22 julho 25
Eventos

Bebiana Rocha

A caminho de 2027: a indústria têxtil enfrenta a complexidade sem abrandar

A ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal promoveu na passada semana, em Guimarães, uma mesa redonda dedicada ao impacto do ESG (Environmental, Social and Governance) na indústria têxtil, com o apoio do Município e do Laboratório da Paisagem. A iniciativa contou com a participação de Ana Dinis, diretora-geral da ATP, Luís Rochartre Álvares, head of business transformation na Finitor Consulting, Daniela Amorim, manager ESG na KPMG, e Paulo Lopes, responsável pela área de compras de matérias-primas da JF Almeida. A moderação ficou a cargo de Gonçalo Gama.

“A reciclagem começar a ser uma matéria-prima é uma oportunidade para Portugal, que pode estar à frente, dado o seu know-how”, afirmou o moderador, antes de dar a palavra a Daniela Amorim. A responsável da KPMG começou por abordar as principais tendências do setor, destacando a importância crescente do sourcing responsável.

“Nenhuma empresa gosta de ver o seu nome nas notícias”, alertou, sublinhando ainda a necessidade de uniformizar as etiquetas ecológicas. “Não podemos segregar a produção por causa das ecolabels, temos de integrar a sustentabilidade no negócio e não colocar mais areia na engrenagem”, reforçou.

Outro tema em destaque foi o da pegada de carbono, que começa a ser exigida pelo mercado, sobretudo ao nível do produto. Seguiu-se a intervenção de Ana Dinis, que destacou o papel das associações nesta dupla transição – verde e digital. “O papel da ATP passa por ouvir os seus associados, perceber as suas dores e dar-lhes voz”, afirmou, reconhecendo a dificuldade de representar uma base empresarial tão diversa em dimensão e área de atuação.

“Discutimos a regulamentação, quer ao nível nacional quer europeu, depois de ouvir as diferentes sensibilidades. Há uma série de detalhes que são precisos afinar, nomeadamente a responsabilidade alargada do produtor. O nosso papel é perceber o que está em cima da mesa e fazer valer os interesses dos nossos associados com equilíbrio.”

Ana Dinis reconheceu que muitas das medidas não funcionam tão bem na prática como na teoria, dando como exemplo as matérias-primas de fibras recicladas. “As empresas não querem integrar porque ou prejudica a performance, ou porque trabalham para um segmento de luxo…”, referiu, acrescentando que a ATP também deve atuar como ponte e oferecer apoio através de formação e consultoria, especialmente às pequenas empresas.

Luís Rochartre Álvares defendeu a importância de alinhar as estratégias empresariais com as exigências europeias, para que o negócio possa prosperar, embora admita que nem sempre é possível cumprir todas as regras. “Ninguém teve sucesso a cumprir todas as regras. As diferentes regulações são importantes, mas as empresas têm de identificar as vantagens que trazem para o negócio”, apontou. Destacou ainda o papel da inovação, muitas vezes em ligação com as universidades, como forma de mitigar o peso da regulação num mercado cada vez mais competitivo.

A primeira ronda de intervenções terminou com Paulo Lopes, da JF Almeida, que recuou a 2015 para falar sobre a criação do departamento de energia e sustentabilidade, numa altura em que tal não era comum. “Sentimos a necessidade de fazer um estado da arte do nosso desempenho enquanto empresa vertical para perceber para onde queríamos ir, como estava o nosso consumo de energia, onde podíamos ser mais eficientes e com isso ganhar competitividade.”

A definição de métricas foi o passo seguinte, permitindo à empresa estabelecer planos de ação. Em 2021, um ano marcante em termos de investimento, a empresa adquiriu uma caldeira de biomassa que ficou paga em cinco meses após a subida do preço da energia motivada pelo início da guerra. Investiu ainda 3 milhões de euros em painéis solares.

“Não encaramos este trabalho como uma obrigação, mas sim como uma oportunidade de negócio, que está a dar resultados. Quando comparamos 2025 a 2022 já conseguimos uma redução das emissões de 55%.” A empresa está ainda a investir em formas de poupança de água nos processos de tingimento, a reduzir as temperaturas necessárias e a adquirir maquinaria e adotar processos mais eficientes para poupar tempo às equipas.

Na segunda ronda de intervenções, Daniela Amorim reforçou que a sustentabilidade deve ser parte integrante da estratégia e pode representar uma vantagem competitiva. “Há concursos abertos com requisitos de sustentabilidade e, se os cumprirmos, pode ser uma alavanca para nos distinguirmos dos demais e até propormos um preço diferente. Não podemos ir a todas”, sublinhou. Luís Rochartre Álvares continuou a reflexão, alertando que os atalhos devem ser evitados. “É como uma caixa de bombons – não vale a pena tentar escolher apenas alguns, no final vamos ficar com os que não gostamos.”

Ana Dinis recordou o projeto RDC@ITV, desenvolvido em conjunto com o CITEVE e a ANIVEC, que permite diagnosticar o setor e aceder às principais tecnologias para melhorar a eficiência dos processos têxteis. “As empresas continuam a tentar fazer melhor”, afirmou, apontando a JF Almeida como exemplo.

Do Roteiro para a Descarbonização resultou também uma ferramenta de cálculo da pegada de carbono, elemento central no tema da sessão. “O mercado empurra-nos para várias direções, a última questão deve ser: estamos a vender melhor?”, questionou. Ganhar margem é, segundo a responsável, o mais importante num contexto em que se vende menos, tanto pela crescente popularidade da segunda-mão como pela concorrência desleal das plataformas de ultrafast fashion.

Entre os fatores críticos para o sucesso, Daniela Amorim identificou a instabilidade regulatória, que cria incerteza nos empresários sobre os caminhos a seguir. “Se por um lado há organizações que podem suportar os custos dos investimentos, há outras que têm de pensar muito bem no que querem fazer, ponderar bem o risco.”

O debate final abordou ainda a escassez de mão de obra, tanto para o chão de fábrica como para funções mais qualificadas. Daniela Amorim observou que está na moda “experimentar várias empresas”, o que se revela um desafio para um setor técnico onde o onboarding é crucial. “Abraçar a complexidade” foi a nota deixada por Luís Rochartre Álvares. Paulo Lopes concordou, destacando as dificuldades em reter talento: “Investimos tempo e recursos e, quando estão no ponto certo, saem.”

Numa mensagem final, contrariando a apresentação de Ana Assis onde se lia “Stop the Clock”, Paulo Lopes afirmou que esta não se aplicava à JF Almeida. “Vamos continuar a trabalhar na direção da sustentabilidade, ao lado dos nossos mais de 800 trabalhadores. 2027 está à porta, a complexidade dos processos exige que não desaceleremos.” Ana Dinis encerrou a sessão com uma nota de otimismo: “Acredito na capacidade de mobilização de todos.”

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