Bebiana Rocha
“A nossa história começa em 1959, com a aquisição de uma pequena tinturaria pelo Sr. José Júlio Varela. A partir daí, crescemos até nos tornarmos numa estrutura vertical. Chegámos a ter fiação até aos anos 2000, mas deixamos de lado essa etapa por força das circunstâncias do mercado”, explica.
O edifício industrial está organizado em três pisos. Começamos pelo inferior, onde visitamos o armazém de matéria-prima — considerado por Ricardo Silva a área mais determinante para a qualidade final dos produtos.
“Diria que esta zona é uma das áreas fundamentais da nossa estratégia de negócio. Temos muita atenção à qualidade do algodão. Pessoalmente, adoro o algodão africano. África tem o melhor algodão do mundo num contexto de qualidade/preço, é uma região onde existem as condições ideais para a cultura desta planta cuja fibra é ainda apanhada à mão”, descreve.
A sedosidade e o brilho são critérios fundamentais, pois influenciam diretamente o resultado final nas cores e aspeto do produto.
“Focamo-nos num sourcing de fio que nos dê garantias de qualidade, trabalhamos com outras fibras para além do algodão, mas este é ainda incontornável para o nosso produto”, enfatiza.
Seguimos para a tinturaria. A Belfama trabalha com fio tinto e tingimento em peça.
Ricardo Silva apresenta quatro projetos de I&D atualmente em curso: Reuse, dedicado ao tratamento de efluentes; Greendye, que aposta na aplicação de corantes minerais; Be@t, centrado no desenvolvimento de têxteis biofuncionais a partir de resíduos florestais com propriedades antiodor; e Production AI, um sistema de predição que deteta anomalias no funcionamento dos teares.
Após a urdissagem, entramos na tecelagem. Aqui, fala-se também das parcerias, como a colaboração com a Valérius 360, que permite reaproveitar os fios inutilizados, assim como os defeitos. Os mesmos são reciclados e voltam a ser integrados no processo produtivo, promovendo a circularidade.
A visita prossegue até aos acabamentos — a zona mais recentemente construída. “O nosso layout não é o ideal. Teríamos preferido ter tudo num único piso, mas as circunstâncias não o permitiu”, reconhece o diretor-geral.
A têxtil de Guimarães tem investido de forma contínua, tanto na ampliação da capacidade produtiva como na aquisição de tecnologia avançada. Um exemplo é a nova máquina de acabamentos que confere um toque ainda mais suave ao felpo.
Foi também pioneira no país no uso de teares de jato de ar em felpo. Estes equipamentos permitem cerca de 50% de produção extra quando comparados com os teares de pinças, atingindo velocidades cruciais para cumprir prazos exigentes, diminuindo comparativamente a utilização de recursos como o espaço ocupado e mão de obra.
Atualmente, a capacidade instalada ronda as 800 Toneladas, distribuídas por uma área coberta de 13 mil metros quadrados. Os teares Jacquard possibilitam a criação de uma vasta gama de desenhos.
Está já previsto mais um investimento, desta vez superior a dois milhões de euros, para reforçar a área da tecelagem e confeção.
“Investir é essencial para uma empresa avançar. Mas tem de ser feito com critério, de acordo com as necessidades e possibilidades de cada estrutura. O crédito é como o sal e a pimenta: Usar quanto baste”, reflete Ricardo Silva.
Caminhamos para a confeção, onde os processos são automatizados. As toalhas são cortadas longitudinalmente e seguem para máquinas que fazem as bainhas e colocam etiquetas automaticamente.
A força de trabalho total é de 110 pessoas, das quais cerca de 40 estão afetas à secção de confeção e revista, um número que tem uma razão de ser: a atenção ao detalhe é o que permite manter o posicionamento no segmento médio-alto. Reconhece, porém, que os ganhos de produtividade não têm acompanhado o aumento do salário mínimo, o qual sofreu um incremento de 80% nos últimos 10 anos, valor esse impossível de acompanhar ao nível da produtividade.
