Bebiana Rocha
A especialista em inovação têxtil Angela Augusto participou na passada semana na The Textile Institute World Conference, onde apresentou o paper “Digital Product Passports: A roadmap for textile circularity and compliance”. A sua intervenção destacou o papel transformador do Passaporte Digital de Produto (DPP) na construção de uma indústria mais transparente, autêntica e circular, capaz de ir além do simples cumprimento regulamentar.
“O DPP é uma forma de deixar para trás a imagem de um sector poluente”, afirmou, sublinhando que a transparência é hoje uma poderosa ferramenta de marketing, capaz de gerar maior confiança junto do consumidor e de reforçar a competitividade da indústria europeia.
Na sua apresentação, Angela Augusto explorou os riscos de não conformidade das empresas face às exigências de sustentabilidade da União Europeia e destacou a necessidade de definir critérios e um sistema de scoring que integre a produção, assegurando qualidade e consistência.
“É preciso traçar requisitos de estética, de performance, de integração e compatibilidade dos dados na produção, bem como de proveniência”, referiu, defendendo que o processo de adaptação não deve implicar a transformação total das fábricas.
Outro dos pontos centrais da sua intervenção foi o armazenamento e gestão dos dados associados ao DPP. A especialista questionou qual o sistema mais compatível e sustentável, lembrando que a blockchain, apesar de robusta, “não é sustentável”. A decisão entre sistemas centralizados ou descentralizados será, na sua perspetiva, também um dos passos críticos para a implementação.
Entre as soluções técnicas de identificação, Angela Augusto analisou as vantagens e limitações de diferentes tecnologias: o chemical tracer, o laser — que se revelou inviável em tecidos delicados —, o QR code, considerado o método mais fácil mas menos seguro, e o NFC, que, no seu entender, “é a opção mais eficaz”.
A especialista defendeu também a integração do DPP nos têxteis-lar, sublinhando que o desafio não se limita ao vestuário. “Continuamos a cortar etiquetas sem pensar em como vai ser feita a identificação no fim de vida da peça”, denunciou, reforçando que o DPP deve acompanhar todo o ciclo de vida do produto, desde o design até à reciclagem.
O roadmap apresentado inclui ainda a integração de sistemas cloud, blockchain e ERP, fruto de um projeto de rastreabilidade digital financiado pelo Innovate UK, desenvolvido em parceria com a Universidade de Liverpool. Ângela Augusto destacou a importância da colaboração entre a academia e a indústria, e apelou à inclusão das pequenas e médias empresas neste processo, de forma a garantir “igualdade entre regiões e segmentos produtivos”.
Ao abordar os desafios tecnológicos, lembrou que a automatização das máquinas e a modernização das primeiras etapas da cadeia de abastecimento são fundamentais para viabilizar esta transformação. “Se conseguirmos implementar o DPP, será um grande avanço competitivo para Portugal e para a Europa”, defendeu.
Por fim, Ângela Augusto sublinhou que o acesso à informação do DPP deverá ser segmentado — uma parte pública e outra, restrita, apenas acessível à rede das marcas — e alertou para a necessidade urgente de criar um formato standard de apresentação dos dados.
A sessão, que reuniu investigadores, fabricantes e decisores políticos, reforçou que a Geração Z valoriza confiança, transparência e sustentabilidade, fatores que estão a impulsionar mudanças reais no setor. O investimento em educação e formação da força de trabalho será, segundo a especialista, essencial para responder a estas novas expectativas e consolidar um futuro têxtil verdadeiramente sustentável.