Bebiana Rocha
A indústria de vestuário em malha do segmento moda continua a operar, em grande parte, num modelo linear, mas novas oportunidades circulares começam a ganhar relevância. Foi esse o retrato traçado por Maria José Carvalho, do CITEVE, no paper “Textile Deadstock Repair and Remanufacturing: A Circular Business Model Opportunity”, desenvolvido no âmbito da sua tese de doutoramento, orientada por Raúl Fangueiro da Universidade do Minho e Filipa Marques da ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, e apresentado na recente The Textile Institute World Conference, que decorreu no Porto.
O estudo revela que entre 5% e 12% da produção anual do vestuário em malha do segmento moda converte-se em deadstock -, um fluxo de resíduos significativo que pode representar várias toneladas de material por ano, mesmo em empresas de média dimensão.
A investigação tem como objetivo criar um modelo de gestão circular B2B que permita às empresas nacionais de vestuário em malha do segmento moda reparar e remanufacturar deadstocks – incluindo de matéria-prima, produto acabado, amostras e artigos com defeito -, reintroduzindo-os de forma sustentável e economicamente viável na cadeia de valor. Para tal, explicou Maria José Carvalho, nesta primeira fase do projeto, recorreu “a entrevistas com diretores e gestores de empresas representativas de toda a fileira produtiva do vestuário de malha do segmento moda, desde a fiação à confeção, passando pela tricotagem e ultimação”.
O estudo mostra que, embora o reaproveitamento interno e a reciclagem mecânica sejam já práticas comuns, a reparação e a remanufactura permanecem raras, devido a custos elevados, limitações tecnológicas, resistência cultural e organizacional, falta de mão de obra especializada e ausência de coordenação na cadeia de valor. Atualmente, a maior parte do deadstock é simplesmente armazenada ou vendida a intermediários de baixo valor.
Apesar disso, surgem já exemplos de iniciativas circulares inovadoras ao longo de toda a cadeia: uma empresa de tricotagem utiliza fios e malhas de deadstock para produzir sweatshirts para os colaboradores, uma empresa de ultimação participa num projeto local para transformar malha que não cumpre as especificações em artigos para animais de estimação e uma empresa de confeção desenvolveu um projeto de upcycling de t-shirts vintage com uma marca de luxo, criando cerca de 1.000 peças originais e exclusivas.
Este estudo evidenciou ainda que nas fiações verifica-se um excedente de matérias-primas e fios, enquanto o deadstock relacionado com restos de coleções e amostras é quase irrelevante, dado que produzem com base em encomendas de clientes. Já nas confeções, o volume de deadstock pode variar muito de uma empresa para outra, em função dos procedimentos implementados e da flexibilidade do mercado ou das marcas – algumas empresas produzem mais 3% a 5% da encomenda, que pode depois ser aceite ou não pelo cliente.
“Com base neste estudo, a próxima etapa da investigação será realizar um inquérito abrangente e estratificado em toda a cadeia de valor da indústria portuguesa de vestuário em malha do segmento moda, com o objetivo de quantificar volumes de deadstock, estruturas de custos e abertura dos gestores para adotar a reparação e/ou remanufactura em diferentes cenários”, revelou Maria José Carvalho. “Posteriormente, será desenvolvida e testada, em contexto industrial real, uma proposta de modelo de gestão circular B2B para reparação e remanufactura”, concluiu.
Segundo projeções divulgadas pela Ellen MacArthur Foundation, os quatro principais modelos de negócio circulares que identificou – revenda, aluguer, reparação e remanufactura – poderão, até 2030, representar entre 3,5% e 23% do mercado de moda mundial.