Em direção ao armazém de expedição, falamos de certificações. A mais recente é a Regenagri, que reconhece práticas agrícolas regenerativas.
“Fomos a primeira empresa de felpos no país a aderir a este certificado porque acreditamos que devemos dar o nosso pequeno contributo para regenerar o nosso planeta, contribuindo para garantir a saúde da terra e a rendimento dos que nela vivem. As questões sociais são muito importantes para a Belfama”, afirma.
Já na zona de expedição, Ricardo Silva sublinha a importância das exportações: “No ano passado, Portugal exportou 216 milhões de euros em felpos para todo o mundo.” E lança o desafio: “Está nas nossas mãos aumentar esse número, se nos unirmos.”
No showroom, a conversa vira-se para os obstáculos mais recentes. As tarifas impostas por Donald Trump foram as primeiras a serem colocadas na mesa. Apesar de apenas 5% da produção seguir diretamente para os EUA, vários clientes têm esse país como destino final e sentem os efeitos o que indiretamente afeta o nosso negócio.
Os câmbios são outra preocupação, assim como os contratos energéticos. “Hoje para além de muitas outras áreas, temos também que ser especialistas em gestão energética”, desabafa.
Outro reparo vai para a lentidão dos apoios públicos. “Submetemos um projeto ao PT2020 antes da guerra na Ucrânia e só tivemos resposta um ano depois. Em doze meses, o mundo já era outro.”
Apesar de tudo, a empresa tem mantido uma estrutura financeira sólida. Dobrou a faturação nos últimos três anos. Em 2024, atingiu os 8,3 milhões de euros e o primeiro semestre de 2025 registou crescimento, assinalando uma fase de consolidação.
“O têxtil vive num subprime constante. Só melhorando os cash flows e reforçando a qualidade dos nossos balanços é que podemos garantir sustentabilidade”, aconselhou à restante fileira.
O dinamismo e vitalidade atual é, todavia, também fruto da visão de José Júlio Varela, fundador da casa. “Foi uma pessoa visionária e que investiu sempre. Muito do que a empresa tem hoje foi investimento dele. Cabe-nos dar continuidade e renovar o que for necessário”, afirma Ricardo Silva com orgulho.
A Belfama já vai na terceira geração. Começou com capital emprestado por um familiar, usado para comprar a pequena tinturaria de nome “Zanina”. A partir daí, construiu uma empresa exemplar que chegou a empregar mais de 300 pessoas.
“Era um tempo em que o setor têxtil tinha valor social. Os pais vinham pedir para os filhos trabalharem connosco. Com um só produto e dois ou três clientes, fazia-se dinheiro, esse tempo acabou há muito, agora é tudo completamente diferente”, recorda.
Atualmente, um dos maiores desafios é a falta de mão de obra qualificada. E Ricardo Silva não tem dúvidas sobre o valor das pessoas: “Os trabalhadores são a linha da frente. São a razão de ser da empresa, os jogadores que fazem a diferença, que marcam golos. Os nossos são os melhores. O know-how português continua a ser uma mais-valia face à concorrência asiática.”
Quanto ao futuro, a visão está traçada: tornar a estrutura mais eficiente e mais verde. Já começaram substituindo uma antiga vinha por painéis solares, que no seu pico cobrem metade das necessidades da empresa.
“Não queremos ser maiores, mas sim melhores e para isso é fundamental racionalizar processos e recursos, consumir menos energia e modernizar o parque industrial. Continuaremos igualmente a diversificar. Já estamos no private label, fornecemos hotelaria de luxo — com produções em seda e outras fibras exóticas para o Dubai e os Emirados Árabes — e agora queremos explorar também os contratos públicos, inclusive na área da defesa, onde já fornecemos, por exemplo, a Força Área Espanhola.”