Bebiana Rocha
O acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos no que respeita às tarifas “não é positivo”, afirmou Ana Dinis, diretora-geral da ATP, no último programa Ordem do Dia, emitido na passada sexta-feira pelo Porto Canal. Para a responsável, ficou claro que o entendimento não assegura reciprocidade.
“Se pensarmos naquilo que os EUA pagam quando chegam à UE e naquilo que os nossos produtos pagam quando chegam aos EUA, estamos a falar de uma grande falta de reciprocidade, o que nos preocupa”, alertou.
Outro ponto crítico identificado por Ana Dinis prende-se com o desvio de tráfego: fornecedores, sobretudo de origem asiática, que tinham os EUA como principal destino estão agora com dificuldades em exportar para aquele mercado e começam a direcionar a sua produção para a Europa. “É uma situação de grande imprevisibilidade. Os negócios precisam de previsibilidade e confiança”, reforçou.
Na emissão, que contou também com a participação de César Araújo, em representação da ANIVEC, voltou a estar em cima da mesa o problema do ultra fast fashion, para o qual, segundo os intervenientes, continuam a faltar medidas concretas. “O Sr. Trump identificou o problema e acabou com a regra de minimis”, recordou Ana Dinis. “No caso da Europa, continuam a chegar milhares de pacotes todos os dias, de baixo valor, vindos de plataformas asiáticas. Andamos a discutir isto há bastante tempo na União Europeia, mas não passamos da discussão. Enquanto isso, algumas empresas vão perdendo mercado e atividade”, acrescentou.
A diretora-geral destacou ainda a importância da dimensão ambiental e social, pilares da estratégia europeia para os têxteis lançada em 2022, que procura combater a fast fashion e promover produtos mais duráveis, de qualidade, amigos do ambiente e seguros para o consumidor. “Estamos a assistir a um problema grave que não tem tido qualquer travão. É obrigatório recolher os resíduos têxteis pós-consumo, uma responsabilidade de quem coloca o produto no mercado. No caso do ultra fast fashion, não há ninguém responsável por essa gestão. Os produtos não têm controlo de qualidade, não respeitam as condições sociais e criam concorrência desleal com quem produz na Europa. O mercado é desgovernado do ponto de vista da fiscalização”, alertou.
Ao longo da conversa, insistiu repetidamente na necessidade de ação urgente por parte das autoridades nacionais e europeias, sob pena de comprometer emprego industrial. “Falamos muito de reindustrialização, mas não vemos nada a acontecer. A Europa continua a ter uma das energias mais caras do mundo e temos de competir com países onde a energia custa duas a três vezes menos. Assim não é possível. Se queremos de facto ter indústria na Europa, não podemos olhar apenas para a indústria automóvel. O setor têxtil e vestuário foi considerado um dos 14 estratégicos. É preciso agir com urgência”, reclamou.
Como exemplo, apontou o caso de França, que avançou com uma taxa sobre cada pacote de ultra fast fashion. “Este é um primeiro passo que os Estados-Membros podem dar, a par de outras medidas. Não temos tempo. Quem está no mercado sabe que não é fácil diversificar destinos. A confiança conquista-se, porque nós não vendemos pelo preço, mas pelo serviço e pelo valor acrescentado — e isso demora tempo”, frisou, lembrando que o consumo de moda está maduro e que não é simples substituir o mercado norte-americano, um dos mais relevantes fora da União.
Sobre as notícias recentes de dificuldades em algumas empresas do setor, Ana Dinis defendeu que não se deve generalizar. “É um setor diverso, com diferentes formas de gestão, que deve ser olhado de forma especial. Há empresas que investiram fortemente em circularidade e novos equipamentos, são viáveis, mas, devido à quebra da procura e a clientes que não cumprem compromissos, enfrentam dificuldades para honrar responsabilidades nos timings previstos. Essas merecem uma atenção especial.” Depois, há empresas em agonia permanente. Em ambos os casos, é importante ter em conta que Portugal tem algo que outros países não têm: uma cadeia completa. É fundamental garantir a sua preservação, sublinhou.
“Não podemos deixar cair determinados elos da cadeia nem empresas que são vitais para a sua região e para assegurar trabalho a outros”, acrescentou, apelando a medidas concretas por parte do Governo, como o lay-off simplificado e apoios à tesouraria. “É preciso que o Governo olhe para o setor como outros governos já o fazem. Não é apenas um problema de Portugal, é europeu. Os nossos colegas em Itália estão a olhar para o setor com atenção e a tomar medidas. É isso que esperamos”, concluiu.
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