funcionando como um centro de atividades sociais e culturais que unia os seus funcionários e a comunidade envolvente”, remata com a mensagem de que era o coração pulsante da cidade, “a força motriz do desenvolvimento da cidade. Foi uma entidade que se confundiu com a própria identidade e progresso da cidade ao longo de décadas”.
É precisamente este percurso, industrial, cultural e social, que está agora reunido no novo livro agora apresentado, com introdução pública da autora e do chairman da ERT no evento comemorativo.
“A obra mergulha no percurso industrial, cultural e social da Oliva, desde a sua fundação, em 1925, até ao encerramento, em 2010. Mais do que um registo cronológico, trata-se de uma viagem humana, com testemunhos, documentos inéditos e histórias esquecidas que ajudaram a moldar a identidade de São João da Madeira”, refere a organização em convite.
A partilhar essas histórias estarão também os ex-funcionários Alice Moreira e Abel Simão, bem como Áurea Mota Torres, neta do fundador da empresa.