Bebiana Rocha
Portugal foi ontem surpreendido por um apagão elétrico de Norte a Sul do país, com consequências imediatas para a indústria têxtil e vestuário, que viu a sua atividade interrompida de forma abrupta. As empresas com processos produtivos contínuos, como estamparias e tinturarias, foram particularmente afetas, com danos nas malhas e perdas de produção.
Para avaliar o impacto desta falha energética o T Jornal ouviu a Tintex Textiles, Somelos, ATB – Acabamentos Têxteis de Barcelos e a lavandaria Pizarro, que partilha os efeitos sentidos e os desafios que se seguem. Ricardo Silva, CEO da Tintex, chama à atenção para a necessidade de termos mecanismos e procedimentos: “isto foi um abre olhos para encontrarmos mecanismos de mitigação do risco. Temos de estar prevenidos caso as fontes primárias parem. Portugal tem de aprender a fazer isso e as empresas também devem ter uma gestão de risco”, declara.
A empresa parou pelas 11h40, tendo sido o seu principal foco perceber como estavam as malhas, retirar os materiais, parar tudo em segurança e parar o gás. “Foi quase como se fosse uma situação de incêndio, identificamos o que estava a acontecer em cada máquina, qual era o dano possível, começamos a montar o plano para retomar e às 21h30 retomou-se, tivemos a equipa de manutenção à noite”, descreve.
A Tintex Textiles terá de recuperar algumas malhas, mas não é por esta situação que considera que se deve colocar em causa a transição energética. “Não acho que o apagão inviabilize o rumo da transição energética e digital. Não conseguimos substituir o gás natural por eletricidade nas râmolas ou nos queimadores por exemplo. Não há tecnologia suficiente”, começa por explicar. “Onde tenho gás natural não vou deixar de ter gás natural nos próximos anos, não necessariamente por uma questão de risco da eletricidade falhar, mas porque é inviável outra solução”, conclui.
Paulo Melo, CEO da Somelos, admite ter perdido produção. Só conseguiu retomar a produção no terceiro turno, o que causará atrasos em encomendas. Questionado sob uma forma de mitigar o risco em futuras situações defende que “os geradores para uma indústria como a têxtil não aguentam em termos de capacidade. São uma solução de curta duração”, o país deve é trabalhar para minimizar o risco e estabelecer políticas energéticas corretas.
“O país tem de proteger no que é possível para que o impacto seja mínimo. Existia no passado aquilo que o Engenheiro Mira Amaral falou, uma estratégia no país que começava por desligar as situações de muito consumo para proteger outras de menor consumo, acho que essa situação tem de ser posta em cima da mesa”, prossegue.
Paulo Melo levanta ainda uma questão: como é que a dependência de 30% de Espanha paralisa um país, e os outros 70%? “Há informações que ainda não são claras, tem de ser dado um motivo claro, não se pode esquecer, porque nada nos garante que não possa voltar a acontecer outra situação igual”, alerta a para importância da transparência.
Por fim, apela mais uma vez à toma de medidas preventivas, onde os técnicos tenham a última palavra, pede também coerência e prudência nas decisões sobre a transição energética. “Deve haver uma velocidade que não coloque em causa o país”.
A ATB esteve toda a manhã a calcular os danos do apagão. Mário Mano da administração da empresa de Tinturaria e Acabamentos de Barcelos avança que podem haver malhas estragadas e espera que o Governo tome medidas, uma vez que o seguro não cobre os prejuízos da paragem.
“Nós ficamos parados desde as 11h30 até às 22h30. Não tínhamos geradores, ficamos completamente parados. Tínhamos um plano B, que eram os painéis solares, mas não o conseguimos usar. Espero que o Governo tome medidas, tivemos cá o pessoal sempre na expectativa que chegasse a luz. Depois às 22h00 iniciou o terceiro turno, já com luz. Fomos ver que malhas estavam em final de processo, deixamos acabar, retiramos, secamos e vamos revistar”, descreve.
A lavandaria Pizarro ainda vai precisar de mais algum tempo para lá do dia de hoje para avaliar os danos da situação e reposicionar-se. O T Jornal falou com Margarida Pizarro, que confirma só ter retomado atividade já à noite e terem ficado coisas dentro de máquinas. “Estivemos de manhã a fazer o levantamento de tudo. Estávamos preparados para quebras de uma a duas horas por incidentes que acontecem, mas desta forma não. Vamos ter de reunir e perceber quais são os passos a seguir”, partilha.
Reconhecendo que o apagão servir também para fazer o mundo pensar se deve ser todo elétrico. “Há uma transição, há um futuro que se quer mais limpo, mas temos de pesar nas nossas decisões a questão deste tipo de situações acontecerem”, finaliza.
A ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal está já a realizar um levantamento detalhado dos prejuízos causados pelo apagão de forma a apurar o real impacto desta ocorrência para poder reportar a entidades superiores e garantir que se tomam medidas preventivas para situações futuras.
Enquadre-se que ainda não há confirmação oficial sobre o que causou o apagão. As primeiras informações oficiais apontam para uma falha técnica em Espanha. João Faria Conceição, administrador da REN, disse que momentos antes da quebra de energia tinha sido registada uma grande oscilação de tensões na rede espanhola e que, naquele momento, o sistema elétrico português estava numa fase de importação de eletricidade de Espanha.
Pedro Sanchéz pediu, contudo, uma investigação europeia independente. O chefe de Governo espanhol quer saber o que se passou concretamente para poder afastar a possibilidade de um ciberataque.
No seguimento do tema da transição energética, a Associação Portuguesa de Energias Renováveis diz que a mesma “não pode ocorrer à margem de uma estratégia clara de investimento em rede elétrica de distribuição e transporte bem como em sistemas de armazenamento e flexibilidade do sistema elétrico”.